Operação secreta da FAB no Peru: Como militares brasileiros resgataram 71 reféns na selva amazônica
Em uma missão secreta, a Força Aérea Brasileira (FAB) resgatou 71 pessoas mantidas reféns pelo grupo terrorista Sendero Luminoso, uma ação que quase mudou o curso da história na América do Sul em 2003. A operação, em colaboração com o governo peruano, ainda é pouco conhecida pelo público, mas revela a complexidade e a precisão das ações militares do Brasil em território estrangeiro.
A noite em que tudo começou
Em 9 de junho de 2003, na Base Aérea de Anápolis, em Goiás, um grupo de oito militares da FAB embarcou em uma aeronave Embraer R-99B, um dos mais avançados aviões de reconhecimento à época.
O que eles ainda não sabiam era que estavam prestes a participar de uma das missões mais arriscadas de suas carreiras. A ordem para o voo foi emitida sem detalhes do destino ou do objetivo, e os tripulantes, formados por pilotos e técnicos de sistemas, apenas obedeceram às instruções de decolagem.
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Às 20h40 daquela segunda-feira, o Embraer 145 RS/AGS, conhecido como R-99B na FAB, partiu da base em Anápolis. Após uma primeira parada para reabastecimento, a aeronave seguiu para Porto Velho e, em seguida, para o Aeroporto Internacional de Lima, no Peru.
Poucas horas depois, os militares brasileiros descobririam que sua presença era requisitada por ordem do presidente peruano, Alejandro Toledo Manrique, em uma missão de resgate de reféns.
Peru pediu ao Brasil para salvar reféns das mãos de guerrilheiros
Ao chegarem a Lima, os militares brasileiros foram recebidos por representantes da Força Aérea Peruana (FAP), que revelaram o propósito da operação. Funcionários da empresa Techint, uma companhia argentina responsável pela construção de um gasoduto na região de Ayacucho, haviam sido capturados por guerrilheiros do Sendero Luminoso.
O grupo, que exigia armas e um resgate financeiro de US$ 200 mil, incluía entre os reféns três membros da Polícia Nacional do Peru. A situação era urgente, e a tecnologia de ponta da FAB era a melhor alternativa para localizar o esconderijo dos terroristas.
FAB iniciava a operação inédita que demonstraria a força do Brasil na defesa de seu território e de seus aliados na América do Sul
O Embraer R-99B possuía ferramentas de última geração para missões de reconhecimento. Equipado com Radar de Abertura Sintética (SAR), Scanner Hiperespectral (HSS), Scanner Multiespectral (MSS) e Sensor Ótico e Infravermelho (OIS), a aeronave podia mapear grandes áreas da floresta e rastrear transmissões de rádio e celular, mesmo sob condições adversas. Essas tecnologias tornavam o R-99B uma arma eficiente para missões em terrenos difíceis, como a densa vegetação da floresta amazônica.
Às 15h27 de 10 de junho, a aeronave brasileira, acompanhada por um oficial da FAP, partiu de Lima em direção a Ayacucho. A missão exigia um voo cuidadoso sobre a selva para captar sinais de rádio que pudessem indicar a posição dos sequestradores. Sob total sigilo, a FAB iniciava uma operação inédita que demonstraria a força do Brasil na defesa de seu território e de seus aliados na América do Sul.
Identificando o local dos reféns: Força Aérea Peruana iniciou um cerco com helicópteros e outras aeronaves ao esconderijo dos guerrilheiros
Sobrevoando a floresta amazônica, os sensores avançados do R-99B captaram sinais de rádio na frequência VHF, e a equipe de bordo começou a monitorar cada transmissão. Em menos de uma hora, as coordenadas exatas do acampamento terrorista, situado em um pequeno vilarejo chamado Toccate, foram identificadas.
Com as coordenadas em mãos, as autoridades peruanas foram rapidamente informadas, e a Força Aérea Peruana iniciou um cerco com helicópteros e outras aeronaves ao esconderijo dos guerrilheiros.
A rendição e o resgate dos reféns: Embraer R-99B concluiu sua primeira missão real com sucesso
Com o cerco montado, o Sendero Luminoso percebeu a iminente operação militar e, temendo um confronto direto, decidiu liberar os reféns gradualmente. Um a um, os nomes dos libertados eram anunciados pelos sequestradores via rádio.
Após a liberação do último refém, os guerrilheiros se dispersaram pela floresta para evitar o confronto, escapando em pequenos grupos por rotas alternativas na selva.
A operação se encerrou com êxito total e sem nenhum disparo, o que rendeu elogios à FAB e à FAP por sua precisão e rapidez. O R-99B concluiu sua primeira missão real com sucesso, comprovando sua capacidade de executar operações de reconhecimento e vigilância em grande escala, até mesmo além das fronteiras do Brasil.
Ainda na noite do resgate, a aeronave retornou ao Aeroporto Internacional de Lima, onde os militares participaram de uma breve reunião de avaliação com os oficiais peruanos.
Governo brasileiro manteve o sigilo sobre o envolvimento da Força Aérea Brasileira – FAB
O sucesso da missão reforçou a importância do Brasil no cenário de defesa sul-americano. Embora sua participação fosse vital, o governo brasileiro manteve o sigilo sobre o envolvimento da FAB, deixando para as autoridades peruanas a responsabilidade de divulgar informações à imprensa. O ministro da Defesa do Peru, Aurelio Loret de Mola, enalteceu a atuação das forças de segurança do país ao lado de alguns dos reféns, sem mencionar a contribuição brasileira.
Na manhã do dia seguinte, Loret de Mola fez questão de visitar o R-99B para conhecer de perto a estrutura tecnológica que possibilitou o resgate, acompanhado de representantes da FAP. Apesar das especulações, o governo brasileiro optou por manter silêncio sobre a operação, com o ministro da Defesa da época, José Viegas, recusando-se a comentar o ocorrido.
Ainda hoje, essa operação permanece um exemplo de cooperação estratégica e de como o Sistema de Vigilância da Amazônia (SIVAM) pode atuar em benefício não apenas do Brasil, mas de toda a região. De acordo com um oficial da FAB, que falou anonimamente à revista Istoé, a missão reforçou a capacidade do Brasil de monitorar e proteger a floresta amazônica, assegurando a segurança continental.
Um marco para a Força Aérea Brasileira
A missão de resgate no Peru não apenas salvou vidas, mas também marcou a estreia do Embraer R-99B em uma operação de alta complexidade. Com essa ação, o Brasil mostrou sua força tecnológica e a importância da integração com os países vizinhos em situações de emergência. Hoje, mesmo sob sigilo, a operação serve como exemplo de dedicação e eficiência para os militares brasileiros.
Essa história, mantida em segredo por quase duas décadas, demonstra a relevância do Brasil no cenário internacional de segurança e defesa. É um lembrete de que, mesmo longe dos holofotes, a FAB está preparada para proteger e apoiar missões de interesse nacional e internacional, sempre em defesa dos valores e da integridade das nações amigas.