Financiamentos do BNDES para obras em Cuba somam bilhões e envolvem porto estratégico e rodovias, mas parte do valor segue sem pagamento, gerando inadimplência e atenção de órgãos de controle.
O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) financiou cerca de R$ 3,3 bilhões em obras de infraestrutura em Cuba, incluindo um porto e trechos de rodovias.
Parte desses valores continua sem quitação, com inadimplência acumulada de aproximadamente US$ 297 milhões até março de 2024, conforme checagem feita nesta sexta-feira (15) pela equipe do CPG no site do BNDS.
Os contratos foram estruturados no âmbito do programa de exportação de bens e serviços de engenharia do Brasil para o exterior, ativo desde 1998.
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Ao contrário da percepção corrente de que o dinheiro “saiu do país”, os desembolsos ocorreram exclusivamente em reais, no Brasil, e foram pagos às empresas brasileiras que executaram as exportações de bens e serviços.
O devedor é o país importador — no caso, Cuba —, responsável por reembolsar o financiamento com juros, em dólar ou euro, conforme previsto contratualmente.
O crédito cobre somente itens de origem brasileira usados nas obras, não incluindo compra de bens no exterior nem pagamento de mão de obra local.
Como as operações foram definidas
A seleção das operações de exportação, a escolha dos países e as principais condições contratuais — como valor, prazo, equalização de juros, seguros e mitigadores de risco soberano — foram estabelecidas pela administração direta do Governo Federal.
Com essas diretrizes, cada pedido chegava ao BNDES para enquadramento e análise técnica antes da liberação do crédito.
No conjunto do programa, foram realizadas 148 operações, com prazo médio de 11 anos e 2 meses para amortização.
Participação de Cuba no total desembolsado
Entre 1998 e 2017, o programa de exportação de serviços de engenharia desembolsou cerca de US$ 10,5 bilhões para projetos em 15 países.
Desse montante, 89% se concentraram em seis destinos: Angola (US$ 3,2 bilhões), Argentina (US$ 2 bilhões), Venezuela (US$ 1,5 bilhão), República Dominicana (US$ 1,2 bilhão), Equador (US$ 0,7 bilhão) e Cuba (US$ 0,65 bilhão).
A maior parte dos desembolsos ocorreu entre 2007 e 2015, período que respondeu por 88% do total.
Até setembro de 2022, somados principal e juros, retornaram aos cofres públicos US$ 12,8 bilhões, relativos a contratos com diferentes países.
Ainda assim, persistem atrasos relevantes, sobretudo em três mercados, entre eles Cuba.
Pagamentos em aberto e risco soberano
Cuba figura no grupo de países com inadimplência perante o programa.
Os valores vencidos e não pagos alcançaram US$ 297 milhões até março de 2024.
No agregado das nações com atraso — Venezuela, Moçambique e Cuba —, o montante inadimplente somou US$ 1,2 bilhão, com outros US$ 431 milhões ainda por vencer.
Esses números ilustram a exposição do programa ao risco soberano, mitigado por garantias e instrumentos definidos nos contratos.
O que foi financiado em Cuba
Os recursos apoiaram empreendimentos de infraestrutura logística na ilha, com foco em um porto e rodovias.
O objetivo declarado desse tipo de financiamento é promover a exportação de bens e serviços de engenharia produzidos no Brasil, criando demanda para a cadeia doméstica.
Nas operações, o BNDES libera pagamentos conforme a comprovação das exportações, etapa a etapa da obra.
Em caso de atraso de pagamento por parte do importador soberano, aplicam-se as cláusulas de proteção previstas contratualmente.
Concentração em grandes empreiteiras
As exportações de serviços de engenharia apoiadas pelo programa tiveram forte concentração em grandes construtoras brasileiras.
Cinco empresas responderam por 98% do volume financiado: Odebrecht (76%), Andrade Gutierrez (14%), Queiroz Galvão (4%), Camargo Corrêa (2%) e OAS (2%).
Os pedidos de apoio eram apresentados ao BNDES após a celebração dos contratos comerciais entre as empresas e os contratantes estrangeiros e depois da aprovação do governo.
À época, não havia vedação legal específica à contratação dessas companhias no âmbito do programa.
Regras de compliance e retenção de recursos
Com o surgimento de controvérsias envolvendo exportadoras de engenharia, o BNDES acordou com o Ministério Público Federal, em 2016, a exigência de Termo de Compliance com regras de governança mais rígidas como condição para novos desembolsos.
A partir dessa medida, o banco reteve cerca de US$ 11 bilhões que ainda seriam liberados em 47 operações ativas, enquanto as empresas se adequavam às exigências e as autoridades analisavam os contratos.
As operações envolvendo Cuba seguiram o mesmo padrão de revisão aplicado ao conjunto do programa.
Transparência contratual e acesso a informações
A política de transparência passou por mudanças importantes.
Em 2012, o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior classificou os contratos de financiamento à exportação de bens e serviços de engenharia para Cuba e Angola como “secretos”, por conterem informações consideradas estratégicas.
A classificação foi revogada em 2015, e os extratos dos contratos — com valor, taxa de juros, prazo e garantias — passaram a ser divulgados.
Atualmente, segundo o banco, os instrumentos contratuais estão disponíveis na íntegra para consulta pública.
Situação atual e próximos passos
No momento, as operações de exportação de serviços de engenharia permanecem sob análise de órgãos de controle e de instâncias legislativas, entre eles TCU, CGU e CPIs no Congresso.
O BNDES indica a intenção de retomar a política de apoio a exportações de serviços, mas com regras atualizadas, reforçando compliance e avaliação de risco soberano.
Enquanto isso, os pagamentos em aberto de Cuba seguem como ponto de atenção para a gestão de crédito, com a expectativa de que os fluxos contratuais sejam regularizados conforme as condições pactuadas.
Com os valores ainda vencidos e as revisões regulatórias em curso, você concorda que o Brasil continue financiando obras em outros países como Cuba ou acredita que o risco de calote é alto demais para justificar esse investimento?