Criado pela imigrante chinesa Chu Ming Silveira, o orelhão chegou a 1 milhão de unidades e revolucionou a telefonia no Brasil.
Antes dos celulares, aplicativos e mensagens instantâneas, o Brasil inteiro dependia de um único símbolo urbano para se comunicar: o orelhão. Colorido, resistente e inconfundível, ele se espalhou por todas as cidades do país, do interior às metrópoles, tornando-se um marco na paisagem brasileira e um símbolo da democratização da telefonia. Mas o que poucos sabem é que essa invenção tão brasileira em sua aparência e propósito nasceu da mente de uma imigrante chinesa, Chu Ming Silveira, uma engenheira visionária que transformou um desafio técnico em um dos maiores sucessos de design público da história nacional.
A engenheira que mudou o cotidiano dos brasileiros
Chu Ming Silveira nasceu em 1941, em Xangai, na China, e chegou ao Brasil ainda criança, fugindo da instabilidade do pós-guerra asiático.
Formou-se em arquitetura e urbanismo pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo, e começou a trabalhar na Companhia Telefônica Brasileira (CTB) na década de 1970, justamente no momento em que o país enfrentava um enorme desafio: expandir a telefonia pública para uma população que ainda não tinha acesso a telefones fixos.
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Naquela época, os poucos telefones públicos existentes eram instalados em cabines fechadas, parecidas com as usadas em Londres e Nova York, mas que não se adaptavam bem ao clima e ao vandalismo brasileiro. Chu Ming recebeu uma missão direta da empresa: criar uma solução resistente, prática e que pudesse ser instalada em massa em locais públicos.
Foi aí que nasceu a ideia do “orelhão”.
A invenção do orelhão e o nascimento de um ícone urbano
O projeto começou em 1971, quando Chu Ming apresentou o primeiro protótipo de um telefone público com carcaça de fibra de vidro, em formato ovalado. O design não era apenas estético, cada detalhe foi pensado com precisão técnica.
A forma oval tinha o propósito de ampliar a voz do usuário, funcionando como uma câmara acústica natural que reduzia ruídos externos, ao mesmo tempo em que protegia o aparelho da chuva e do sol. A casca, feita de fibra de vidro reforçada, era leve, durável e de fácil manutenção, o que tornava possível sua produção em larga escala.
O nome “orelhão” surgiu de forma popular: o formato lembrava uma grande orelha virada para o interlocutor.
Após a aprovação do projeto pela CTB, o modelo foi batizado de Chu-II, em homenagem à inventora. Em 1972, começaram as instalações em São Paulo, e o sucesso foi imediato.
De São Paulo para o Brasil inteiro
A invenção rapidamente ultrapassou as fronteiras paulistas. Nos anos seguintes, o orelhão se espalhou por todas as capitais e cidades do interior, tornando-se um marco da expansão das telecomunicações no Brasil durante o regime militar e o período de urbanização acelerada.
Entre as décadas de 1970 e 1990, mais de 1 milhão de orelhões foram instalados em todo o território nacional, segundo dados da antiga Telebrás. Eles estavam em praças, esquinas, rodoviárias, aeroportos e escolas, permitindo que brasileiros de todas as classes sociais pudessem fazer chamadas locais e interurbanas sem precisar de um telefone próprio.
Em seu auge, havia um orelhão para cada 200 habitantes no país — um feito que colocava o Brasil entre as nações mais conectadas do mundo por telefonia pública.
Design funcional, som nítido e símbolo de uma era
O orelhão era mais do que um telefone público: era uma obra de design.
Seu formato elegante e funcional o levou a ser reconhecido como um dos projetos de design industrial mais emblemáticos do século XX no Brasil.
A estrutura refletia o espírito do país: resistente, adaptável e popular. Além de sua função prática, o orelhão se tornou um ponto de encontro e comunicação onde pessoas marcavam horários, trocavam notícias e até esperavam ligações de familiares em momentos importantes.
Nos anos 1980, a peça foi incorporada ao imaginário popular. Estava em novelas, filmes, propagandas e até em canções, sendo retratado como símbolo da vida urbana moderna.
Reconhecimento internacional e legado duradouro
Chu Ming Silveira recebeu reconhecimento póstumo por sua contribuição à engenharia e ao design.
Em 2013, foi homenageada pela Fundação Telefônica Vivo, e em 2014 seu nome foi inscrito no Museu da Comunicação de São Paulo.
Seu trabalho também foi reconhecido pela Associação Brasileira de Design Industrial (ABDI), que classificou o orelhão como uma “peça icônica de design funcional e social”.
O projeto de Chu Ming inspirou versões semelhantes em outros países da América Latina, como Argentina, Chile e Paraguai, onde modelos baseados no orelhão brasileiro foram instalados por empresas associadas à Telebrás.
O declínio do orelhão e o avanço da era digital
Com o avanço dos celulares e da internet móvel, o uso dos orelhões começou a cair rapidamente a partir dos anos 2000. Segundo a Anatel, em 2001 o Brasil ainda contava com 1,3 milhão de orelhões ativos, mas em 2023 esse número caiu para menos de 30 mil unidades em funcionamento.
Muitos foram desativados ou se tornaram peças de decoração urbana.
Alguns municípios, como São Paulo e Belo Horizonte, optaram por reutilizar as carcaças como pontos de Wi-Fi público, mini bibliotecas e obras de arte interativas.
Apesar do declínio, o orelhão continua vivo na memória de milhões de brasileiros que cresceram usando suas fichas e cartões telefônicos.
A engenheira esquecida que o Brasil redescobriu
Por décadas, o nome de Chu Ming Silveira ficou de fora dos livros de história. Somente nos anos 2000, com o aumento das discussões sobre mulheres na ciência e na engenharia, sua trajetória começou a ser resgatada.
Hoje, ela é considerada uma das grandes inventoras da história brasileira, ao lado de nomes como Santos Dumont e Vital Brazil. Em 2021, o Google Brasil homenageou Chu Ming com um Doodle especial, destacando o impacto cultural e social do orelhão.
O orelhão representou mais do que um avanço tecnológico — ele simbolizou a democratização da voz em um país de dimensões continentais. Cada ligação feita sob aquela cúpula ovalada aproximou pessoas, encurtou distâncias e contou histórias.
Hoje, mesmo quase extintos, os orelhões continuam a representar um tempo em que falar com alguém era um ato coletivo e simbólico, e em que uma engenheira chinesa ajudou o Brasil a se ouvir melhor.