Com custo acima de R$ 4 mil e espera de quase um ano, trabalhador desabafa que precisa escolher entre sustentar a família ou tirar a CNH — e defende mudanças no sistema.
A proposta do governo federal de retirar a obrigatoriedade de frequentar autoescolas para obter a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) desencadeou uma intensa discussão nacional que extrapolou o Congresso e ganhou força entre os próprios cidadãos.
A medida, que pretende permitir a formação de condutores por meio de ensino a distância (EAD) e aulas práticas com instrutores independentes, dividiu opiniões entre parlamentares, profissionais do setor e motoristas comuns.
Na Câmara dos Deputados, o debate foi marcado por críticas severas. O deputado Coronel Meira (PL-PE) classificou a proposta como “um crime contra a segurança no trânsito”, alegando que ela colocaria vidas em risco e provocaria a demissão de até 300 mil trabalhadores do setor de autoescolas.
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O parlamentar defende o Projeto de Decreto Legislativo (PDL) nº 800/2025, criado para barrar as mudanças, e argumenta que o governo ignora alternativas mais seguras, como cursos subsidiados para inscritos no CadÚnico e a redução parcial das horas de aula, sem abolir a supervisão profissional.
Leitores do CPG expuseram experiências pessoais, críticas ao sistema e propostas alternativas.
“Cobram para não reprovar”: leitores denunciam custos abusivos e suspeitas de fraude
Entre os comentários mais compartilhados está o de um leitor do interior paulista, que relatou um suposto esquema de cobrança para evitar reprovações. Segundo ele, “o que torna caro a CNH aqui em várias cidades de SP é o valor que eles cobram pra não reprovar na aula prática — por volta de R$ 1.800 por categoria. Se você não paga, é reprovado várias vezes”.
A denúncia expressa um sentimento recorrente entre candidatos à habilitação: a percepção de que reprovações sucessivas são utilizadas como forma de aumentar o lucro.
O relato encontrou eco entre outros leitores, que afirmam já ter passado por experiências semelhantes.
Esses testemunhos reforçam uma crítica antiga ao modelo atual — a falta de transparência e o poder concentrado nas mãos dos CFCs (Centros de Formação de Condutores), que detêm o monopólio da formação.
Muitos acreditam que abrir o processo a instrutores autônomos e ampliar o uso de plataformas online poderia reduzir custos e ampliar o acesso, especialmente para trabalhadores de baixa renda.
“As burocracias são absurdas”: pedidos por livre concorrência e menos exigências
Outro leitor foi direto ao ponto: o problema, segundo ele, está na burocracia imposta pelo próprio Estado.
Em seu comentário, sugeriu que o governo “deixe de exigir dois diretores nos CFCs, dois carros e duas motos, e permita a livre concorrência — o mercado resolve o preço”.
Ele defendeu que, em vez de eliminar o papel das autoescolas, o governo poderia simplificar regras e modernizar a frota de veículos, com mais carros automáticos e menos exigências administrativas. “As burocracias para se ter um CFC são absurdas e tudo tem custo. Chega um ponto que ninguém aguenta mais, ainda mais neste governo com imposto sobre imposto”, completou.
Esse tipo de argumento ganhou força entre empreendedores e instrutores que enxergam o setor como um negócio sufocado pela regulação. Segundo eles, a proposta de flexibilização poderia, inclusive, estimular uma concorrência saudável e tornar o ensino mais acessível, sem eliminar a segurança.
“Vai gerar empregos, não desemprego”: apoio à flexibilização e novos modelos de formação
Nem todos os leitores veem a proposta com pessimismo. Para parte do público, o projeto representa uma oportunidade de inovação e inclusão econômica.
Um deles escreveu: “Não vai gerar desemprego, vai gerar empregos, porque tem muitos bons motoristas que poderão se cadastrar no site do Detran, depois de passar pelo curso de instrutor, e dar aulas como segunda fonte de renda”.
O comentário reflete uma visão mais otimista sobre a reestruturação do setor. Para esse grupo, o modelo atual é excludente, e a flexibilização é uma forma de democratizar o direito de dirigir, aproximando o processo de outras profissões regulamentadas em que o cidadão pode atuar de maneira autônoma após certificação.
“Dirigir é um direito que todo cidadão de bem deve ter. As autoescolas não podem ser um obstáculo, e sim uma opção. Os instrutores que já existem podem continuar, mas de forma autônoma”, escreveu outro participante da discussão.
Entre o custo e a sobrevivência: o dilema dos trabalhadores
Em contraposição, as falas do deputado Coronel Meira e de representantes das autoescolas ressaltam o impacto sobre os 300 mil profissionais do setor, incluindo instrutores, atendentes e examinadores.
O parlamentar afirma que “flexibilizar essas etapas significa colocar motoristas despreparados nas ruas”, e argumenta que a medida pode agravar o número de acidentes — o Brasil já figura entre os países com mais mortes no trânsito.
Leitores, porém, afirmam que o problema da segurança não está na sala de aula, mas na fiscalização precária e nas estradas mal conservadas. Um deles relatou: “Eu tenho veículo, mas não tenho CNH porque ou trabalho pra sustentar a família ou tiro habilitação. É caro e demora quase um ano. O sistema não pensa em quem precisa trabalhar”.
Essas falas evidenciam uma tensão social: para milhões de brasileiros, a habilitação é pré-requisito para conseguir emprego, especialmente em setores como transporte, entrega e logística.
Ao mesmo tempo, o custo elevado — que pode ultrapassar R$ 4 mil em algumas regiões — torna-se uma barreira quase intransponível.
“Autoescola ensina a passar no exame, não a dirigir”
Um dos comentários mais curtidos resume um sentimento comum: “Autoescola não ensina ninguém a dirigir, ensina a passar no exame do Detran”.
O leitor, que afirmou ter gasto mais de R$ 5 mil para tirar as categorias A e B, diz que ainda precisou pagar aulas extras após ser reprovado. “É covardia com a gente que é mais pobre”, escreveu.
Para ele, o ensino deveria se adaptar aos novos tempos: “Assim como o telemarketing e as locadoras mudaram com a tecnologia, o sistema de habilitação precisa evoluir”.
Essa analogia com transformações tecnológicas foi usada também por defensores da proposta dentro do governo, que argumentam que a digitalização do ensino e o uso de instrutores independentes podem tornar o processo mais ágil, sem comprometer a segurança — desde que haja certificação rigorosa e fiscalização do Detran.
A percepção pública: entre a indignação e a esperança
A leitura geral dos comentários revela um padrão de indignação com o sistema atual e uma busca por alternativas que unam acessibilidade, transparência e qualidade.
Mesmo entre os que apoiam o PDL nº 800/2025, há o reconhecimento de que o modelo vigente precisa de revisão estrutural.
Em síntese, a sociedade parece dividida em três blocos principais:
- Os céticos, que temem aumento de acidentes e defendem a manutenção das autoescolas como garantia de segurança;
- Os reformistas, que apoiam a flexibilização com critérios — exigindo certificação de instrutores e plataformas seguras de ensino;
- Os indignados, que denunciam práticas abusivas e veem nas autoescolas uma “máquina de arrecadar dinheiro”.
Em comum, todos reconhecem que o atual modelo de formação está distante da realidade social e econômica do país.
Um debate que vai além do trânsito
Enquanto o governo defende modernização e inclusão, o Congresso se mobiliza para frear o projeto e manter a obrigatoriedade. Mas fora dos gabinetes, a discussão ganhou contornos mais amplos: fala-se sobre desigualdade, oportunidades de emprego e o custo de ser cidadão no Brasil.
Seja pela indignação com os preços, pela esperança de um sistema mais justo ou pelo medo de um trânsito mais perigoso, o tema reacendeu um debate profundo sobre o papel do Estado e o equilíbrio entre liberdade individual e responsabilidade coletiva nas ruas do país.