Petrobras exerce uma posição dominante, respondendo por aproximadamente 74% da produção nacional de petróleo, além de controlar as principais rotas de escoamento de petróleo do offshore para o onshore
De acordo com Felipe Kury, ex-diretor da ANP, o contexto externo segue deteriorando, com indícios de desaceleração do crescimento global e um ambiente de fortes e persistentes pressões inflacionárias em função do excesso de liquidez, fruto da resposta fiscal e monetária dos países à crise sanitária da Covid – tudo isso, além dos frequentes aumentos nos preços das commodities e rupturas nas cadeias de suprimentos. Como consequência, países desenvolvidos aceleram o aperto monetário com elevação da taxa básicas de juros, ocasionando maior adversidade nas condições financeiras com reprecificação de ativos e aumento da aversão a riscos, resultando em maior incerteza e volatilidade, particularmente nos países emergentes, como o Brasil.
Petrobras é uma empresa de economia mista, com presença dominante em diversos seguimentos do abastecimento nacional – detendo, assim, uma missão de utilidade pública.
Neste ambiente adverso, segundo ele, nosso país sofre para amortecer os impactos nos sucessivos aumentos de preços dos combustíveis e, dessa forma, no controle da inflação. No que tange a Petrobras, seu atual modelo de governança e políticas de preços não oferece uma resposta efetiva para que o Governo (acionista majoritário e representante da sociedade), apresente uma solução sensível aos anseios dos brasileiros. Importante destacar que a Petrobras é uma empresa de economia mista, com presença dominante em diversos seguimentos do abastecimento nacional – detendo, assim, uma missão de utilidade pública. Obviamente, a empresa precisa ter lucro, remunerar adequadamente seus investimentos, ter capacidade de realizar novos investimentos em áreas estratégicas e ser competitiva. Porém, por ser uma companhia estatal, precisa também equilibrar estes interesses com os anseios da sociedade, especialmente neste momento de crise.
Muitas cartas estão em jogo com a mais recente intenção de acelerar a privatização da Petrobras em meio a um choque nos preços dos combustíveis. Por um lado, há quem repudie fortemente a possibilidade, defendendo a continuidade do modelo atual e, ainda mais, promete revisitar o que já foi privatizado em prol da preservação de empregos das diversas categorias envolvidas, com a preservação do patrimônio nacional no esteio da conservação do modelo estatal.
- Vitória do petróleo e gás? Empresas petrolíferas estão se afastando da energia verde e faturando BILHÕES com combustíveis fósseis
- Petrobras choca o mundo ao prometer TRANSFORMAR o Brasil com investimento de US$ 111 BILHÕES e geração de milhares de empregos! Será a virada do país?
- Petrobras tem plano audacioso de investimentos: a área de exploração e produção contará com um orçamento de US$ 77 bilhões (R$ 440 bilhões), enquanto US$ 20 bilhões (R$ 114 bilhões) serão destinados ao refino
- Brasil e Argentina fecham mega-acordo para importar gás natural barato e revolucionar a integração energética na América do Sul!
De outro, existem os que defendem a privatização para desenvolver um mercado mais dinâmico, mais aberto e com maior concorrência, que propicia novos investimentos e desenvolvimento socioeconômico – além de possibilitar preços de derivados mais acessíveis em toda a cadeia. Considerando um horizonte de médio a longo prazo, a privatização, desde que feita de forma planejada, coordenada e harmônica, pode, de fato, trazer grandes benefícios socioeconômicos para o Brasil e, certamente, para o setor de petróleo, gás natural e biocombustíveis.
Estatal, apesar de não estar presente diretamente na distribuição e revenda de combustíveis, continua como garantidor do abastecimento nacional
A Petrobras, apesar de não estar presente diretamente na distribuição e revenda de combustíveis, continua como garantidor do abastecimento nacional através de um modelo gestão centralizado e integrado, com acompanhamento diário dos diversos setores da cadeia: Exploração/Produção (Upstream), Refino/Gás Natural (Midstream) e na Distribuição/Revenda (Downstream).
No Upstream, com a entrada de diversas novas operadoras na região do polígono do pré-sal, no offshore convencional (regiões fora do polígono do pré-sal, novas fronteiras e campos maduros), ainda exerce uma posição dominante, respondendo por aproximadamente 74% da produção nacional de petróleo (3.8 milhões de barris equivalente de petróleo/dia), além de controlar as principais rotas de escoamento de petróleo do offshore para o onshore. Espera-se que esta participação venha a ser diluída progressivamente com a entrada de novos operadores e inúmeros projetos de exploração e produção já contratados, resultados dos últimos cinco anos de leilões de áreas exploratórias.
No Midstream, o programa de desinvestimentos da Petrobras busca, ainda que de forma lenta, ampliar a diversidade de agentes no segmento, principalmente com a venda de 50% do seu parque de refino (aproximadamente 1,148,738 barris/dia), bem como nos segmentos de gás natural, como a venda de ativos no transporte e distribuição, além de ampliar a garantia de acesso de terceiros a infraestruturas essenciais (UPGNs – Unidades de Processamento de Gás Natural/Terminais de regasificação). E, finalmente, no Downstream, como já mencionado, onde a Petrobras já não atua diretamente na distribuição após a venda da BR distribuidora, hoje Vibra Energia.
Espera-se com a privatização da estatal que o novo modelo de abastecimento nacional, não seja necessariamente “centralizado e integrado”
O movimento de desinvestimentos da Petrobras foi, em parte, motivado pelo CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica, através do TCC (termo de conduta de cessação) assinado em meados de 2019, e parte por mudanças na estratégia da empresa, as quais caminham na direção de desenvolver um mercado de petróleo, gás natural e biocombustíveis mais dinâmico, competitivo e aberto em todos os elos da cadeia: do poço ao posto.
Entretanto, o processo impacta a transformação do mercado. Seria muito importante acelerar o programa de desinvestimentos da Petrobras ou mesmo sua privatização para que possamos alcançar, na próxima década, um mercado mais eficiente, dinâmico e competitivo. Importante destacar que, sem que haja um plano de transição bem completo, que contemple aspectos operacionais/logísticos, concorrenciais e tributários, pode haver riscos para o abastecimento nacional, gerando resultados indesejados para o mercado e para o Brasil. Adicionalmente, é importante que haja mudanças no atual arcabouço regulatório e implementação de novas políticas públicas para garantir uma transição eficiente, onde deve surgir a figura de um gestor do abastecimento nacional a exemplo da ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico) no setor elétrico, que assumiria o papel que hoje em grande parte é feito pela própria Petrobras e a ANP.
Afinal, com o programa de desinvestimentos da Petrobras ou sua privatização, espera-se que o novo modelo de abastecimento nacional, não necessariamente “centralizado e integrado” através do sistema Petrobras, consiga garantir o abastecimento nacional de forma mais eficiente – e, ao mesmo tempo, crie um mercado onde a sociedade seja beneficiada com preços competitivos, novos investimentos e inovação, resultando em geração de empregos, aumento da renda e desenvolvimento socioeconômico. Assim, como dizem alguns, onde existe crise também existe oportunidade. Estamos diante de um momento oportuno para refletir sobre o processo de privatização da Petrobras, onde o diálogo entre Governo, Congresso, Órgãos de Controle e Agências Reguladoras, além dos diversos segmentos da sociedade podem produzir uma transformação importante para setor de petróleo, gás natural, biocombustíveis e para o Brasil.
por – Felipe Kury ex-diretor da ANP.