Produtores americanos enfrentam perdas bilionárias com tarifas e falta de mercado, enquanto trabalhadores somem e a crise ameaça a sobrevivência no campo.
A pressão sobre os agricultores americanos cresce a cada safra. De um lado, a política de imigração do governo Trump vem restringindo a entrada de trabalhadores.
Do outro, tarifas comerciais reduziram drasticamente as exportações de soja para a China, principal mercado consumidor mundial.
O resultado é um cenário de perdas bilionárias, estoques represados e um futuro incerto para milhares de famílias que dependem do campo.
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Queda drástica na força de trabalho
Dados do Bureau of Labor Statistics revelam que a força de trabalho agrícola nos Estados Unidos caiu 7% entre março e julho.
O recuo representa 155 mil trabalhadores a menos em apenas quatro meses. Informações do Pew Research apontam uma perda ainda maior: cerca de 150 mil trabalhadores imigrantes entre janeiro e julho.
Essa redução atinge diretamente propriedades que dependem da mão de obra temporária para a colheita.
No Congresso, um parlamentar republicano da Pensilvânia prepara um projeto de lei para tentar aliviar a crise. Porém, especialistas já alertam que a medida pode chegar tarde demais para muitos produtores.
Tarifas derrubam exportações
A situação se complica ainda mais com os efeitos da guerra comercial.
O governo Trump impôs tarifas que desencadearam medidas retaliatórias da China.
Dados da American Soybean Association mostram a gravidade: em 2024, Pequim gastou mais de US$ 3 bilhões em soja americana apenas no segundo trimestre. Neste ano, até agora, não comprou nada.
O vazio deixado pelos chineses afeta de forma brutal os produtores. Caleb Ragland, presidente da American Soybean Association, descreveu o impacto como um “um incêndio de grandes proporções” para o setor.
Ele lembrou que a China responde por 61% do consumo mundial de soja e que 25% da produção dos EUA era destinada a esse mercado.
“Estamos começando a colheita e temos 0 vendido para a China. Isso significa que 25% de nossas vendas simplesmente desapareceram. Com as tarifas, nosso preço ficou 20% mais alto que o da soja brasileira. Então, os chineses estão comprando de outros fornecedores. As famílias de agricultores estão sofrendo”, afirmou.
Prejuízos em alta
Com o mercado travado, a oferta sobra e os preços despencam. Ragland citou o caso de Chicago, onde a soja chegou a pouco mais de US$ 9 por bushel.
Em locais com custos de transporte maiores, como Dakota do Norte, o valor caiu para pouco acima de US$ 8.
O problema se agrava porque o custo médio de produção gira em torno de US$ 12 por bushel. Ou seja, cada unidade vendida gera prejuízo. “O agricultor americano já enfrenta altos custos de produção. Com tarifas sobre insumos como fertilizantes e equipamentos, a situação piora. As tarifas sobre aço, por exemplo, encarecem diretamente o maquinário agrícola”, destacou Ragland.
Longo prazo ameaçado
A conta é pesada. Estimativas indicam que agricultores podem perder mais de US$ 200 por acre com a atual safra. Ragland, que cultiva 1.200 acres de soja, calcula prejuízo de US$ 240 mil neste ciclo. “Não existe Airbnb ou labirinto de milho que compense perdas desse tamanho. São investimentos de longo prazo em terra, maquinário e infraestrutura. Não dá para entrar e sair do setor de um ano para outro”, ressaltou.
Além disso, ele lembrou que a relação comercial com a China levou mais de 40 anos para ser construída. “Foi uma parceria extremamente importante. Não precisamos de barreiras artificiais que nos tornem menos competitivos. Precisamos de mercado aberto. A soja é o principal produto agrícola de exportação do nosso país. Se perdermos esse espaço, não há substituto à altura”, completou.
Caminhos incertos
Alguns agricultores americanos tentam diversificar a renda. Experiências com turismo rural, hospedagem e atividades de lazer em fazendas ganharam espaço. Mas, para a maior parte dos produtores de grãos, essas alternativas não compensam os prejuízos milionários.
O temor é de que muitos não consigam se manter no negócio. “Temos famílias inteiras dedicadas à produção. Não se trata apenas de estatísticas, mas de sobrevivência de comunidades inteiras”, alertou Ragland.
O setor agropecuário sempre foi visto como base da economia e da identidade americana. Porém, as pressões simultâneas da falta de mão de obra e da perda de mercados internacionais colocam esse pilar em risco.
Pressão sobre o governo
Enquanto agricultores enfrentam perdas, cresce a pressão sobre autoridades em Washington. Parlamentares discutem medidas emergenciais, mas a complexidade do problema exige soluções de médio e longo prazo.
É necessário equilibrar segurança na política de imigração, sem sufocar a oferta de trabalhadores no campo, além de rever os impactos das tarifas sobre insumos e exportações.
A cada colheita, a urgência aumenta. Os estoques crescem, os preços caem, e os produtores veem seus compromissos financeiros se acumularem.
Para Ragland e os mais de 500 mil agricultores de soja do país, a resposta precisa vir rápido. “Nós sabemos produzir. Nós temos qualidade. O que falta é oportunidade. Precisamos competir em condições justas. Sem isso, a agricultura americana vai sangrar e perder o espaço que conquistou ao longo de décadas”, concluiu.
Com informações de ABC News.