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O concreto romano dura milênios — por que a engenharia moderna ignora essa fórmula?

Escrito por Fabio Lucas Carvalho
Publicado em 12/05/2025 às 19:38
Atualizado em 20/05/2025 às 11:18
concreto romano
Foto: Reprodução
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Pesquisadores descobrem como o concreto romano se autorrepara e desafia o tempo — revelando segredos que podem revolucionar a construção moderna.

O concreto romano é famoso por sua durabilidade extrema. Construções como o Panteão de Roma ou o Aqueduto de Segóvia estão de pé há mais de 1.500 anos.

Por mais de dois mil anos, construções com concreto romano resistiram ao tempo, às intempéries e até aos terremotos. Enquanto estruturas modernas de concreto desmoronam após algumas décadas, edifícios como o Panteão e aquedutos antigos continuam de pé.

Isso intriga engenheiros há muito tempo. Afinal, o que torna o concreto romano tão durável? Pesquisadores do MIT acreditam ter encontrado a resposta.

Concreto que se regenera sozinho

Durante séculos, estudiosos tentaram entender como o concreto romano resiste tanto.

Uma hipótese comum era o uso de cinzas vulcânicas específicas, como a da região de Pozzuoli, na Baía de Nápoles.

Essa substância, conhecida como pozolana, era amplamente usada no Império Romano. Mas um novo estudo sugere que o segredo vai além disso.

O ponto de partida foi a análise de fragmentos brancos, visíveis em amostras antigas de concreto. Chamados de “clastos de cal”, esses pontos brancos eram considerados falhas de mistura.

Porém, o professor Admir Masic, do MIT, sempre desconfiou disso. Se os romanos tinham tanto cuidado com suas obras, por que permitiriam erros tão visíveis?

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Mistura a quente: o diferencial oculto

Com técnicas de imagem em alta resolução e mapeamento químico, os pesquisadores descobriram que esses fragmentos não são falhas.

Eles são feitos de várias formas de carbonato de cálcio e foram expostos a altas temperaturas. Isso indica o uso de um processo conhecido como mistura a quente, onde a cal viva é adicionada diretamente ao concreto.

Esse processo, segundo Masic, gera duas vantagens. A primeira é a formação de compostos químicos que não surgiriam com cal apagada.

A segunda é a aceleração da cura do concreto, tornando a construção mais rápida.

Mais importante, esses clastos de cal funcionam como um sistema de autorreparação.

Quando surgem fissuras, elas atravessam os clastos, que reagem com a água e se transformam em cristais de carbonato de cálcio. O resultado: as rachaduras se fecham sozinhas.

Teste comprova a autorreparação

Para comprovar a hipótese, a equipe criou amostras com cal viva, inspiradas nas fórmulas antigas.

Essas amostras foram rachadas e colocadas em contato com água. Em duas semanas, as fissuras desapareceram e a água parou de passar.

Já as amostras feitas sem cal viva não se regeneraram. A água continuou passando, e as rachaduras se mantiveram.

Isso confirmou que o uso da mistura a quente é o principal fator de durabilidade do concreto romano.

Impacto ambiental pode ser reduzido

Segundo Masic, incorporar esse tipo de formulação em concreto moderno pode aumentar sua durabilidade e reduzir o impacto ambiental da construção civil.

A produção de cimento é responsável por cerca de 8% das emissões globais de gases de efeito estufa.

Um concreto que dure séculos, sem necessidade de manutenção frequente, pode ajudar a reduzir esse impacto. Além disso, o laboratório de Masic também estuda concretos capazes de absorver CO₂ do ar.

Barreiras para o uso moderno

Apesar dos avanços, o concreto romano ainda não é viável para construções modernas em larga escala. Há razões principais para isso.

Cura: A primeira é o tempo de cura. O concreto romano cura lentamente, às vezes por meses ou anos.

Já o concreto moderno é projetado para endurecer rapidamente, atendendo às demandas de cronogramas apertados.

Falta de ingredientes: A segunda é a dificuldade de obtenção dos ingredientes. A pozolana da região de Pozzuoli, essencial para o desempenho do concreto romano, não está disponível em todos os lugares. Isso limita o uso global da técnica.

Exigências estruturais diferentes: O terceiro fator é a diferença nas necessidades estruturais. O concreto romano era usado em construções maciças e sem armaduras de aço.

Já as construções modernas exigem materiais compatíveis com armaduras metálicas e com resistência tanto à compressão quanto à tração.

Falta de padrão: O quarto ponto é a falta de padrão. Embora seja durável, o concreto romano não seguia uma receita fixa. As misturas variavam conforme a região e o construtor. Isso dificulta a padronização e o controle de qualidade, essenciais na engenharia moderna.

O concreto atual é feito para ser barato e rápido. Ele pode ser moldado, transportado e aplicado com agilidade. Já o romano exige processos mais demorados, o que encarece e atrasa as obras.

Obsolescência programada: obsolescência programada pode ser vista como um obstáculo ao uso do concreto romano na atualidade, principalmente se analisarmos sob a ótica da lógica de mercado atual, que prioriza produtos com ciclo de vida mais curto e trocas frequentes.

A obsolescência programada não ocorre apenas em produtos eletrônicos. No setor da construção, ela se manifesta em:

  • Materiais que se deterioram mais rápido.
  • Projetos com vida útil limitada.
  • Falta de incentivo à longevidade estrutural.

Isso desestimula o uso de tecnologias antigas e mais duráveis, como o concreto romano, pois não geram demanda recorrente por novos materiais, reformas e substituições.

Concreto antigo, ideias novas

Mesmo assim, o estudo do concreto romano inspira novas soluções. A ideia de um material que se repara sozinho está ganhando espaço.

Em tempos de preocupação ambiental e busca por eficiência, uma fórmula que resista por séculos pode revolucionar a engenharia.

O grupo de pesquisa envolvido no estudo inclui cientistas do MIT, Harvard, Itália e Suíça. Eles publicaram suas descobertas na revista Science Advances e estão desenvolvendo versões comerciais do novo concreto baseado em cal viva.

O Museu Arqueológico de Priverno, na Itália, também participou do trabalho, fornecendo apoio e amostras para análise.

Testes com concreto impresso em 3D

Outra possibilidade que empolga os pesquisadores é a aplicação do concreto autorreparável em construções impressas em 3D.

Essa técnica está em crescimento e enfrenta desafios relacionados à durabilidade. Incorporar propriedades de autorreparação pode tornar as construções mais seguras e duradouras.

Para Masic, a inspiração vinda da Roma Antiga pode ajudar a moldar um futuro mais sustentável na construção civil.

Concreto romano ainda surpreende

O Panteão, construído em 128 d.C., segue como um marco da engenharia romana. Com a maior cúpula de concreto não reforçado do mundo, ele mostra que os romanos sabiam o que estavam fazendo.

Hoje, sabemos que a durabilidade desse tipo de construção não é apenas um acaso. É o resultado de uma combinação inteligente de materiais, técnicas e conhecimento. E muito disso passou despercebido por séculos.

Graças à ciência moderna, essas técnicas estão sendo redescobertas. A mistura a quente e os clastos de cal revelam que havia um propósito naquilo que antes parecia um erro.

O futuro pode olhar para o passado

Mesmo que o concreto romano não se torne o padrão da construção moderna, seus princípios podem orientar novos avanços. A ideia de criar materiais que duram mais e exigem menos manutenção é valiosa em qualquer época.

Os pesquisadores mostraram que olhar para trás pode trazer soluções para problemas de hoje. Em vez de reinventar tudo do zero, talvez o segredo esteja em reaprender com quem já fez bem feito — e há dois mil anos.

A após comprovar a eficiência do concreto inspirado nos romanos, os cientistas agora trabalham para levá-lo ao mercado, em uma tentativa de unir durabilidade antiga com as necessidades modernas.

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Armando
Armando
16/05/2025 21:30

No mundo todo existem centenas de depósitos de cinza vulcânica com milhões de toneladas disponíveis, não seria o caso de se fazerem pesquisas para ver alguns desses depósitos serviriam para compor a mistura do concreto romano

Valdomiro Alves Barreto
Valdomiro Alves Barreto
16/05/2025 21:30

Excelente Artigo, por favor publiquem mais assuntos a respeito de construções antigas. Principalmente Romanas.

Rogerio
Rogerio
15/05/2025 08:51

sensacional e ha muito mais a rever desse povo diferente e vitorioso

Fabio Lucas Carvalho

Jornalista especializado em uma ampla variedade de temas, como carros, tecnologia, política, indústria naval, geopolítica, energia renovável e economia. Atuo desde 2015 com publicações de destaque em grandes portais de notícias. Minha formação em Gestão em Tecnologia da Informação pela Faculdade de Petrolina (Facape) agrega uma perspectiva técnica única às minhas análises e reportagens. Com mais de 10 mil artigos publicados em veículos de renome, busco sempre trazer informações detalhadas e percepções relevantes para o leitor. Para sugestões de pauta ou qualquer dúvida, entre em contato pelo e-mail flclucas@hotmail.com.

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