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A velha arte de achar água com gravetos no sertão do Nordeste — ciência confirma ou desmente a radiestesia?

Escrito por Fabio Lucas Carvalho
Publicado em 19/07/2025 às 11:32
água, radiestesia
Foto: Reprodução
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Em muitas regiões do sertão nordestino, a busca por água ainda depende de métodos tradicionais. Pessoas comuns, conhecidas como marcadores de poço, usam gravetos para tentar localizar fontes subterrâneas.

No sertão seco do Nordeste brasileiro, onde encontrar água pode ser uma questão de sobrevivência, muitas famílias ainda confiam em uma prática antiga e controversa: a radiestesia.

Com um simples galho em forma de forquilha ou duas hastes metálicas nas mãos, homens e mulheres caminham pelo campo à procura de veios subterrâneos.

Para quem vive em regiões castigadas pela seca, essa técnica representa esperança. Mas para a ciência, a radiestesia permanece sem comprovação.

Enquanto radiestesistas afirmam ser capazes de “sentir” a presença da água por meio de vibrações ou energias invisíveis, experimentos científicos controlados têm colocado em xeque essa suposta habilidade.

Um dos mais famosos testes foi realizado na Alemanha, nos anos 1980, e ficou conhecido como “Experimentos de Munique”.

O resultado? Para muitos cientistas, foi o golpe definitivo na credibilidade da radiestesia. Mas, mesmo com os dados científicos, a prática continua viva — especialmente onde a carência de recursos obriga as comunidades a se virarem como podem.

A tradição nordestina dos “marcadores de poço”

Em cidades do interior de Pernambuco, Ceará, Piauí e Paraíba, é comum encontrar pessoas que oferecem serviços de localização de água com base na radiestesia. E

les são conhecidos como “marcadores de poço” e têm clientela fiel entre pequenos agricultores e moradores da zona rural.

Em vez de equipamentos sofisticados, usam varetas de goiabeira, galhos de pessegueiro ou até pedaços de antena de TV em forma de “L”.

Usando uma forquilha de madeira, esses marcadores caminham descalços pelo terreno até sentir o graveto girar nas mãos. Quanto maior é a porcentagem de acerto de poços encontrados, maior é o reconhecimento da população.

Não são todos, mas é muito comum que esses marcadores cobrem pelo serviço. O valor pela marcação varia entre R$ 200 e R$ 500. Um detalhe: o valor é pago antecipadamente, não importando se a indicação do poço foi correta ou não.

O papel da intuição e do conhecimento empírico

Muitos dos que praticam radiestesia no sertão dizem ter “dom”. Outros afirmam que a técnica pode ser aprendida e desenvolvida com prática.

Alguns desses marcadores acreditam que o ato de ingerir bebida alcoólica, ou até mesmo o dono do terreno está no momento da busca, pode atrapalhar.

De qualquer forma, o que chama a atenção é que esses marcadores de poço costumam conhecer bem o ambiente ao seu redor.

Eles sabem onde há vegetação mais úmida, depressões no terreno e até como o solo se comporta em diferentes épocas do ano.

É possível que esse conhecimento empírico, acumulado ao longo de décadas, seja a verdadeira base do sucesso da radiestesia em algumas regiões.

Em muitos casos, a água está mesmo presente em boa parte do subsolo do sertão, especialmente em vales e baixadas. Assim, mesmo uma escolha aleatória pode ter boas chances de acertar.

Por isso, para alguns pesquisadores, o sucesso da radiestesia não tem relação com poderes sobrenaturais ou percepção extra-sensorial, mas sim com observações práticas e experiência.

O movimento das varetas nas mãos do radiestesista, por exemplo, pode ser resultado do chamado efeito ideomotor — pequenos movimentos involuntários feitos pelo próprio corpo, sem que a pessoa perceba.

Testes científicos colocam radiestesia à prova

Apesar da popularidade, a radiestesia não é reconhecida pela ciência como um método confiável para detectar água.

Para ser considerada válida, uma técnica precisa demonstrar resultados consistentes e acima do acaso em testes controlados e repetíveis.

Foi exatamente isso que os cientistas tentaram verificar no final da década de 1980, na Alemanha. O físico Hans-Dieter Betz, da Universidade de Munique, liderou uma pesquisa de dois anos para testar a radiestesia de forma rigorosa.

O experimento contou com apoio do governo alemão e ficou conhecido como “Experimento de Munique”.

Foram recrutados inicialmente 500 radiestesistas. Após uma série de testes preliminares, os 43 mais promissores foram selecionados para as etapas finais.

A estrutura do teste era engenhosa: em um celeiro de dois andares, foi instalada uma tubulação no piso inferior.

A água fluía por esse cano em posições aleatórias, controladas por robôs, sem que os participantes soubessem onde estava.

No andar de cima, os radiestesistas caminhavam sobre o piso e indicavam onde achavam que a água estava passando.

Mais de 800 medições foram feitas. Os resultados? A grande maioria dos participantes não obteve desempenho acima do esperado por pura sorte.

Apenas seis radiestesistas tiveram resultados ligeiramente superiores à média, mas mesmo esses números foram questionados por outros cientistas.

O estudo “Testando a radiestesia: o fracasso dos experimentos de Munique”

Em 1999, o biofísico Jim T. Enright publicou uma análise crítica dos dados do experimento alemão.

Em seu artigo, chamado “Testando a radiestesia: o fracasso dos experimentos de Munique”, Enright argumenta que os resultados positivos haviam sido superestimados pelos pesquisadores.

Segundo ele, ao analisar os dados com critérios estatísticos mais rigorosos, o desempenho dos melhores radiestesistas não foi melhor do que o de alguém chutando aleatoriamente.

Em alguns casos, os acertos ficaram dentro da margem de erro. Enright afirmou que os próprios dados do estudo eram, na verdade, uma forte evidência contra a radiestesia.

A crítica teve grande repercussão. Outros pesquisadores revisaram os resultados e concluíram que o suposto “sucesso” de alguns poucos participantes era provavelmente fruto de coincidência e má interpretação estatística.

A posição dominante na comunidade científica hoje é a de que a radiestesia falha quando submetida a testes duplo-cegos rigorosos.

Diante da falta de comprovação, a radiestesia tem sido deixada de lado em políticas públicas de abastecimento e perfuração de poços.

Hoje, órgãos estaduais e federais priorizam o uso de levantamentos geológicos e geofísicos, como a técnica da eletrorresistividade elétrica, que permite identificar camadas do solo com maior chance de conter água.

Mesmo assim, em áreas remotas e de difícil acesso, muitas prefeituras ainda recorrem a radiestesistas como alternativa prática e de baixo custo.

Essas situações levantam um dilema interessante: se uma prática funciona, ainda que sem explicação científica, ela deve ser descartada?

Para muitos moradores do sertão, a resposta é não. O valor simbólico, cultural e até espiritual da radiestesia pesa tanto quanto os resultados concretos.

Tradição e ciência podem coexistir?

Enquanto a ciência exige provas rigorosas, o saber popular se baseia na experiência, na tradição e na confiança entre as pessoas. No caso da radiestesia, esses dois mundos entram em conflito — mas não necessariamente se excluem.

Para as comunidades do semiárido, contar com alguém que “sabe achar água” é uma alternativa real diante da falta de apoio técnico.

Muitas vezes, o sucesso depende mais da tentativa e erro, da sabedoria do solo e das condições do lugar, do que de instrumentos ou fórmulas.

Ao mesmo tempo, reconhecer os limites da radiestesia é importante. Afinal, perfurar um poço custa caro, e errar significa perder tempo, dinheiro e esperança.

Por isso, muitos especialistas defendem que o ideal é unir os dois conhecimentos: aproveitar a experiência prática dos marcadores de poço, mas complementar com técnicas modernas e seguras.

O que aprendemos até aqui

A radiestesia continua viva no sertão nordestino porque responde a uma necessidade concreta e urgente: encontrar água onde ela parece não existir.

Mesmo desacreditada pela ciência, a prática resiste como parte do imaginário e da cultura popular. Os bastões de goiabeira, os pêndulos e as hastes metálicas ainda são ferramentas de esperança para quem vive nas margens da escassez.

Por outro lado, os estudos científicos — como o Experimento de Munique — demonstram que a radiestesia não resiste a testes controlados.

Quando as pistas ambientais são ocultadas e os critérios de avaliação são objetivos, os radiestesistas falham com frequência.

Os dados sugerem que o sucesso da prática, quando ocorre, pode ser explicado por sorte, observação do ambiente ou conhecimento empírico.

Entre a tradição e a ciência, o debate sobre a radiestesia continua aberto. Mas uma coisa é certa: em um Brasil onde a água ainda é um luxo para muitos, qualquer ferramenta que prometa encontrá-la — mesmo que entre lenda e realidade — seguirá sendo levada a sério por quem mais precisa dela.

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Fabio Lucas Carvalho

Jornalista especializado em uma ampla variedade de temas, como carros, tecnologia, política, indústria naval, geopolítica, energia renovável e economia. Atuo desde 2015 com publicações de destaque em grandes portais de notícias. Minha formação em Gestão em Tecnologia da Informação pela Faculdade de Petrolina (Facape) agrega uma perspectiva técnica única às minhas análises e reportagens. Com mais de 10 mil artigos publicados em veículos de renome, busco sempre trazer informações detalhadas e percepções relevantes para o leitor. Para sugestões de pauta ou qualquer dúvida, entre em contato pelo e-mail flclucas@hotmail.com.

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