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Por que o Brasil, dono de grandes reservas de minério e siderúrgicas avançadas, ainda depende da China para trilhos ferroviários de alta precisão?

Escrito por Alisson Ficher
Publicado em 13/08/2025 às 07:22
Brasil tem minério e siderurgia avançada, mas importa trilhos de alta precisão da China. Entenda as razões dessa dependência.
Brasil tem minério e siderurgia avançada, mas importa trilhos de alta precisão da China. Entenda as razões dessa dependência.
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Expansão ferroviária no Brasil expõe a contradição de um país com minério abundante e siderurgia avançada, mas que importa trilhos sofisticados para obras estratégicas, mesmo com investimentos públicos e privados em mobilidade e carga.

A expansão recente da malha metroferroviária do país escancara um paradoxo: mesmo com uma das maiores reservas de minério de ferro do planeta e parques siderúrgicos de ponta, o Brasil segue importando trilhos ferroviários de alta precisão para obras estratégicas.

O caso mais visível ocorreu em São Paulo, onde a Linha 2-Verde do Metrô recebeu um lote de 1.462 barras importadas da China, com 18 metros cada, somando cerca de 1.500 toneladas, reforçando a dependência externa justamente no momento de aceleração das obras urbanas e de carga.

O que torna um trilho de alta precisão

Diferentemente de vergalhões ou perfis estruturais, trilhos ferroviários de alta precisão exigem metalurgia e controle de processo em outro patamar.

Aços de microestrutura perlítica (padrão internacional EN 13674-1) passam por tratamentos térmicos específicos para ganhar dureza e resistência à fadiga por contato de rolamento, mantendo soldabilidade e estabilidade dimensional.

Fabricantes líderes produzem barras longas, de até 120 metros — e, no Japão, há linhas com 150 metros — reduzindo o número de soldas na via e aumentando a confiabilidade do traçado.

Esse padrão técnico ajuda a explicar a concentração da produção em poucos polos globais, como Áustria, Japão, Polônia, Espanha e Estados Unidos, onde grupos especializados dominam o laminado de perfis pesados, o tratamento “head hardened” e as tolerâncias milimétricas de retilineidade e acabamento superficial — requisitos essenciais para trilhos de alta precisão.

Brasil tem minério e siderurgia avançada, mas importa trilhos de alta precisão da China. Entenda as razões dessa dependência. (Foto: atribunamt)
Brasil tem minério e siderurgia avançada, mas importa trilhos de alta precisão da China. Entenda as razões dessa dependência. (Foto: atribunamt)

Por que a indústria brasileira saiu dos trilhos

O Brasil já fabricou trilhos no passado, mas a produção foi sendo descontinuada.

Relatos do setor indicam a paralisação da linha de trilhos na CSN em 1996, contexto em que a ausência de escala e a competição internacional pesaram contra a continuidade do negócio.

Desde então, o país importa praticamente todo o volume consumido, movimento confirmado por reportagens e por avaliações recorrentes de associações e concessionárias.

Há também o componente econômico. Segundo o consultor técnico Rubem Louzada, “fazer trilho não é como fazer vergalhão”.

“Trilhos ferroviários são produtos de altíssima engenharia: aços perlíticos com 0,7% de carbono, tratamentos térmicos específicos, microestrutura controlada e tolerâncias mínimas. São laminados em barras de até 120 metros com acabamento e alinhamento milimétrico”, escreveu em artigo, ao defender que a decisão envolve tecnologia, certificação e mercado.

Para ele, o consumo médio anual no Brasil gira em torno de 300 mil toneladas, volume insuficiente para justificar uma linha dedicada e competitiva diante dos grandes players.

Brasil tem minério e siderurgia avançada, mas importa trilhos de alta precisão da China. Entenda as razões dessa dependência. (Foto: cocfer)
Brasil tem minério e siderurgia avançada, mas importa trilhos de alta precisão da China. Entenda as razões dessa dependência. (Foto: cocfer)

Escala e investimento bilionário

Abrir ou modernizar uma usina para laminar trilhos ferroviários de alta precisão exige investimento alto e demanda estável por muitos anos.

Estimativas citadas no setor falam em mais de US$ 500 milhões para viabilizar uma fábrica moderna, algo que, sem contratos de longo prazo e carteira garantida, dificilmente se paga em um mercado de ciclos longos e obras intermitentes.

Competição global pressiona preço e prazos

Enquanto o Brasil avalia projetos, produtores consolidados no exterior operam com excesso de capacidade e entregas programadas, ganho de escala e logística madura.

Para as concessionárias e governos, importar trilhos de alta precisão pode sair mais barato e rápido — sobretudo quando há janela de obras e cronogramas rígidos — do que organizar uma cadeia nacional do zero.

A China no centro da cadeia

A China, maior fabricante mundial de insumos ferroviários, ocupa posição central nessa cadeia.

Além das exportações de trilhos ferroviários de alta precisão, o país tem reforçado parcerias com o Brasil para projetos e tecnologia, o que inclui cooperação técnica e integrações logísticas continentais anunciadas pelo Ministério dos Transportes em julho de 2025.

No front estadual, São Paulo mantém contratos relevantes com fabricantes chineses para material rodante e sistemas, o que facilita o “casamento” com fornecedores de via permanente e reforça a escolha por trilhos importados nas ampliações em curso.

Minério não garante produção nacional

“Ter minério” não significa “ter trilho”.

O Brasil está entre os maiores produtores e detentores de reservas de minério de ferro, mas transformar minério em trilhos ferroviários de alta precisão exige outro estágio da cadeia — siderurgia dedicada, laminação pesada, tratamento térmico in-line, retificação fina, inspeção ultrassônica e certificações.

Essa sofisticação explica por que poucos países dominam a fabricação de trilhos premium e superpremium.

Políticas públicas e gargalos

Especialistas do setor ferroviário apontam que uma planta adequada ao padrão global só se viabiliza com produção anual entre 400 mil e 450 mil toneladas, algo acima do consumo médio brasileiro reportado pelo mercado.

Ou seja, seria necessário agregar encomendas de longo prazo, vincular concessões e adotar instrumentos que reduzam o risco industrial.

Nesse sentido, a agenda de neoindustrialização do governo — a Nova Indústria Brasil (NIB) — prevê uso de compras públicas estratégicas e fortalecimento do crédito de investimento como alavancas para cadeias de alto conteúdo tecnológico.

Em maio de 2025, o BNDES anunciou R$ 300 bilhões em recursos até 2026 para apoiar projetos industriais, com ênfase em produtividade, inovação e descarbonização — diretrizes alinhadas a uma política para infraestrutura sobre trilhos, caso Estados e União optem por condicionar parte dos investimentos à formação de fornecedores locais.

Concessionárias e expansão ferroviária

Do lado da operação, as ferrovias de carga vêm ganhando eficiência, e a expansão urbana em capitais pressiona por mais entregas.

A cada aumento da participação ferroviária na matriz, há queda proporcional de emissões e ganhos logísticos, argumento usado por entidades do setor para defender prioridade a projetos de via permanente e superestrutura — incluindo trilhos de alta precisão — nas carteiras de investimentos públicos e privados.

Há espaço para reverter a dependência?

Para Rubem Louzada, o quadro é reversível, mas depende de um “pacto” entre logística e indústria de base.

Isso inclui previsibilidade de demanda, coordenação entre concessões e fornecedores, e metas claras de nacionalização ao longo do tempo.

Segundo ele, “é preciso conectar as concessões ferroviárias com a indústria nacional” para que o investimento em tecnologia de trilhos ferroviários de alta precisão faça sentido econômico.

Quem poderia produzir trilhos no Brasil

Grupos com laminação de perfis pesados e presença histórica no setor siderúrgico brasileiro já avaliaram a viabilidade de uma linha de trilhos no passado, mas apontaram insuficiência de mercado interno e competição externa como entraves centrais.

Sem sinalização de demanda contínua e contratos de longo prazo, a tendência é a manutenção das importações.

E agora? Com a malha sendo ampliada e a agenda de descarbonização ganhando tração, a pergunta que move a discussão é simples: o Brasil pretende transformar o boom de obras em uma política industrial capaz de sustentar uma fábrica de trilhos, ou continuará importando trilhos ferroviários de alta precisão sempre que um novo trecho sair do papel?

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Alisson Ficher

Jornalista formado desde 2017 e atuante na área desde 2015, com seis anos de experiência em revista impressa, passagens por canais de TV aberta e mais de 12 mil publicações online. Especialista em política, empregos, economia, cursos, entre outros temas. Registro profissional: 0087134/SP. Se você tiver alguma dúvida, quiser reportar um erro ou sugerir uma pauta sobre os temas tratados no site, entre em contato pelo e-mail: alisson.hficher@outlook.com. Não aceitamos currículos!

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