Escondida entre plantações e estradas rurais, a cidade de Itabela abriga o maior depósito de grafite natural do Ocidente, essencial para baterias de veículos elétricos — e o projeto já atrai os olhos do mercado chinês.
No extremo sul da Bahia, cercado por plantações de cacau, e longe dos grandes centros industriais, uma cidade pacata chamada Itabela abriga um tesouro estratégico que pode mudar o jogo global da tecnologia: o maior depósito de grafite natural do Ocidente. Poucos brasileiros sabem, mas o subsolo da região esconde uma das matérias-primas mais essenciais da transição energética mundial — e ela já está na mira da China, que lidera o setor de baterias de veículos elétricos. Esse projeto, batizado de Santa Cruz, pertence à empresa canadense South Star Battery Metals, e deve posicionar o Brasil como um player relevante em uma das cadeias mais disputadas do planeta: a das baterias de íons de lítio.
Enquanto o mundo corre para eletrificar seus carros e armazenar energia de forma mais limpa, o grafite natural brasileiro surge como alternativa ao domínio chinês — e essa virada começou em um lugar que quase ninguém conhece.
Um depósito de escala global no coração da Bahia – maior depósito de grafite natural do Ocidente
A maioria das pessoas associa o grafite ao uso escolar ou a eletrodos industriais. Mas o que poucos sabem é que cerca de 95% do anodo de uma bateria de lítio é feito de grafite, e esse material é essencial para o desempenho, autonomia e segurança dos veículos elétricos. O projeto Santa Cruz, da South Star, foi desenvolvido justamente com esse foco — fornecer grafite natural de alta pureza para indústrias de tecnologia e mobilidade elétrica.
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A jazida em Itabela é considerada um dos maiores depósitos do tipo no hemisfério ocidental. Segundo estudos da empresa, o local possui recursos medidos e indicados de aproximadamente 32 milhões de toneladas de minério com alto teor de carbono grafítico — o suficiente para abastecer a indústria global por décadas.
Esse volume coloca a mina baiana entre as mais promissoras fora da Ásia. A comparação mais direta é com os grandes depósitos da China, que hoje responde por cerca de 70% da produção e quase 90% do refino de grafite natural no mundo. É justamente esse desequilíbrio que o projeto brasileiro tenta ajudar a corrigir — atraindo compradores internacionais preocupados com a concentração de suprimentos em um único país.
Como a China entrou na história
A ironia é que, embora o projeto tenha surgido como alternativa ao domínio chinês, a própria China já demonstrou interesse em importar o grafite brasileiro. Em 2023, Pequim impôs restrições à exportação de grafite esferoidal refinado, usado em baterias — o que causou um abalo nos mercados e empurrou montadoras e fabricantes de baterias a buscarem novos fornecedores.
É nesse vácuo que entra o Projeto Santa Cruz. A South Star já firmou memorandos de entendimento com compradores da China, Coreia do Sul, Europa e Estados Unidos, interessados em garantir o acesso a um grafite natural de alta qualidade, produzido com padrões ambientais rígidos e logística favorável para exportação.
Inclusive, segundo comunicados da empresa, alguns dos primeiros lotes da produção já têm destino certo no mercado chinês — uma reviravolta que mostra como o Brasil pode se beneficiar mesmo das tensões comerciais entre potências.
Tecnologia, sustentabilidade e velocidade
O que impressiona não é apenas o tamanho do depósito, mas também a velocidade com que a operação está sendo estruturada. O projeto foi licenciado, financiado e começou a ser construído em um intervalo surpreendentemente curto, considerando o histórico da mineração brasileira. A previsão é de que a primeira fase entre em operação ainda em 2025, com capacidade inicial de 5 mil toneladas por ano de concentrado de grafite.
Mas esse número é só o começo. A empresa planeja ampliar para até 50 mil toneladas anuais numa segunda fase, mirando diretamente o fornecimento de grafite esferoidal para anodos de baterias. Para isso, além da mina em Itabela, está sendo avaliada a construção de uma planta de processamento nos Estados Unidos — criando uma cadeia vertical integrada, com origem na Bahia.
Um dos diferenciais do projeto é o uso de energia limpa, baixo impacto ambiental e recuperação de área nativa ao longo do processo. A mineração moderna exige mais do que apenas extração: ela precisa ser parte da solução para um planeta que busca carbono zero. E é essa imagem que a South Star tem promovido internacionalmente.
Oportunidade para o Brasil — e risco de deixar escapar
O Brasil já é um gigante da mineração — no ferro, no nióbio e no ouro —, mas ainda engatinha em minerais críticos para a transição energética. Projetos como o de Itabela mostram que há potencial para um novo protagonismo, especialmente se houver incentivo à industrialização e agregação de valor.
No entanto, existe o risco de repetir o velho padrão: extrair barato e vender como matéria-prima, enquanto outros países refinam, transformam e lucram. Por isso, analistas defendem que o país desenvolva uma política clara para minerais estratégicos, que inclua refino, P&D, incentivos fiscais e acordos comerciais voltados para o setor de energia limpa e mobilidade elétrica.
A presença de empresas internacionais, como a South Star, pode ser uma porta de entrada, mas o futuro passa por um envolvimento maior do Brasil na cadeia completa.
Itabela: da pecuária ao grafite high-tech
Com pouco mais de 30 mil habitantes, Itabela sempre foi conhecida pela pecuária e pela produção de cacau e café. A chegada de um projeto de mineração de grafite voltado à indústria de baterias representa uma ruptura com esse passado — e pode transformar a economia local de forma radical.
Estima-se que o projeto gere centenas de empregos diretos e indiretos, além de movimentar a cadeia logística regional, com investimentos em infraestrutura, capacitação e serviços. O município pode se tornar, em poucos anos, uma referência global em um dos setores mais promissores da nova economia energética.