Decisões judiciais recentes reforçam que o TDAH, quando causa limitações duradouras e há vulnerabilidade econômica comprovada, pode garantir a crianças o direito a um salário mínimo mensal pelo BPC/LOAS. Entenda como é feita a análise e quais documentos são exigidos.
O Benefício de Prestação Continuada (BPC/LOAS) pode ser pago a crianças com Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) quando houver impedimento de longo prazo que limite a participação em igualdade de condições e vulnerabilidade econômica comprovada.
Decisões recentes da Justiça têm reafirmado essa possibilidade e orientado a análise para além do rótulo do diagnóstico, concentrando-se no impacto concreto sobre a autonomia, a convivência social e a renda da família.
O que a lei prevê e como isso se aplica ao TDAH
A Lei Orgânica da Assistência Social estabelece que o BPC garante um salário mínimo por mês a pessoas idosas a partir de 65 anos e a pessoas com deficiência em situação de hipossuficiência.
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Na infância, vale a mesma lógica: é necessário demonstrar que existem limitações funcionais duradouras e que a renda familiar é insuficiente para prover o sustento básico.
Diagnóstico isolado não basta.
O TDAH precisa estar associado a barreiras que, somadas ao contexto social, escolar e familiar, impeçam a participação plena da criança.
Tribunais federais vêm reconhecendo o direito em cenários específicos.
Em um processo no Paraná, a Justiça considerou que o TDAH, somado a dificuldades severas de adaptação escolar e social, configurou impedimento de longo prazo.
Em Goiás, laudos multidisciplinares apontando prejuízos nas atividades da vida diária e renda insuficiente levaram à concessão do benefício.
Em ambos os casos, o foco recaiu no efeito prático do transtorno, e não apenas na nomenclatura clínica.
Critérios objetivos avaliados nas perícias
A definição legal de pessoa com deficiência abrange impedimentos físicos, mentais, intelectuais ou sensoriais de caráter duradouro que, ao interagirem com barreiras do ambiente, dificultem a participação plena.
Para crianças com TDAH, a análise costuma reunir um histórico clínico de acompanhamento contínuo, laudos de saúde descrevendo limitações funcionais e projeção de longo prazo, além de pareceres pedagógicos que detalhem adaptações curriculares, interrupções frequentes de atividades, crises comportamentais e necessidade de mediação.
Também ganham peso os relatos sobre organização, autocuidado e segurança, bem como a comprovação de vulnerabilidade socioeconômica aferida no CadÚnico e em visitas técnicas.
Ainda que a legislação indique como referência renda familiar per capita de até um quarto do salário mínimo, a jurisprudência admite flexibilização quando a prova social demonstra gastos excepcionais com saúde, medicamentos, transporte para terapias e necessidades especiais.
A avaliação, portanto, não se restringe a números: considera como as barreiras do entorno aumentam ou mantêm as limitações causadas pelo transtorno.
Como começa o pedido no INSS
O requerimento é administrativo e pode ser protocolado pelo Meu INSS ou presencialmente.
É necessário manter o CadÚnico atualizado antes da solicitação.
Em seguida, a família passa por avaliação social e avaliação médico-pericial.
A equipe técnica verifica se há impedimento de longo prazo e examina de que forma o ambiente — escola, transporte, renda e moradia — potencializa as dificuldades.
A análise é casuística, e a decisão se apoia no conjunto probatório e na coerência entre os elementos clínicos, escolares e socioeconômicos.
Relatórios consistentes contribuem para reduzir dúvidas.
Laudo médico recente com CID, descrição dos sintomas, terapias em curso e expectativa de evolução ajuda a fundamentar a condição.
Pareceres de psicologia ou neuropsicologia, com testes padronizados e análise funcional, agregam objetividade.
Da mesma forma, relatórios escolares bem detalhados sobre desempenho, frequência, adaptações e mediações dão visibilidade às barreiras enfrentadas no cotidiano.
Comprovantes de renda e despesas essenciais, sobretudo com tratamentos e transporte, reforçam o quadro de vulnerabilidade.
O que fazer em caso de negativa
Indeferimentos podem ser contestados por recurso administrativo.
Persistindo a negativa, é possível recorrer à Justiça Federal, inclusive nos Juizados Especiais Federais.
Quando a prova técnica é robusta e convergente — clínica, escolar e social —, decisões têm reconhecido o direito ao BPC.
Em situações de urgência, juízes podem conceder tutela provisória, autorizando o pagamento até o julgamento final.
Há revisões periódicas previstas: o benefício é mantido enquanto as condições que motivaram a concessão permanecerem presentes.
Efeitos práticos do reconhecimento
O reconhecimento de que o TDAH pode, em determinadas circunstâncias, caracterizar deficiência para fins assistenciais não cria uma regra automática.
Significa, porém, que famílias em vulnerabilidade, cujas crianças apresentem limitações substanciais e duradouras, podem alcançar a proteção do BPC.
O valor de um salário mínimo mensal costuma viabilizar terapias multiprofissionais, deslocamentos, alimentação adequada e materiais pedagógicos, fatores que reduzem barreiras e estimulam a permanência escolar.
Ao mesmo tempo, a decisão judicial ou administrativa precisa deixar claro que o direito decorre do conjunto de provas e do impacto na vida diária, não do diagnóstico em si.
Melhoras clínicas obtidas com tratamento não afastam automaticamente o benefício; o que importa é se, apesar das intervenções, permanecem barreiras que limitam a participação da criança em igualdade de condições.
Cuidados para evitar frustrações
Cada caso é examinado individualmente.
Não existe lista fechada de diagnósticos que geram BPC, e informações simplificadas que circulam nas redes costumam ignorar nuances importantes, como a análise integrada das barreiras sociais e ambientais.
O acúmulo com benefícios previdenciários em nome da criança não é permitido, ao passo que programas de transferência de renda como o Bolsa Família podem coexistir, observadas as regras específicas de cada política pública.
Diante de dúvidas sobre documentos, prazos e critérios, a orientação de um advogado ou da Defensoria Pública ajuda a organizar as provas e a planejar os próximos passos.
Passos essenciais, sem atalhos
A organização do pedido influencia o resultado.
Manter o CadÚnico atualizado, reunir laudos clínicos e relatórios escolares detalhados e protocolar o requerimento com atenção às informações de renda e despesas cria uma base sólida para a avaliação do INSS.
Em caso de negativa, o recurso pode ser instruído com documentos complementares, e a ação judicial pode requerer perícia e tutela provisória quando houver urgência.
O caminho é gradual, mas a consistência do dossiê costuma ser decisiva para demonstrar o impedimento de longo prazo e a vulnerabilidade econômica.
Em síntese, a orientação que emerge das decisões recentes é clara: o TDAH pode justificar o BPC quando houver prova de limitações significativas e persistentes, associadas a barreiras do ambiente e a renda insuficiente.
Como as famílias podem transformar essa compreensão jurídica em documentação concreta que faça diferença na hora da avaliação?