Com foco no debate sobre transição energética, COP30 busca ouvir as maiores petroleiras do mundo para entender seus compromissos com uma economia de baixo carbono
A preparação da COP30 em Belém inclui um movimento que, embora possa gerar controvérsias, revela-se necessário: o convite a CEOs de grandes petroleiras para um diálogo sobre a transição energética. De fato, a proposta do presidente da conferência, André Corrêa do Lago, é estabelecer pontes com os principais atores do setor de petróleo e gás.
Segundo ele, não se pode discutir uma mudança de matriz energética sem escutar as empresas responsáveis por 80% do suprimento global de energia.
Por isso, o diplomata brasileiro já estendeu convites formais aos líderes da Petrobras, ExxonMobil, Aramco e Adnoc, entre outras integrantes da OGCI (Oil and Gas Climate Initiative). Essa coalizão, criada para alinhar esforços do setor privado com metas de sustentabilidade, inclui gigantes como Shell, BP, TotalEnergies, Repsol, Chevron e Equinor.
Assim, por meio da OGCI, Corrêa do Lago planeja reunir esses executivos para conhecer suas propostas de descarbonização e avaliar tecnologias como o CCS (captura e armazenamento de carbono).
Embora a presença dessas companhias gere desconfiança em muitos setores da sociedade civil, a estratégia se baseia na ideia de que, sem compromisso das petroleiras, não haverá uma transição energética efetiva em escala global. Dessa forma, o diálogo direto pode se transformar em ação concreta, desde que haja metas, compromissos verificáveis e transparência.
Transição energética precisa de cooperação global
Historicamente, os debates sobre clima e energia costumam dividir governos, empresas e ambientalistas. Ainda assim, a realidade atual exige um esforço conjunto, principalmente porque o tempo para reduzir emissões está se esgotando.
Desde a primeira Conferência das Partes, em 1995, até o Acordo de Paris, em 2015, os compromissos internacionais vêm se acumulando, mas o volume de gases de efeito estufa ainda cresce.
Nesse cenário, a transição energética tornou-se uma das pautas mais urgentes do século XXI. O conceito, que envolve substituir combustíveis fósseis por fontes renováveis, ganhou força após alertas do IPCC e da ONU sobre os impactos das mudanças climáticas.
Por conseguinte, ações como descarbonização da indústria, uso de energia solar e eólica e eletrificação do transporte passaram a integrar políticas públicas e planos empresariais.
No entanto, a estrutura energética mundial ainda depende fortemente de petróleo, carvão e gás natural. Por essa razão, iniciativas de transição não podem ignorar as empresas que dominam esse setor.
Afinal, são elas que detêm os recursos, as tecnologias e a capacidade logística para implementar mudanças em larga escala.
Entre metas e lobbies: o equilíbrio delicado
Embora seja legítima a intenção de ouvir as grandes petroleiras, é fundamental reconhecer que as últimas COPs foram marcadas pelo aumento do lobby dos combustíveis fósseis.
A título de exemplo, na COP28, realizada em Dubai e presidida por Sultan Al Jaber — CEO da Adnoc —, houve intensa pressão para atenuar as palavras do documento final. Mesmo com dificuldades, o termo “transition away” foi incluído, sinalizando um afastamento dos fósseis.
Entretanto, essa conquista não resistiu à COP29, em Baku, onde a expressão desapareceu dos textos oficiais.
Assim sendo, o risco de retrocesso é real. É necessário que o convite às petroleiras venha acompanhado de critérios claros, transparência nas negociações e controle social.
As empresas precisam demonstrar, com dados verificáveis, como pretendem cumprir metas de emissões, que tipo de tecnologia estão aplicando e quais os prazos. Somente assim o diálogo poderá ser produtivo.
Além disso, é essencial garantir espaço para a sociedade civil, povos indígenas, juventudes e cientistas no processo. Afinal, são esses grupos que vêm pressionando pela aceleração da transição e que têm denunciado as tentativas de enfraquecer os acordos climáticos.
Brasil entre diplomacia e protagonismo ambiental
O Brasil, ao sediar a COP30 em Belém, no coração da Amazônia, assume um papel diplomático central. Desde o início, o governo federal anunciou a intenção de transformar a conferência em um marco da luta climática, dando protagonismo aos países do Sul Global e às soluções baseadas na natureza.
Portanto, o convite aos CEOs deve ser entendido dentro de uma estratégia mais ampla, que busca mediar interesses diversos e estimular compromissos reais.
Nesse contexto, o embaixador Corrêa do Lago propõe a criação de “pledges” estruturados. Em outras palavras, seriam compromissos públicos assumidos pelas empresas durante a COP, com monitoramento contínuo.
Assim, seria possível garantir que as promessas feitas em Belém resultem em ações concretas e mensuráveis.
Além do mais, a escolha de Belém tem valor simbólico e estratégico. Localizada na região amazônica, a cidade representa o bioma mais relevante para o equilíbrio climático global.
Dessa forma, as discussões sobre transição energética ganham uma dimensão ainda maior, pois conectam energia, floresta e justiça ambiental.
Transição energética é também disputa de narrativas
Enquanto debate sobre transição energética avança no discurso oficial, existe também uma disputa sobre o que ela significa na prática. Para as grandes empresas, a ênfase muitas vezes recai sobre tecnologias como o CCS, o hidrogênio azul e os combustíveis sintéticos, que ainda dependem de fósseis em sua origem.
Já para movimentos ambientais, a transição deve priorizar energias renováveis, descentralizadas e acessíveis, além de estar ligada à justiça social e soberania energética.
Consequentemente, a COP30 poderá servir como arena para esses embates. Ao mesmo tempo em que propicia o diálogo com CEOs, o evento deve garantir o protagonismo de vozes historicamente marginalizadas nas decisões globais sobre energia.
Só assim será possível evitar que a transição seja capturada por interesses econômicos que desejam prolongar o uso de petróleo sob outra roupagem.
Portanto, o papel do Brasil será crucial. Por um lado, o país tem experiência em energias renováveis, como a hídrica, a solar e o etanol.
Por outro lado, é também produtor e exportador de petróleo, o que o coloca em posição estratégica para mediar interesses. Se conseguir conduzir esse debate com equilíbrio, poderá se firmar como um líder climático global.
Debate sobre transição energética: O futuro se decide agora
Em síntese, o convite aos CEOs das grandes petroleiras para a COP30 reflete uma tentativa de promover um debate franco e responsável sobre a transição energética. A iniciativa é ousada, sobretudo em um momento em que o mundo precisa agir com rapidez diante do colapso climático.
Contudo, seu sucesso dependerá da capacidade de transformar o diálogo em compromissos reais, com metas claras, fiscalização e responsabilidade.
A transição energética, para ser eficaz, não pode ser apenas um conceito abstrato ou um discurso corporativo. Ela precisa estar ancorada em mudanças estruturais, redução de emissões, investimento em renováveis e inclusão social.
Por isso, manter o foco, a pressão e a vigilância será essencial.
Ao reunir líderes do setor, autoridades públicas e representantes da sociedade civil, a COP30 poderá se transformar em um ponto de inflexão. Desde que todos estejam comprometidos com o bem comum, será possível construir um futuro mais limpo, justo e sustentável para as próximas gerações.