Casa Branca publicou diretrizes para acelerar licenças de exploração e recuperação em águas profundas, enquanto cresce a frente internacional por moratória.
A corrida por níquel, cobalto, cobre e manganês, insumos essenciais para baterias e a transição energética, recolocou a mineração do fundo do mar no radar de governos e empresas. A promessa é atender à demanda sem depender tanto de minas terrestres, hoje pressionadas por custos e licenciamento.
Nos Estados Unidos, uma ordem executiva de 24 de abril de 2025 orientou a acelerar procedimentos domésticos para exploração e recuperação comercial sob a lei DSHMRA, movimento seguido por uma proposta de regra publicada em 7 de julho e por audiências públicas marcadas para setembro.
Ao mesmo tempo, a Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos (ISA) concluiu em julho sua 30ª sessão com “decisões históricas”, mas sem um código final para a fase de exploração comercial, o chamado Mining Code. O cenário regulatório segue em construção.
-
Brasil entra no “encanamento” financeiro da China e CIPS pode driblar sanções e baratear exportações
-
BYD dá lucro? Ranking revela se Renault, Toyota, Fiat, Volkswagen e outras estão entre as montadoras mais rentáveis do Brasil
-
Venda de reserva de níquel no Brasil para a China gera crise diplomática: setor privado dos EUA pede intervenção de Trump e pressiona governo em disputa global
-
Rede japonesa com mais de 50 anos prepara ofensiva no Brasil: inauguração de megaloja de 400 metros quadrados para disputar clientes no varejo popular e desafiar o domínio da Havan
No campo ambiental, estudos recentes indicam impactos duradouros em ecossistemas de grande profundidade, alimentando pedidos de moratória por dezenas de países, empresas e cientistas. A disputa é, ao mesmo tempo, econômica, jurídica e ecológica.
EUA aceleram licenças para mineração no fundo do mar, o que foi assinado e qual o efeito prático para o mercado
A ordem executiva “Unleashing America’s Offshore Critical Minerals and Resources” estabelece diretrizes para liderança dos EUA na exploração mineral oceânica e para uma revisão regulatória doméstica. A NOAA, agência oceânica americana, abriu consulta formal sobre revisões nas regras de licenças e permits de recuperação comercial.
O pacote inclui audiências públicas em 3 e 4 de setembro de 2025, um passo-chave para definir como o país aplicará a DSHMRA a projetos em águas internacionais, tema sensível porque os EUA não ratificaram a Convenção da ONU sobre o Direito do Mar.
No setor privado, a The Metals Company (TMC) comunicou que prioriza o caminho regulatório americano, com submissões de licenças de exploração e pedidos de recuperação comercial pela sua afiliada nos EUA; a companhia reportou que a NOAA considerou completas as aplicações de exploração.
Clarion-Clipperton Zone (CCZ), o “filé” dos nódulos polimetálicos e por que ele importa
A CCZ é uma vasta planície abissal no Pacífico, entre Havaí e México, conhecida pela abundância de nódulos polimetálicos, concreções que concentram manganês, níquel, cobalto e cobre. Seu potencial para a cadeia de baterias de veículos elétricos explica o interesse geopolítico.
A ISA já emitiu diversos contratos de exploração na área, mas a transição para a fase de exploração comercial depende do Mining Code. Até aqui, o processo avança em etapas, com decisões parciais e sem consenso definitivo.
A disputa sobre “quem regula o quê” se intensifica, enquanto a ISA coordena contratos e normas multilaterais, Washington sinaliza que há um caminho doméstico para empresas americanas sob a DSHMRA, um arranjo que pode gerar atritos legais e diplomáticos.
Como a tecnologia opera, coletor no leito, riser de 4 km e navio-plataforma
O conceito técnico mais adotado envolve três blocos, um veículo coletor que rasteja no leito, um tubo vertical (riser) com até ~4 km para elevar a polpa à superfície e um navio-plataforma que separa nódulos de sedimentos e devolve a água tratada ao mar.
Testes em escala piloto já ocorreram: em 2022, um programa no Pacífico elevou mais de 3 mil toneladas de nódulos, fornecendo dados sobre desempenho mecânico e comportamento das plumas de sedimento. Esses ensaios ajudam a calibrar modelos e práticas de monitoramento ambiental.
Universidades como o MIT desenvolveram estudos de campo e modelagem para entender a pluma que se forma no meio da coluna d’água e no rastro do coletor, um dos principais vetores de impacto potencial em organismos filtradores e no ciclo do carbono.
Impactos ambientais da mineração no fundo do mar: o que a ciência já sabe (e o que ainda falta medir)
Evidências recentes apontam que as marcas físicas e mudanças ecológicas em áreas perturbadas podem persistir por décadas. Em 2025, um estudo na Nature reportou alterações duradouras na comunidade bentônica, mesmo com sinais parciais de recolonização, corroborando achados de centros europeus.
O ruído subaquático somado à operação contínua de navios e bombas pode afetar mamíferos marinhos a longas distâncias; pesquisas e modelagens vêm destacando o risco para baleias e golfinhos, pressionando por limites operacionais e zonas de exclusão acústica.
Outra frente sensível é a pluma de sedimentos, tanto a levantada no fundo quanto a devolvida na coluna d’água. A extensão, a granulometria e a persistência dessa pluma influenciam impactos em organismos filtradores e podem alterar funções ecossistêmicas pouco compreendidas.
Governança e economia: moratória cresce, cadeias de suprimento na balança
Sem um Mining Code definitivo, países e empresas operam entre incentivos econômicos e incertezas regulatórias. Em julho, a ISA celebrou avanços institucionais, mas o texto final das regras comerciais ainda não foi fechado.
A pressão por pausa, moratória ou banimento ganhou tração: ao menos 38 países já manifestaram apoio a alguma dessas medidas, enquanto empresas e investidores pedem critérios robustos de ciência, transparência e responsabilidade.
Do lado pró-mineração, o argumento central é segurança de suprimento e diversificação longe de cadeias concentradas em poucos países. O contra-argumento ressalta riscos reputacionais, incertezas de custo e potenciais passivos ambientais que podem inviabilizar projetos no médio prazo.
O que observar nos próximos meses (e por que isso importa para o Brasil)
Nos EUA, o calendário regulatório da NOAA — com audiências e análise de contribuições — dirá a velocidade real do caminho doméstico. Qualquer aprovação de permits comerciais será um marco com repercussões para a governança global.
Na ISA, espera-se continuidade das negociações sobre regras ambientais, monitoramento e responsabilidade. Cada avanço normativo pode redefinir custos, prazos e exigências de mitigação.
Para o Brasil, a pauta cruza diplomacia oceânica, ciência e pesca em alto-mar. O país tem interesse direto em cadeias de níquel e cobre, mas também na conservação de estoques e serviços ecossistêmicos marinhos — uma discussão que tende a crescer em 2025/26 com novos dados científicos e decisões multilaterais.