Leilão de áreas históricas, ambientais e turísticas em Paraty causa apreensão, mobiliza moradores, desafia direitos tradicionais e gera risco ao título de Patrimônio Mundial. O episódio foi revelado em reportagem no Fantástico.
Paraty, um dos destinos turísticos mais valorizados do Brasil, enfrenta um cenário de grande apreensão após o anúncio de um leilão judicial que atingiu parte considerável de seu território.
Áreas de praias, montanhas e ilhas inteiras foram arrematadas, gerando insegurança entre a população local e levantando um intenso debate sobre o futuro desse patrimônio mundial, situado no litoral sul do Rio de Janeiro.
A situação foi revelada por uma reportagem do programa Fantástico, da TV Globo.
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O leilão, realizado em abril de 2025, envolveu a venda de 32 áreas do município, incluindo lotes localizados em 63 ilhas, como a Ilha do Cedro e a Ilha do Algodão, além de faixas de praia, áreas no Saco do Mamanguá e terrenos dentro do Parque Nacional da Serra da Bocaina.
A divulgação do caso pelo Fantástico surpreendeu moradores, autoridades ambientais e organizações civis, mudando o clima de tranquilidade tradicional da região.
Saco do Mamanguá e comunidades tradicionais
No centro da polêmica está o Saco do Mamanguá, uma formação geológica singular no litoral brasileiro, conhecida como um “braço de mar” protegido por extensos manguezais.
O Mamanguá, com oito quilômetros de extensão por dois de largura, é considerado um dos maiores berçários marinhos da costa fluminense e serve de abrigo para diversas comunidades caiçaras, cujas famílias mantêm vínculo com o local há séculos.
A notícia do leilão impactou diretamente a vida dos moradores.
Gilcimar Corrêa, presidente da Associação de Moradores do Mamanguá, relatou ao Fantástico que o estado emocional dos habitantes está profundamente abalado, com relatos de insônia e constante vigilância diante da chegada de embarcações desconhecidas.
A insegurança se estende a outras comunidades, como a Ilha do Araújo, onde representantes comunitários criticaram a negociação das terras sem a consideração das populações tradicionais.
Histórico das terras leiloadas em Paraty
Segundo registros oficiais, os terrenos arrematados pertenciam ao comerciante português José Maria Rollas, que adquiriu as áreas em 1936, durante leilão promovido pela Receita Estadual do Rio de Janeiro.
A família de Rollas afirma que a intenção era garantir proteção patrimonial, sem promover ocupação ou exploração comercial.
Mesmo assim, moradores como Cleonice dos Santos, da Ilha do Cedro, sustentam que a presença de suas famílias antecede a aquisição formal dos lotes e exibem documentos, como comprovantes de pagamento de impostos datados de 1912, para reforçar esse histórico.
Comunidade local e uso coletivo das áreas
Os lotes leiloados incluem, além de residências, áreas de uso coletivo da comunidade, como escola pública e igrejas, elementos fundamentais para a organização social local.
As descrições imprecisas das antigas certidões de propriedade, baseadas em referências genéricas e pouco detalhadas, dificultam a definição dos limites exatos das terras e aumentam a insegurança jurídica dos ocupantes.
Grande parte dos terrenos arrematados está inserida na Área de Proteção Ambiental (APA) Cairuçu, criada em 1983 pelo governo federal para proteger tanto o meio ambiente quanto a cultura caiçara.
Anderson Nascimento, chefe do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) em Paraty, destaca que são áreas submetidas a regime especial de proteção, com regras rigorosas sobre uso e ocupação do solo.
A legislação brasileira assegura que comunidades tradicionais tenham seus direitos reconhecidos, incluindo a permanência em territórios ocupados historicamente.
Legislação, valores e reação dos compradores
A advogada Thatiana Lourival, do Fórum de Comunidades Tradicionais, observou ao Fantástico que o valor dos lotes vendidos foi considerado baixo frente à extensão das áreas, levantando suspeitas de especulação futura ou interesse em grandes empreendimentos.
Entretanto, um dos compradores de parte da Ilha do Cedro já desistiu da compra ao constatar a forte presença da população tradicional.
O próprio advogado Gustavo Kloh, especialista em Direito Civil, afirmou que quem comprou pode enfrentar restrições legais severas devido à legislação ambiental e à proteção dos direitos caiçaras.
Divergências jurídicas e protestos em Paraty
O caso divide opiniões entre advogados e autoridades públicas.
Representantes dos arrematantes afirmam que cumpriram todas as etapas legais e estão dispostos a negociar, desde que haja respeito aos direitos de propriedade.
Já o Ministério Público Federal, a Advocacia-Geral da União e a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro ingressaram com pedidos de anulação do leilão, apontando desconsideração à presença de comunidades tradicionais e à existência de áreas protegidas por lei.
Até o momento, a Justiça ainda não autorizou a posse efetiva dos terrenos por parte dos novos proprietários, mas moradores denunciam tentativas de pressão por parte de alguns arrematantes.
Título de patrimônio mundial e riscos para Paraty
A repercussão do caso foi imediata, com protestos e manifestações em Paraty, principalmente durante eventos como o Festival de Jazz da cidade, onde a frase “Paraty é terra caiçara!” ganhou destaque.
Entre as preocupações, está o risco de que Paraty perca seu título de Patrimônio Mundial da Unesco, já que um dos critérios do reconhecimento foi a interação equilibrada entre cultura tradicional e natureza preservada.
O advogado Nizzo de Moura, representante das herdeiras de José Maria Rollas, defende a legalidade do leilão e argumenta que eventuais conflitos devem ser solucionados por meio de conciliação judicial entre posse tradicional e propriedade formal.
Gustavo Kloh enfatiza que preservar as características ambientais, turísticas e culturais de Paraty é fundamental não só para a região, mas para o país.
Futuro de Paraty e debate nacional
O futuro dessas áreas e de seus moradores permanece indefinido, enquanto diferentes setores buscam caminhos para solucionar o impasse, envolvendo temas como direitos territoriais, preservação ambiental, cultura e interesses econômicos.
O episódio, apresentado pelo Fantástico, trouxe à tona uma discussão nacional sobre patrimônio, legislação e identidade local.
Você acredita que a permanência dos moradores tradicionais e a proteção ambiental devem prevalecer em Paraty diante desse cenário, ou os novos proprietários têm direito à posse e uso das terras adquiridas em leilão?