Com cabeça transparente e olhos giratórios, o peixe-telescópio fascina cientistas e prova que as criaturas das profundezas marinhas são mais estranhas que a ficção.
Poucos animais do planeta são capazes de desafiar tanto a lógica quanto o peixe-telescópio (Macropinna microstoma), uma das criaturas mais intrigantes das profundezas oceânicas. Descoberto pela primeira vez em 1939, mas observado com clareza apenas em 2009, esse pequeno ser de cerca de 15 centímetros habita regiões do Pacífico a mais de 600 metros de profundidade, onde a luz do Sol jamais chega e o ambiente é dominado por frio extremo e escuridão absoluta.
Durante décadas, ele foi conhecido apenas por registros acidentais feitos em redes de pesca. Os espécimes capturados chegavam à superfície deformados, e isso dificultava a compreensão da anatomia real do animal. Foi somente quando pesquisadores do Monterey Bay Aquarium Research Institute (MBARI) conseguiram filmá-lo vivo em seu habitat natural que o mundo conheceu, de fato, o aspecto surreal do peixe-telescópio — uma criatura que parece saída diretamente da ficção científica.
Cabeça transparente e olhos que giram dentro do crânio
A característica mais impressionante do peixe-telescópio é sua cabeça transparente e cheia de líquido, que funciona como uma espécie de bolha protetora. Dentro dela, há dois olhos tubulares verdes que podem girar para frente e para cima.
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Essa mobilidade ocular é essencial para a sobrevivência: quando o animal está parado, os olhos ficam voltados para cima, permitindo observar silhuetas de presas que passam acima; ao se aproximar de um alvo, ele muda o ângulo dos olhos para frente e realiza o ataque com precisão milimétrica.
Os cientistas explicam que a transparência do crânio serve também para reduzir o reflexo da bioluminescência no ambiente, ajudando o peixe a permanecer invisível em meio à escuridão azul-esverdeada das grandes profundezas. Esse nível de adaptação biológica é tão extremo que especialistas em zoologia compararam o peixe-telescópio a um “telescópio subaquático biológico”, feito pela própria natureza.
Um caçador silencioso das zonas abissais
Vivendo entre 600 e 800 metros de profundidade, o Macropinna microstoma pertence a uma camada conhecida como zona mesopelágica, ou “zona crepuscular”, onde a pressão é dezenas de vezes superior à da superfície. Lá, ele se move lentamente, economizando energia e caçando pequenas presas como plâncton, crustáceos e águas-vivas bioluminescentes.
Por viver num ambiente onde quase tudo brilha, o peixe-telescópio desenvolveu uma visão altamente sensível, capaz de captar mínimos traços de luz. Essa capacidade faz dele um predador formidável, ainda que de aparência frágil. Sua boca pequena, mas precisa, se abre para capturar o alimento em frações de segundo.
Os pesquisadores acreditam que o peixe mantém uma relação simbiótica com algumas espécies de águas-vivas, usando seus tentáculos como abrigo e se alimentando de pequenos organismos presos neles. Trata-se de um comportamento extremamente raro e sofisticado para um animal dessa profundidade.
A anatomia impossível
O corpo do peixe-telescópio é curto, comprimido lateralmente e coberto por escamas escuras, o que contrasta com o brilho translúcido da cabeça. Dentro da bolha craniana, os olhos são sustentados por um complexo sistema de músculos e líquidos que estabilizam a visão mesmo sob alta pressão.
Enquanto a maioria dos peixes das profundezas possui olhos fixos, o Macropinna pode rotacioná-los em quase 90 graus, algo inédito no reino animal. Essa mobilidade inspirou até projetos de engenharia óptica e robótica subaquática.
Curiosamente, as duas pequenas manchas na frente do rosto, muitas vezes confundidas com olhos, são na verdade órgãos olfativos, que auxiliam na detecção química de presas — um lembrete de que as aparências, nas profundezas, costumam enganar.
O mistério evolutivo
Ainda não há consenso sobre como o peixe-telescópio desenvolveu essa anatomia incomum. Estudos de genética e embriologia sugerem que a transparência craniana é resultado de uma mutação que eliminou pigmentos do tecido dérmico, permitindo a passagem da luz até os olhos.
Essa evolução extrema indica um processo de milhões de anos de adaptação a um ecossistema onde ver o invisível é a diferença entre viver e ser devorado.
Desde sua filmagem icônica em 2009, o Macropinna microstoma virou símbolo da biodiversidade abissal e do quanto a humanidade ainda desconhece sobre os oceanos. Estima-se que mais de 80% das espécies das profundezas nunca tenham sido registradas. O peixe-telescópio, portanto, é apenas uma amostra do vasto catálogo de criaturas que desafiam nossas concepções sobre o que é possível na natureza.
A cada nova expedição subaquática, os cientistas descobrem organismos tão exóticos que parecem extrapolar os limites biológicos conhecidos. O peixe-telescópio é um exemplo emblemático: um ser pequeno, frágil e silencioso, mas que representa o triunfo da adaptação evolutiva em um dos ambientes mais hostis do planeta.
Enquanto muitos o enxergam como uma curiosidade exótica, para a ciência ele é uma janela viva para um mundo invisível, um lembrete de que as fronteiras da Terra ainda estão longe de serem completamente exploradas.