Como a gigante da mineração de diamantes usou preços radicalmente baixos para comoditizar as gemas sintéticas e proteger seu império de pedras naturais.
Em 2018, a De Beers, empresa que construiu o valor do diamante sobre a ideia de raridade, chocou o mundo. Ela lançou a Lightbox, uma marca de diamantes cultivados em laboratório vendidos com até 80% de desconto. Não foi uma rendição à nova tecnologia. Foi um ataque calculado, um “golpe de mestre maquiavélico” para segmentar o mercado, proteger seu negócio principal e definir os diamantes sintéticos como uma categoria de produto completamente diferente.
Diamantes de laboratório vs. mineração de diamantes
Para entender a estratégia da De Beers, é preciso conhecer o produto. Diamantes cultivados em laboratório não são imitações. Eles são química, física e opticamente idênticos aos diamantes naturais. Sua dureza é a mesma. A olho nu, são indistinguíveis.
Eles são criados por dois métodos principais: Alta Pressão, Alta Temperatura (HPHT) e Deposição Química de Vapor (CVD). Ambos replicam os processos da natureza, mas em um ritmo acelerado. O resultado é um diamante real. No entanto, esses processos deixam “impressões digitais” microscópicas. Essas diferenças, como padrões de crescimento e vestígios de elementos, são detectáveis por laboratórios gemológicos avançados como o GIA.
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Essa capacidade de diferenciação é a chave de tudo. Ela permite que exista um relatório de classificação para um diamante natural, fruto da mineração de diamantes, e outro que diz “Cultivado em Laboratório”. Sem essa distinção científica, a estratégia da De Beers de criar dois universos de valor seria impossível.
Uma lição histórica sobre controle de mercado
A De Beers sempre operou controlando o mercado. Por um século, seu lema foi “reduzir a produção” para manter os preços altos. A campanha “Um Diamante é Para Sempre” transformou uma pedra de carbono em um símbolo de amor eterno. A empresa não vendia um produto; vendia um sonho.
A ameaça de excesso de oferta não é nova. Na década de 1960, a União Soviética inundou o mercado com diamantes siberianos, geralmente menores. A resposta da De Beers não foi uma guerra de preços. Foi a segmentação. A empresa criou e promoveu uma nova categoria de joias de moda com múltiplos diamantes pequenos. Isso absorveu a oferta russa sem desvalorizar os grandes anéis de noivado, seu principal produto. A estratégia da Lightbox é a aplicação moderna desse mesmo manual.
A estratégia agressiva de $800 por quilate
O lançamento da Lightbox em 2018 foi um ataque preventivo. O elemento mais disruptivo foi o preço: um valor linear e transparente de 800 dólares por quilate. Um diamante de um quilate custava $800. Meio quilate, $400.
Essa tática quebrou a ligação entre os preços dos diamantes de laboratório e os naturais. Antes, os sintéticos eram vendidos com um desconto percentual em relação aos naturais. A Lightbox ancorou o valor ao custo de produção, não à raridade. A mensagem de marketing reforçou isso. A Lightbox era “perfeita para o agora”, não “para sempre”. Era moda, diversão, impulso. O romance e os momentos marcantes foram reservados para os diamantes naturais. A De Beers iniciou uma guerra de preços para comoditizar o mercado sintético.
O brilho acessível contra o luxo ético
Enquanto a De Beers usava o preço para retirar valor dos diamantes sintéticos, concorrentes como a Brilliant Earth faziam o oposto. Eles construíram sua marca sobre valores, não sobre descontos. Sua mensagem era de sustentabilidade, transparência e ética.
A Brilliant Earth focou em usar metais reciclados e diamantes “Além do Livre de Conflitos”. Eles chegaram a vender diamantes feitos com CO2 capturado da atmosfera. Sua estratégia de marketing digital, como a campanha “Drop A Hint” (Dê uma Dica), permitiu que casais escolhessem o anel de noivado juntos, de forma colaborativa. O mercado se dividiu em duas narrativas opostas. De um lado, a pergunta era “Quão barato posso conseguir?”. Do outro, “Esta compra se alinha aos meus valores?”.
O valor de revenda e o futuro de uma indústria dividida
A consequência mais duradoura da estratégia da De Beers está no valor de revenda. Diamantes naturais, embora se desvalorizem após a compra, normalmente retêm de 30% a 60% de seu valor. Diamantes de laboratório, por outro lado, têm um valor de revenda quase nulo, frequentemente caindo para apenas 10% a 30% do custo original.
Isso não é um acaso. É o resultado direto da guerra de preços iniciada pela Lightbox. A queda contínua no preço de novos diamantes de laboratório torna impossível a existência de um mercado secundário robusto. Por que comprar um usado se um novo custará quase o mesmo no mês seguinte?
A jogada final da De Beers foi anunciar, entre 2024 e 2025, que sua fábrica passaria a produzir diamantes sintéticos apenas para aplicações industriais e tecnológicas, como semicondutores e computação quântica. Isso cimentou a ideia: diamantes de laboratório são um material tecnológico, não uma gema preciosa. O gambito foi um sucesso. A De Beers não tentou vencer no mercado de laboratório; ela garantiu que esse mercado nunca pudesse vencer seu negócio principal, o valioso mundo da mineração de diamantes