Mais de 50 campos de petróleo serão reofertados pela ANP após decisão da Petrobras de não renovar concessões da Rodada Zero, abrindo espaço para novas operadoras independentes em áreas maduras no Nordeste e no Sudeste.
A ANP avalia voltar a ofertar mais de 50 campos herdados da Rodada Zero cujos contratos a Petrobras decidiu não prorrogar após 27 anos de concessão, revelou o portal Eixos nesta terça-feira (02).
A ideia é inserir essas áreas nos próximos ciclos da oferta permanente, abrindo espaço para operadoras independentes assumirem ativos maduros e retomarem a produção, especialmente no Nordeste.
No Sudeste, o polígono do pré-sal impõe barreiras regulatórias adicionais e pode limitar alternativas.
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No setor, a possível reoferta é lida como chance de expansão do portfólio para empresas de menor porte, em um momento em que a Petrobras suspendeu seu programa de desinvestimentos em ativos considerados estratégicos.
Governos estaduais, por sua vez, articulam com a agência e o Ministério de Minas e Energia para evitar a parada definitiva de poços com contratos vencidos e preservar empregos e arrecadação.
Oferta permanente volta ao radar
Segundo interlocutores do mercado, a ANP discute internamente a inclusão desses campos nas próximas rodadas da oferta permanente, mecanismo que permite apresentar ativos sem calendário rígido e captar propostas de forma contínua.
A medida responderia à lacuna criada pela não renovação contratual da Petrobras e funcionaria como porta de entrada para novas operadoras que buscam campos maduros com potencial remanescente.
Ainda que a reoferta seja um caminho provável, a agência e a estatal analisam alternativas para acelerar a transição, inclusive aproveitando as condições dos contratos atuais para permitir a retomada de produção sob comando de outras companhias.
Para a Petrobras, adiar o início imediato do descomissionamento das instalações reduziria custos no curto prazo.
Fontes do setor afirmam que a empresa levou o tema à mesa com independentes em encontros recentes.
Negociação para manter produção
Há um entendimento entre ANP, governos estaduais e a própria Petrobras de que a interrupção prolongada afeta economias locais e encarece o recomeço, além de reduzir a arrecadação de royalties.
Por isso, membros do governo trabalham por soluções que mantenham as operações minimamente ativas até a entrada de novos operadores.
A discussão ganhou força em estados do Nordeste, onde a dependência da atividade é maior.
Um ponto sensível é a transferência direta dos ativos.
Apesar do precedente recente, a avaliação dominante no mercado é que vendas bilaterais dos demais campos pela Petrobras são improváveis neste momento.
A companhia tem enfrentado resistência dentro do governo e interrompeu a alienação de ativos tidos como estratégicos, mesmo em polos terrestres e de águas rasas.
Precedente recente com a Perenco
Um caso citado por agentes do setor é a venda dos campos de Bagre e Cherne, na Bacia de Campos, transferidos à Perenco no início de agosto.
Essas áreas, também oriundas da Rodada Zero, tiveram a produção interrompida em 2020.
As plataformas PCH-1 e PCH-2 estavam hibernadas, e o processo de devolução à ANP havia começado em 2022.
Com a conclusão da transação, a Perenco assumiu a operação já com a perspectiva de retomar a produção.
O exemplo demonstra que, em situações específicas, a transferência para independentes pode destravar volumes remanescentes e reativar cadeias de serviços.
Não obstante, o entendimento predominante é que soluções em escala — como a oferta permanente — serão necessárias para dar destino ao conjunto de campos cujo prazo contratual se encerra.
Venda de ativos enfrenta barreiras políticas
A política de desinvestimentos adotada nos governos Michel Temer e Jair Bolsonaro, que priorizava foco em águas profundas, foi revista no governo Lula.
No início de 2023, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, encaminhou ofício à estatal pedindo reavaliação das operações de venda ainda não concluídas.
Em declarações recentes, a presidente da Petrobras, Magda Chambriard, aventou recolocar no mercado o Polo Bahia Terra, o que provocou reação imediata do PT, da Federação Única dos Petroleiros (FUP) e do próprio ministro.
Nesse ambiente, a estatal passou a sustentar que decisões sobre renovação ou não de contratos e sobre eventuais alienações seguem critérios de estratégia empresarial e geração de valor no médio e no longo prazos.
Em nota enviada à imprensa, a companhia afirmou:
“Vale ressaltar que a Petrobras constantemente avalia seus ativos, inclusive os em descomissionamento, buscando a maximização de geração de valor, em linha com suas estratégias de médio e longo prazo, para tomada de decisão a respeito de possível solicitações de prorrogações contratuais”.
O que está em jogo nos contratos
As concessões da Rodada Zero, firmadas na esteira da Lei do Petróleo e da criação da ANP, previam 27 anos de duração e chegam ao fim em 2025.
Entre as áreas afetadas estão campos em Ceará, Sergipe, Rio Grande do Norte, Espírito Santo, Amazonas e Bahia, além de ativos na Bacia de Campos.
A não prorrogação pela Petrobras abre brecha para nova alocação desses recursos a operadores com perfil e estratégia voltados a campos maduros. No Sudeste, contudo, o polígono do pré-sal funciona como obstáculo adicional.
A delimitação influencia o regime regulatório e pode demandar trâmites distintos para a oferta de certas áreas, o que reduz a previsibilidade e tende a alongar prazos.
Enquanto isso, estados do Nordeste cobram celeridade para evitar a perda de produção e de empregos em regiões dependentes da atividade.
Sergipe busca solução sob medida
Entre as alternativas em discussão está um modelo de arrendamento para áreas de águas rasas operadas pela Petrobras em Sergipe.
O governo estadual já levou a proposta à ANP e ao MME, com foco em uma transição rápida que assegure continuidade operacional e mais gás ao mercado local.
A própria Petrobras sinalizou interesse em construir uma saída negociada para a retomada da produção no estado.
No Senado, o sergipano Laércio Oliveira (PP-SE) defendeu a prorrogação das concessões como forma de garantir oferta de gás, atividade econômica e receitas.
Em discurso no Plenário, no começo de agosto, afirmou:
“Nós esperamos que a ANP encontre os meios de viabilizar esse novo momento para os estados, atendendo a uma solicitação feita pelo governador e minha também para que seja feita a prorrogação da concessão. Isso possibilitará uma oferta de mais gás ao mercado, movimenta a economia do estados, além da geração de royalties e empregos”.
Próximos passos e incertezas
Enquanto a Perenco avança no reativamento de Bagre e Cherne, a Petrobras mantém a avaliação interna sobre quais ativos podem ser prorrogados, descomissionados ou encaminhados para soluções alternativas.
A reoferta na oferta permanente desponta como caminho mais amplo, mas sua efetividade dependerá das condições apresentadas aos investidores e da rapidez do processo.
Governos estaduais seguem pressionando por um cronograma claro para a transição e por medidas que preservem a atividade econômica nas áreas afetadas.
O desafio, agora, é saber se a entrada de independentes será suficiente para sustentar empregos e royalties nas regiões produtoras ou se as disputas políticas e regulatórias vão adiar a retomada desses campos.