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Os incentivos do Brasil e da Argentina por trás do possível financiamento do gasoduto de Vaca Muerta pelo BNDES

Escrito por Paulo Nogueira
Publicado em 03/02/2023 às 13:16
Marina sabe? Gás natural da Argentina polui ainda mais do que o gás do Brasil. A Reserva de Vaca Muerta, na Argentina, explora o gás xisto. No Brasil, Justiça vetou esse tipo de extração
Marina sabe? Gás natural da Argentina polui ainda mais do que o gás do Brasil. A Reserva de Vaca Muerta, na Argentina, explora o gás xisto. No Brasil, Justiça vetou esse tipo de extração (Foto/divulgação)

Do ponto de vista argentino, o financiamento brasileiro deste projeto seria um alívio em razão das dificuldades financeiras, podendo até mesmo levar mais dólares para Argentina

Em sua primeira viagem internacional desde a posse, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva sugeriu, em Buenos Aires, que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) financiasse o segundo trecho do gasoduto Néstor Kirchner, na Argentina. A obra transportaria gás de xisto das reservas de Vaca Muerta para a região metropolitana de Buenos Aires e para o sul do Brasil.

Segundo estimativas de especialistas, Vaca Muerta comporta a segunda maior jazida de gás de xisto do mundo e a quarta de petróleo não-convencional. Apesar deste potencial, há um déficit notável em infraestrutura na Argentina para distribuir esses recursos, o que limita a capacidade do país de tornar-se uma potência exportadora a nível regional. É nesse sentido que a exploração de Vaca Muerta é um dos projetos de infraestrutura mais ambiciosos da Argentina.

Problemas financeiros e limitação de investimentos da Argentina

Do ponto de vista argentino, o financiamento deste trecho da obra pelo banco público brasileiro seria um alívio em razão das graves dificuldades financeiras que têm limitado o investimento público em infraestrutura. Entre os desafios econômicos enfrentados pelo vizinho, estão a inflação anual e taxa de juros altas, baixas reservas em moeda estrangeira e a reestruturação da dívida pública com o Fundo Monetário Internacional (FMI).

Desde que Alberto Fernández assumiu a presidência, em 2020, o governo tem apostado em medidas regulatórias heterodoxas para controlar os desequilíbrios macroeconômicos. Exemplos-chave e de alto impacto para os investidores são os controles de capital para limitar o acesso ao dólar e as restrições às importações e os impostos de exportação (retenciones) para conter fugas de capitais. As distorções monetárias, devido às múltiplas taxas de câmbio, ainda somam um desafio adicional ao cenário econômico da Argentina.

Tais circunstâncias não permitem que o governo de Fernández consiga explorar, comercializar e exportar o gás natural de Vaca Muerta. Essas exportações trariam os dólares que a economia argentina tanto anseia. A ajuda do Brasil, que foi historicamente o principal parceiro comercial da Argentina (perdeu o posto em 2019 para a China), seria de grande valia, inclusive, para aliviar a popularidade em declínio da coalizão governista de esquerda Frente de Todos.

Empresas brasileiras poderão participar da licitação do gasoduto Vaca Muerta na Argentina

Já do nosso lado da fronteira, a fala de Lula trouxe à tona o debate sobre o papel dos bancos estatais durante seu terceiro mandato. Isso porque em seus dois primeiros governos o petista foi acusado de usar recursos públicos do BNDES em benefício de aliados políticos no exterior, além  de abrir espaço para a corrupção, envolvendo empreiteiras brasileiras. Na tentativa de diferenciar o financiamento ao gasoduto de Vaca Muerta das empreitadas passadas no exterior, o Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, propôs um sistema de garantias para que o próprio gás natural argentino fosse a garantia do investimento para mitigar riscos de insolvência. Além disso, Haddad também sinalizou que empresas brasileiras participariam dos processos de licitação para a  construção do gasoduto. Isto é dizer que o Brasil se beneficiaria diretamente deste projeto, de acordo com o ministro, já que facilitaria a importação de uma commodity considerada estratégica.

A proposta pode ser compreendida como um esforço do governo Lula de reposicionar o Brasil como uma liderança regional, mimetizando a estratégia de política externa adotada pelo presidente em seus mandatos anteriores. A ideia do presidente é a de que a integração regional beneficie o Brasil a nível global já que, em bloco, o Brasil possa incrementar sua projeção de poder político e econômico, o que não consegue fazer só. Esta é a mesma linha de raciocínio por trás da criação do bloco econômico do Mercosul, nos anos 1990, e do arranjo entre potências emergentes dos BRICS, no início dos anos 2000.

Outra interpretação possível é a de que iniciativas como o gasoduto, o sistema de garantias e até mesmo a moeda-veículo comum entre Brasil e Argentina seriam maneiras do Brasil melhorar a relação comercial com a Argentina, a fim de recuperar a parcela do mercado perdida para a China. Existe, portanto, um notável cálculo geopolítico por trás do possível financiamento do gasoduto: o Brasil de Lula pretende posicionar-se como um polo autônomo de poder no contexto de disputas entre Estados Unidos e China. 

Pode ser improvável que o financiamento do gasoduto Argentino pelo BNDES continue pelos próximos anos

Apesar dos incentivos para os dois países, é improvável que o financiamento avance nos próximos anos. Em primeiro lugar, a continuidade do projeto estaria condicionada a uma profunda cooperação política e econômica entre os países, o que pode ser dificultado pelas futuras trocas de governo em cada país. Em segundo lugar, é possível que a discussão sobre o financiamento encontre resistência significativa no Brasil.

Além da viabilidade financeira, os impactos socioambientais associados à exploração e uso do gás de xisto representariam possíveis pontos de fricção entre diferentes pastas do governo. A Ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, já afirmou que a extração deste tipo de gás é danosa ao meio ambiente e que os riscos associados a este processo devem ser devidamente considerados.

Artigo Autoral Por: Marina Pera é analista de risco político para o Cone Sul na consultoria Control Risks.

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Paulo Nogueira

Com formação técnica, atuei no mercado de óleo e gás offshore por alguns anos. Hoje, eu e minha equipe nos dedicamos a levar informações do setor de energia brasileiro e do mundo, sempre com fontes de credibilidade e atualizadas.

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