Escamas de pangolim chegam a valer até US$ 3.000 o quilo no mercado asiático. O tráfico bilionário ameaça extinguir o animal mais caçado do mundo, símbolo da exploração ilegal de fauna.
Pouca gente já ouviu falar do pangolim, mas esse mamífero discreto se tornou símbolo de um dos maiores crimes ambientais do século. Solitário, noturno e com hábitos que lembram tamanduás, ele vive em tocas ou sobe em árvores em busca de formigas e cupins. A grande diferença é sua armadura: o corpo é coberto por escamas de queratina, a mesma substância que forma nossas unhas.
Existem oito espécies de pangolins no mundo — quatro na Ásia e quatro na África. Todos estão hoje em situação de ameaça, sendo que os asiáticos já beiram o colapso populacional. Ao sentir perigo, o pangolim se enrola como uma bola, expondo apenas suas escamas rígidas. Essa defesa funciona contra predadores naturais, mas é inútil diante de caçadores humanos armados com sacos e caixas.
Escamas que valem mais que ouro
O que transforma o pangolim em alvo é o valor atribuído às suas escamas. Na medicina tradicional asiática, elas são usadas há séculos como suposto tratamento para inflamações, dores articulares e até infertilidade.
-
Função ‘estacionamento’ do câmbio automático pode danificar carro: entenda o risco oculto para a transmissão e como evitar prejuízos
-
Genérico funciona igual ao remédio de marca, tem preço até 60% menor e segue os mesmos testes; descubra por que ainda gera tanta dúvida após 24 anos
-
Cidade turística brasileira já cobra taxa diária de até R$ 90 por veículo, com isenção apenas para quem permanecer menos de 4 horas, mas poucos sabem
-
Planejada nos anos 1940, Maringá combina avenidas largas, áreas verdes e ícones arquitetônicos que surpreendem visitantes brasileiros e estrangeiros
Apesar de não existir comprovação científica de qualquer efeito terapêutico, a crença persiste — e com ela, um mercado clandestino bilionário.
Os preços impressionam:
- Na África, um quilo de escamas é vendido por apenas US$ 10 a US$ 15 a caçadores locais.
- Nas rotas de contrabando, atravessadores chegam a pagar US$ 250 a US$ 600 por quilo.
- Na China e Vietnã, o valor dispara para até US$ 3.000 o quilo, tornando as escamas de pangolim um produto mais caro que ouro em peso.
Esse lucro astronômico explica por que máfias internacionais se interessaram pelo negócio. Em 2019, por exemplo, autoridades de Cingapura apreenderam 12,9 toneladas de escamas, avaliadas em US$ 38 milhões — cada tonelada representando milhares de animais mortos.
O animal mais traficado do planeta
Segundo dados da TRAFFIC, ONG que monitora o comércio ilegal de vida selvagem, mais de um milhão de pangolins foram retirados da natureza entre 2000 e 2020. Essa cifra o coloca como o mamífero mais traficado do mundo, superando tigres, rinocerontes e elefantes.
O tráfico funciona em escala industrial:
Caçadores capturam pangolins em florestas africanas ou asiáticas.
Intermediários compram e estocam escamas em portos clandestinos.
Rotas internacionais levam os carregamentos para a Ásia, escondidos em contêineres de madeira, peixe congelado ou café.
Mercado final: as escamas são vendidas como remédios tradicionais ou exibidas como itens de status social.
A Nigéria se tornou um dos principais pontos de exportação ilegal, com toneladas saindo por via marítima para Hong Kong, Vietnã e China.
Carne de luxo e símbolo de status
Além das escamas, a carne do pangolim também é consumida em alguns países como iguaria rara. Restaurantes clandestinos oferecem pratos caríssimos, servidos apenas para clientes ricos, como demonstração de poder e exclusividade.
Esse costume transforma o animal em um símbolo paradoxal: ao mesmo tempo em que sua carne e suas escamas são associadas à cura e prosperidade, ele caminha para a extinção pela própria demanda que deveria “valorizá-lo”.
A ameaça da extinção
Todas as oito espécies de pangolim estão listadas na Lista Vermelha da IUCN como ameaçadas ou criticamente ameaçadas. A reprodução lenta — fêmeas têm apenas um filhote por ano — torna impossível repor as populações diante da caça massiva.
Na Ásia, algumas populações já desapareceram completamente. Hoje, os traficantes voltam-se para a África, especialmente países da África Ocidental e Central, que se tornaram o novo epicentro da caça. Essa mudança mostra como o tráfico se adapta: quando uma região é exaurida, outra é explorada.
As maiores apreensões da história
O tráfico de pangolins movimenta cifras tão grandes que as autoridades já registraram apreensões históricas:
- 2017 – Hong Kong apreendeu 8 toneladas de escamas em contêineres vindos da Nigéria.
- 2019 – Cingapura interceptou 12,9 toneladas, avaliadas em mais de US$ 38 milhões.
- 2022 – Autoridades africanas confiscaram dezenas de carregamentos menores, revelando o padrão contínuo da exploração.
Cada tonelada representa cerca de 1.600 pangolins mortos, segundo cálculos da TRAFFIC. Isso significa que, apenas nas duas maiores apreensões, quase 30 mil animais foram sacrificados.
O papel da China e as mudanças recentes
Em 2020, a China retirou oficialmente o pangolim da lista de animais aprovados para uso em remédios tradicionais. Além disso, elevou o nível de proteção legal da espécie.
Apesar das medidas, investigações mostram que o comércio clandestino persiste, com escamas circulando em mercados ilegais e pela internet.
Parte da dificuldade está na cultura e tradição: muitas famílias acreditam nos poderes curativos das escamas e continuam comprando mesmo que o comércio seja ilegal. Além disso, a demanda por status social mantém a carne em cardápios secretos de luxo.
Consequências globais e ambientais
O desaparecimento do pangolim não afeta apenas a biodiversidade, mas também o equilíbrio ecológico. Como ele se alimenta de formigas e cupins, cada pangolim pode consumir até 70 milhões de insetos por ano, desempenhando um papel vital no controle natural de pragas. Sua extinção poderia alterar cadeias alimentares e impactar ecossistemas inteiros.
Além disso, o caso do pangolim escancara como o crime ambiental é globalizado: animais caçados em florestas africanas são vendidos como remédios em farmácias clandestinas a milhares de quilômetros de distância.
Organizações como WildAid, Save Pangolins e WWF têm trabalhado em campanhas internacionais de conscientização. Paralelamente, operações conjuntas de polícia tentam interceptar rotas. Mas o desafio é gigantesco: enquanto houver quem pague até US$ 3.000 o quilo, haverá quem se arrisque para caçar e contrabandear.
O pangolim virou símbolo do dilema da conservação: um animal praticamente desconhecido pelo público global, mas que está desaparecendo mais rápido do que espécies icônicas como o elefante ou o rinoceronte.
A corrida contra o tempo
Salvar o pangolim exige mais do que leis. É preciso mudança cultural nos países consumidores e apoio econômico para comunidades locais, que precisam de alternativas de renda. Sem isso, o animal corre risco de desaparecer nas próximas décadas.
Se isso acontecer, o mundo terá perdido não só um dos mamíferos mais peculiares da natureza, mas também uma oportunidade de aprender com seus hábitos e sua resiliência. A extinção do pangolim seria o retrato cruel de como o luxo e a superstição podem apagar uma vida inteira de diversidade evolutiva.