Pesquisadores brasileiros alcançam marco inédito ao desenvolver bezerros geneticamente editados com maior resistência ao calor, abrindo caminho para mudanças na pecuária em clima tropical. Experimento já mostra resultados positivos nos animais nascidos.
O nascimento dos primeiros bezerros geneticamente editados no Brasil representa um avanço inédito na América Latina, com potencial para transformar a pecuária nacional diante das mudanças climáticas.
Desenvolvidos a partir de embriões fecundados in vitro, os animais fazem parte de um projeto de pesquisa da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) Gado de Leite, em parceria com a Associação Brasileira de Angus.
O objetivo principal é criar bovinos que suportem altas temperaturas, condição cada vez mais presente em diferentes regiões do país.
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Entre o final de março e início de abril de 2025, nasceram cinco bezerros, dos quais dois já apresentaram pelagem curta e lisa, característica relacionada à maior resistência ao calor.
Técnica CRISPR/Cas9 e os primeiros resultados
Os especialistas responsáveis pelo experimento utilizaram a técnica CRISPR/Cas9, conhecida internacionalmente como uma “tesoura molecular” por permitir modificações precisas no DNA.
Conforme explicou Luiz Sergio de Almeida Camargo, médico veterinário e pesquisador da Embrapa, o método foi otimizado para aplicação em embriões bovinos fecundados em laboratório, sem comprometer a qualidade dos embriões nem o desenvolvimento das gestações.
Segundo Camargo, 40% dos animais nascidos já exibem a característica genética desejada, evidenciando resultados positivos logo na primeira etapa do experimento.
O Brasil figura entre os poucos países que já conseguiram obter bezerros geneticamente editados, e a expectativa é de que se torne referência no uso de biotecnologia para adaptar rebanhos ao clima tropical.
Essa inovação pode significar uma resposta estratégica para desafios crescentes causados pelo aumento das temperaturas globais, fenômeno já identificado por instituições internacionais como a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) e a Organização Meteorológica Mundial (OMM).
Adaptação da raça Angus e o desafio do clima
A escolha da raça Angus para a aplicação da edição gênica não ocorreu por acaso.
Reconhecida internacionalmente pela qualidade da carne, precocidade e alto rendimento, a raça Angus tem origem em regiões de clima frio do Reino Unido.
No Brasil, entretanto, esses animais enfrentam dificuldades para lidar com o estresse térmico, especialmente durante os verões intensos no Sul e em áreas de clima tropical ou subtropical.
O calor excessivo compromete não apenas o bem-estar animal, mas também impacta negativamente a fertilidade e o desenvolvimento dos bovinos Angus.
Com a edição genética da pelagem, o foco está em aumentar a capacidade dos animais de dissipar calor, estabilizando a temperatura corporal mesmo sob altas temperaturas ambientais.
Os pesquisadores acreditam que, ao aumentar a resistência dos animais ao calor, será possível ampliar a produtividade e a fertilidade da raça Angus, facilitando sua criação em regiões antes consideradas pouco adequadas para a espécie.
Diferença entre edição gênica e transgenia
Diferentemente da transgenia — técnica que envolve a inserção de genes de outras espécies —, a edição gênica realizada no experimento brasileiro não introduziu material genético externo.
De acordo com as normas da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), animais editados geneticamente só são considerados transgênicos quando há a presença de DNA exógeno.
Neste caso, a modificação ocorreu no próprio gene do receptor de prolactina, responsável pelo desenvolvimento dos pelos curtos e lisos, característica que favorece a adaptação ao calor.
A CTNBio avalia cada situação individualmente, conforme a origem das alterações genéticas.
Seleção genética e aceleração do melhoramento
Mateus Pivato, diretor executivo da Associação Brasileira de Angus e Ultrablack, destaca que o resultado obtido por meio da edição gênica seria possível apenas com cruzamentos naturais ao longo de cerca de 20 gerações, um processo que demoraria décadas.
Segundo ele, a associação já trabalha há mais de 15 anos na seleção de animais com pelagem mais curta, prática que contribuiu para o fornecimento do material genético utilizado na pesquisa em parceria com a Embrapa.
Impacto para a pecuária brasileira
A edição gênica para resistência ao calor abre caminho para uma pecuária mais adaptada às novas exigências climáticas do século XXI.
Animais com pelagem curta e lisa, como os bezerros geneticamente editados, podem manter índices elevados de produtividade e fertilidade mesmo em ambientes quentes, reduzindo perdas econômicas e promovendo maior bem-estar animal.
Além disso, a técnica utilizada permite acelerar consideravelmente o melhoramento genético dos rebanhos, sem a necessidade de múltiplas gerações de cruzamentos seletivos.
A expectativa é de que, em poucos anos, o material genético desses animais esteja disponível para produtores rurais de todo o Brasil.
Segundo projeção de Luiz Sergio de Almeida Camargo, dentro de dois a quatro anos, os descendentes desses bezerros geneticamente editados poderão ser incorporados aos rebanhos comerciais, ampliando a disseminação da característica de resistência ao calor.
Expansão da técnica para outras raças
Os avanços obtidos com a edição genética da raça Angus também poderão beneficiar outras raças importantes para a pecuária nacional.
Camargo afirma que o mesmo procedimento pode ser adaptado para animais da raça Gir, voltado para a produção de leite, e para a raça Nelore, com foco em melhorar características relacionadas à qualidade da carne, como maciez e textura.
No entanto, o sucesso dessas aplicações depende da identificação precisa de mutações que gerem efeitos fenotípicos desejados em cada raça.
É importante ressaltar que cada novo experimento precisa ser avaliado com rigor, levando em consideração não apenas os benefícios econômicos, mas também questões bioéticas e de segurança alimentar, sempre conforme as normas estabelecidas por órgãos reguladores como a CTNBio.
Próximos passos e perspectivas
O próximo estágio do projeto brasileiro consiste em testar os bezerros geneticamente editados em condições reais de calor e verificar se a mutação será transmitida para as gerações seguintes.
Os pesquisadores também pretendem criar uma população fundadora desses animais, a partir da qual será possível expandir a característica desejada para rebanhos maiores em todo o território nacional.
A expectativa do setor é grande, pois, ao permitir a criação extensiva de raças de alta qualidade em regiões de clima quente, a edição gênica pode tornar a pecuária brasileira ainda mais competitiva nos mercados nacional e internacional.
Debate bioético e regulamentação
A edição gênica em animais levanta discussões sobre ética e biossegurança.
Segundo Salmo Raskin, diretor científico da Sociedade Brasileira de Genética Médica e Genômica, apesar do avanço rápido na área animal, a aplicação da edição gênica em humanos encontra limitações éticas e legais mais rigorosas.
Enquanto na pecuária o objetivo é ampliar características de valor econômico, na medicina humana, a regulamentação internacional proíbe manipulações genéticas em células germinativas devido aos riscos de efeitos colaterais não intencionais.
No Brasil, a legislação atual estabelece que cada caso de edição gênica animal deve passar por avaliação criteriosa, considerando não apenas a segurança alimentar e ambiental, mas também o bem-estar dos animais envolvidos.
Futuro da pecuária com animais editados geneticamente
Com os primeiros resultados positivos, o Brasil pode assumir uma posição de liderança no desenvolvimento e aplicação da edição gênica para adaptação de raças bovinas ao clima tropical.
A adoção da técnica CRISPR/Cas9 na pecuária nacional tem potencial para impulsionar a produtividade, garantir a sustentabilidade e aumentar a competitividade internacional do setor.
Diante desse avanço, qual será o impacto da edição gênica sobre a produção de carne bovina e o futuro da pecuária no Brasil, especialmente em um cenário de mudanças climáticas cada vez mais intensas?