Investimentos chineses em portos como Paranaguá e Santos acenderam um alerta em Washington: entenda por que os EUA temem a crescente influência da China na infraestrutura brasileira e o que está em jogo no Atlântico Sul.
Pouca gente percebe, mas um movimento silencioso na costa brasileira está chamando a atenção de Washington. Nos últimos anos, empresas estatais chinesas compraram fatias estratégicas de portos como Paranaguá, Santos e Itaqui, colocando bilhões de dólares em infraestrutura que vai muito além do embarque de soja e minério de ferro.
Para os Estados Unidos, esse avanço pode parecer apenas um impulso no comércio, mas há um componente estratégico: quem controla os portos controla também dados, logística e, em última instância, poder de influência sobre as rotas do Atlântico Sul.
A China já está em Paranaguá, Santos e mirando o Norte do Brasil
O marco dessa presença foi em 2017, quando a estatal China Merchants Port comprou 90% do Terminal de Contêineres de Paranaguá (TCP), no Paraná, em uma transação de quase US$ 1 bilhão. Em Santos, a gigante agrícola Cofco International construiu seu maior terminal de exportação fora da Ásia, com capacidade para movimentar milhões de toneladas de grãos por ano.
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E não para por aí: há negociações e estudos para investimentos em portos do Norte e Nordeste, como Itaqui, no Maranhão, que é considerado uma das principais saídas para o escoamento de commodities brasileiras para a Ásia.
Esses movimentos não são isolados. Eles fazem parte de uma estratégia global que a China vem aplicando há mais de uma década: investir em portos, ferrovias e hidrovias ao redor do mundo para garantir cadeias de suprimento estáveis e aumentar sua influência econômica. O problema é que, para Washington, infraestrutura logística não é só comércio. É uma questão de segurança nacional.
O que preocupa os Estados Unidos?
Mais de 95% do comércio exterior do Brasil passa por portos. Isso significa que qualquer ator que tenha influência significativa sobre terminais e sistemas de transporte marítimo pode, em teoria, controlar a velocidade de embarques, coletar dados de cargas e mapear fluxos logísticos.
Para analistas americanos, isso dá a Pequim uma espécie de “soft power portuário”: um poder indireto que pode ser usado para pressionar governos, acessar informações e até, em cenários extremos, influenciar operações militares.
A preocupação não é nova. O CSIS (Center for Strategic and International Studies) identificou 37 projetos portuários ligados a empresas chinesas na América Latina. Em relatórios recentes, o think tank destaca que softwares de gestão portuária, sistemas de rastreamento de cargas e redes de sensores marítimos podem servir de fonte de inteligência valiosa.
Em Washington, militares e estrategistas lembram do exemplo do porto de Hambantota, no Sri Lanka, onde a China investiu bilhões, ganhou controle de longo prazo e, anos depois, passou a usar a estrutura como ponto de apoio logístico para navios.
Dados mostram a dimensão dos investimentos chineses no Brasil
Entre 2007 e 2023, empresas chinesas injetaram mais de US$ 71 bilhões no Brasil, segundo relatórios de investimentos internacionais. Só no setor de infraestrutura, os valores saltaram de projetos pontuais para aportes bilionários: além de portos, há presença chinesa em ferrovias, linhas de transmissão de energia e até projetos de tecnologia 5G.
A estratégia é clara: criar corredores logísticos que conectem as áreas de produção agrícola e mineral diretamente aos portos controlados por empresas chinesas, garantindo eficiência para exportar para o outro lado do mundo.
Esse dinheiro é bem-vindo para o Brasil, que tem um déficit histórico em infraestrutura. Mas a concentração de investimentos de um único parceiro gera questionamentos. Dados do Itamaraty mostram que a China é o destino de mais de 30% da soja exportada pelo Brasil e um dos maiores compradores de minério e petróleo. Agora, além de comprador, é também operadora de parte das saídas dessas mercadorias.
O Brasil está no meio de um tabuleiro geopolítico
Para os Estados Unidos, o avanço chinês nos portos brasileiros é mais um capítulo de uma disputa que já dura anos. Washington teme perder espaço não só no comércio, mas também na influência política e estratégica sobre a América Latina.
Isso explica porque o tema começou a aparecer em relatórios do Departamento de Defesa americano e em análises de segurança marítima.
Analistas brasileiros, no entanto, alertam para o risco de simplificação. Nem todo investimento chinês tem conotação militar, e grande parte dos aportes é motivada por uma lógica comercial: garantir o fluxo de grãos e matérias-primas que alimentam a indústria chinesa. Mas a pergunta permanece: até que ponto o Brasil consegue equilibrar os interesses de dois gigantes sem se tornar refém de um deles?
E agora? O que pode acontecer nos próximos anos?
A disputa por concessões portuárias no Brasil deve se intensificar. Há leilões previstos, projetos de modernização em andamento e uma corrida global por alimentos, energia e minerais estratégicos. Os EUA podem tentar retomar espaço com investimentos próprios, enquanto a China tende a ampliar ainda mais sua presença.
Para o Brasil, a questão é delicada. Precisamos de capital estrangeiro para modernizar portos e ferrovias, mas também precisamos de diversidade de parceiros para não cair em dependência. O debate vai muito além de números: envolve soberania, segurança e o futuro da nossa posição no mapa global.
Talvez, daqui a alguns anos, quando um contêiner deixar Paranaguá rumo ao mundo, a pergunta que ficará no ar não será só quem comprou a carga – mas quem, de fato, controla a porta por onde ela saiu.