A Índia aposta em políticas industriais, consumo interno crescente e investimentos em semicondutores para se consolidar como potência econômica global. O país busca uma trajetória própria de desenvolvimento sem repetir o modelo chinês.
A Índia escolheu outro caminho. Em vez de replicar o modelo chinês de hiperintegração às cadeias globais com mão de obra barata, Nova Délhi aposta em consumo doméstico em ascensão, política industrial seletiva e um salto em semicondutores.
O pano de fundo ajuda: o FMI projeta crescimento de 6,4% em 2025 e também em 2026, mantendo o país como motor entre as grandes economias, enquanto outras desaceleram.
Classe média em expansão e mercado interno como âncora
O avanço do consumo não ocorre por acaso. Pesquisas de referência indicam que 31% da população já está na faixa de renda média.
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A proporção deve chegar a 38% em 2031 e, mantida a tendência, somará cerca de 1 bilhão de pessoas até 2047.
Esse contingente, além de reduzir a vulnerabilidade a choques externos, reequilibra o crescimento para dentro, com efeitos na formalização, crédito e demanda por serviços urbanos.
Demografia também pesa.
Em 2025, a Índia consolidou a posição de país mais populoso, com aproximadamente 1,46 bilhão de habitantes, o que amplia a base de consumidores e de força de trabalho.
Ainda que a fecundidade esteja abaixo da reposição em vários estados, o bônus demográfico persiste por mais alguns anos e sustenta a narrativa de renda média em expansão.
Política industrial: o que move a máquina
Além da demanda, a peça central é a estratégia de incentivos à produção.
O guarda-chuva dos programas PLI, ativo em 14 setores, oferece contrapartidas fiscais e metas de conteúdo local para destravar investimento e exportações.
Até março de 2025, o governo reportou mais de 1,2 milhão de empregos e ₹1,76 trilhão em investimentos associados aos PLI, sinal de tração na base manufatureira.
Enquanto isso, o desenho institucional foi sendo ajustado com missões setoriais, bancos públicos e estados disputando plantas com pacotes adicionais.
O resultado aparece primeiro nas “pontas” da cadeia — montagem, testes, embalagem e eletrônicos de consumo — e, gradualmente, tenta avançar para componentes e insumos locais.
Eletrônicos: de vitrine a plataforma
Entre os setores que ganharam escala, eletrônicos viraram cartão de visitas.
Em 2024, a produção alcançou cerca de US$ 115 bilhões e, segundo o próprio governo, o país está “a caminho” de US$ 300 bilhões até 2026.
A mensagem é clara: consolidar a posição como grande fabricante de celulares e ampliar valor agregado via componentes, design e software embarcado. Gigantes globais reforçam a tendência.
Apple, Amazon, Google e Microsoft ampliaram operações locais, enquanto a AMD instalou seu maior centro de design em Bengaluru após anunciar US$ 400 milhões em investimentos até 2028.
Esse movimento qualifica mão de obra e aproxima o ecossistema de semicondutores sem depender, de início, de fábricas avançadas.
Semicondutores: ambição com pés no chão
Na fronteira tecnológica, a estratégia passa pelo Semicon India e pela India Semiconductor Mission, que combinam subsídios federais de até 50% do custo do projeto com pacotes estaduais para atrair fábricas de wafers, unidades de empacotamento avançado (OSAT/ATMP) e linhas de compostos como SiC.
Em agosto de 2025, o país somava múltiplos projetos aprovados e em implantação, distribuídos por Gujarat, Uttar Pradesh, Assam e outros estados.
Entre os casos emblemáticos está a Micron, que constrói em Sanand (Gujarat) um complexo de montagem, teste e embalagem de memória DRAM e NAND.
A Fase 1 entrou na etapa de validação de salas limpas em 2025, com planos de operação inicial entre o fim de 2024 e o início de 2025 e rampa gradual conforme a demanda global.
Outro vetor é a chegada de novos players à manufatura e ao back-end.
Em maio de 2025, o governo aprovou a joint venture HCL-Foxconn para uma unidade de semicondutores próxima ao futuro aeroporto de Jewar, em Uttar Pradesh.
O projeto terá foco em chips drivers de display, com início de produção previsto para 2027 — um elo importante para a indústria de celulares e notebooks feita no país.
Mercado de chips: escala doméstica antes da sofisticação
A ambição de ocupar espaço na geopolítica dos chips não ignora a realidade do “degrau tecnológico”.
Projeções da Deloitte estimam que o mercado indiano de semicondutores deve superar US$ 55 bilhões em 2026.
Essa escala de consumo pode ancorar contratos de longo prazo e reduzir riscos de ociosidade em novas plantas. Ainda assim, especialistas alertam para expectativas realistas na fabricação por litografias maduras.
Análises da DigiTimes apontam que atingir produção em massa em 28 nm pode levar cerca de uma década.
O tempo de formação de fornecedores, operadores e engenheiros, somado à complexidade logística e de qualidade, exige um processo de maturação mais longo.
O que difere do caminho chinês
Ao contrário do sprint chinês dos anos 2000, baseado em vastas zonas de exportação e superinvestimento estatal em capacidade pesada, a Índia prioriza domínio progressivo de etapas da cadeia.
O processo começa por montagem e testes, acoplado a um mercado interno em rápida formalização.
O governo preserva a atração de I&D e design como ponte para, no médio prazo, verticalizar componentes e, mais adiante, disputar fatias de fabs voltadas a nós maduros com escala comercial.
Essa sequência busca reduzir gargalos crônicos — energia, logística, qualificação técnica — sem travar capital em investimentos cujo retorno depende de curvas de aprendizado prolongadas.
Por outro lado, a geopolítica adiciona uma camada de oportunidade. A diversificação das cadeias de suprimento e os incentivos cruzados de Estados e União criam uma janela de realocação industrial.
Empresas que antes concentravam risco em poucos polos asiáticos passaram a enxergar o mercado indiano como plataforma complementar, não como substituta imediata de hubs estabelecidos.
A estratégia, portanto, não é “ser a nova China”, e sim ser a Índia. O país busca usar o tamanho do mercado, o capital humano e a política industrial para construir competitividade passo a passo.
Horizonte de riscos e execução
O cronograma segue exigente. Plantas de semicondutores levam anos entre anúncio, construção, qualificação e rampa.
A coordenação federativa e a previsibilidade regulatória terão de sustentar o ciclo de investimentos.
Também será necessário expandir infraestrutura elétrica estável, água ultrapura, logística integrada e programas de formação técnica.
Enquanto isso, a pauta de componentes locais nas cadeias de eletrônicos precisa ganhar corpo para que metas como US$ 300 bilhões em produção não dependam somente de importações intermediárias.
No curto prazo, a combinação de demanda doméstica robusta, PLI com execução monitorável e a entrada de projetos âncora em ATMP/OSAT forma um tripé plausível para manter o ritmo.
No médio prazo, a disputa por 28 nm e por ecossistema de fornecedores determinará se o país consegue capturar valor além da montagem.
No longo prazo, o objetivo é claro: converter a escala do mercado em produtividade, tecnologia e exportações sustentáveis.