O Brasil passou a ter base legal para reagir a barreiras externas com suspensão de obrigações de propriedade intelectual, além de tarifas.
A Lei nº 15.122, de 11 de abril de 2025, criou um instrumento inédito para responder a medidas unilaterais de outros países. O texto autoriza o Brasil a suspender concessões comerciais, restringir investimentos e suspender obrigações relativas a direitos de propriedade intelectual em reação proporcional. De acordo com o Planalto, o objetivo é resguardar a competitividade internacional do país diante de barreiras impostas no exterior.
A lei foi regulamentada pelo Decreto nº 12.551, de 15 de julho de 2025, que detalha o procedimento decisório dentro do Executivo e cria instâncias para propor e deliberar contramedidas. A norma também estabelece etapas técnicas antes de qualquer medida, com escopo para análise setorial e participação de órgãos competentes.
O acionamento do arcabouço ocorreu após o anúncio de tarifas de 50% pelos Estados Unidos sobre uma cesta de produtos brasileiros. O governo comunicou a abertura do processo e encaminhou o tema à Camex. Segundo a Reuters, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que não tem pressa para retaliar e preferirá negociar, ainda que as medidas legais estejam em curso.
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Além de sobretaxar, o Brasil agora pode tocar em ativos intangíveis. Em um cenário extremo, empresas americanas com patentes ou softwares relevantes no mercado brasileiro veriam sua posição jurídica temporariamente alterada por decisão do Executivo, dentro de critérios de proporcionalidade.
O que a lei brasileira permite de fato, vai muito além de tarifas
O texto legal autoriza a suspensão de concessões comerciais e de investimentos e a suspensão de obrigações relativas a direitos de propriedade intelectual quando um país aplicar medidas que afetem negativamente a competitividade do Brasil. Em palavras simples, o governo ganhou ferramentas para responder na mesma moeda, inclusive na esfera de marcas, patentes, direitos autorais e correlatos.
O decreto regulamentador define o rito interno. Há previsão de instâncias técnicas para propor medidas, avaliação de impactos e decisão colegiada antes de qualquer ato. Publicações oficiais informam a criação de comitê para deliberar sobre contramedidas e o desenho do fluxo decisório. Não se trata de autorização automática, mas de um processo administrativo com balizas e justificativas.
Em paralelo, a Camex foi orientada a iniciar a avaliação do caso em até 30 dias, prazo citado por veículos que acompanham a tramitação e confirmado por comunicações oficiais ao longo da abertura do procedimento. Essa janela serve para identificar alvos, medir riscos e sugerir a melhor combinação de instrumentos.
Calendário da Camex: 30 dias para enquadramento e próximos passos
Segundo reportagens e comunicados oficiais, a Camex tem até 30 dias para produzir um relatório técnico indicando se o caso se enquadra nos requisitos da lei e quais instrumentos caberiam. Esse período inclui consultas a órgãos setoriais e a elaboração de cenários para eventual implementação. Trinta dias para o primeiro relatório é o marco que o setor produtivo acompanha.
Se a conclusão for positiva, a Camex pode propor a criação de grupo de trabalho para desenhar contramedidas específicas. Há previsão de etapas adicionais com deliberação colegiada antes da decisão final do Executivo, aderindo a critérios de proporcionalidade e transparência.
O pano de fundo político segue relevante. Reportagens destacam que o Planalto comunicou oficialmente Washington sobre a abertura do processo, enquanto sinaliza ao mercado que prefere uma solução negociada. Para as empresas, o recado é monitorar listas setoriais e avaliar exposição regulatória já no curto prazo.
Suspensão de patentes e direitos autorais, impactos em farma e tecnologia
Em farmacêuticos, a hipótese mais discutida é a de medidas que afetem a exclusividade de produtos patenteados, caso se conclua que a reação proporcional deva incidir sobre propriedade intelectual. Importante não confundir com licença compulsória prevista na Lei de Propriedade Industrial, mecanismo já existente para situações de emergência ou interesse público. A novidade aqui é a base de reciprocidade comercial, acionada por medidas unilaterais estrangeiras.
O Brasil possui instrumentos clássicos de PI, como a licença compulsória do art. 71 da LPI, acionável por razões de interesse público. Esse instituto segue vigente e distinto da nova lei. Em qualquer cenário, a licença compulsória é temporária e indenizada, e não configura expropriação. Licença compulsória não é confisco de patente.
Em tecnologia e software, vale lembrar que programas de computador são protegidos como direitos autorais no Brasil pela Lei nº 9.609. Ao falar em “obrigações de propriedade intelectual”, a Lei da Reciprocidade abrange também esse regime jurídico. Na prática, medidas poderiam alcançar licenças, condições de uso e cumprimento de exclusividades, sempre sob critérios de proporcionalidade e temporariedade.
Especialistas ouvidos pela imprensa e por escritórios apontam que qualquer suspensão de obrigações em PI exigirá desenho jurídico fino para resguardar a segurança jurídica e reduzir efeitos colaterais na inovação. Por isso, o governo sinaliza preferência inicial por negociação, mantendo as ferramentas prontas apenas se o diálogo fracassar.
Quem pode ser afetado primeiro e o que empresas devem fazer
Setores com elevada intensidade de ativos intangíveis, como farma e software, tendem a ser monitorados com lupa em um eventual pacote de contramedidas, já que sua proteção jurídica está no centro da reciprocidade. O foco provável seria medidas proporcionais e cirúrgicas, desenhadas para minimizar danos à economia doméstica.
Para empresas expostas, a agenda imediata inclui três movimentos. Primeiro, compliance regulatório e mapeamento de contratos que dependam de exclusividades de PI no Brasil. Segundo, avaliação de planos de contingência para cadeias de suprimento e licenças críticas. Terceiro, acompanhamento de consultas e deliberações da Camex e do contencioso na OMC, já que prazos e escopo podem evoluir rapidamente.
Por fim, é essencial distinguir as ferramentas. Licenças compulsórias continuam regidas pela LPI e podem ser acionadas por interesse público, com indenização ao titular. Já a Lei da Reciprocidade adiciona a possibilidade de suspender obrigações de PI por critério de proporcionalidade comercial, em resposta a barreiras externas. São bases legais diferentes, que podem, em tese, operar de modo complementar conforme o caso.