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O rio que era o coração desta cidade agora é poeira: população vê o Rio Doce secar, virar esqueleto e espalhar mosquitos, cobras e urubus e símbolo de promessas não cumpridas

Publicado em 05/11/2025 às 15:21
Aimorés, Vale, Rio Doce, Rio
Imagem: Ilustração artística feita por IA
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O desvio do rio Doce para um canal artificial, durante a construção da hidrelétrica de Aimorés, transformou o coração da cidade mineira em um leito seco de pedras, silêncio e promessas não cumpridas

O que antes era a orla viva do rio Doce, em Aimorés (MG), hoje é um lajeado de pedras e areia. Da calçada à beira do antigo curso d’água, os moradores não veem mais o rio. Em vez disso, enxergam apenas uma estreita faixa líquida escorrendo a centenas de metros de distância.

Sobre o leito seco, poças infestadas de mosquitos tomam o lugar do fluxo natural. Cobras e urubus disputam espaço entre restos de lixo e carcaças de animais.

O cenário é de abandono, e os 25 mil habitantes da cidade convivem com o impacto direto da ausência de um rio que, por mais de um século, deu sentido à vida local.

O desvio que mudou o destino da cidade

Os moradores atribuem o colapso ao impacto da hidrelétrica de Aimorés, construída entre 2001 e 2005. A usina, instalada justamente no ponto onde o rio banhava a cidade, desviou o curso natural do Doce para um canal artificial de 11 quilômetros.

O novo percurso passa por trás das montanhas e só retorna ao leito original depois de cruzar toda a orla urbana.

Com isso, Aimorés ficou com o vazio — uma paisagem árida, cercada por promessas não cumpridas e um desenvolvimento que nunca se concretizou.

Foi um abandono total para nós a perda desse rio. Foi o mesmo que arrancar o coração da gente”, lamenta Maria Helena Calvão Casper, de 80 anos, nascida na cidade.

A promessa que virou ficção

O projeto da usina, idealizado pela Vale e pela Cemig, chegou a Aimorés envolto em discursos de progresso.

A promessa era de empregos, compensações ambientais e uma “lâmina d’água” permanente em frente à cidade — um espelho líquido controlado pela liberação regular de água.

O argumento convenceu o Ibama, que concedeu a licença ambiental após a apresentação de uma maquete exibida em um ginásio local.

Segundo o plano, o trecho urbano teria um volume constante de água, sem risco de secar. Na prática, o espelho d’água nunca existiu.

Disseram que isso seria feito em todo o trecho, mostraram a maquete. Depois que fizeram a obra, ela sumiu, e o rio nunca mais voltou ao normal”, relata Marco Aurélio Almeida de Oliveira, dono do Aimorés Palace Hotel.

O rio que desapareceu

O pulso natural do rio Doce deixou de existir. Antes, sua vazão mínima chegava a 343 metros cúbicos por segundo. Agora, o volume cai para menos de 5% disso durante o ano.

Documentos obtidos pela Folha revelam que o Ibama já sabia, desde o início, que o impacto seria severo.

Mesmo assim, considerou “aceitáveis” as condições apresentadas pela empresa, autorizando o funcionamento da hidrelétrica. Na prática, bastava que o rio parecesse existir.

Além disso, relatos e registros apontam para pressões políticas durante o processo de licenciamento. O espelho d’água prometido acabou se mostrando uma ficção ambiental — uma solução técnica nunca executada.

Antes o rio baixava em certas épocas, mas sempre tinha água. Hoje, a gente só vê pedra. Essa promessa de lâmina d’água nunca se cumpriu. A cidade perdeu o rio que tinha”, diz o engenheiro agrônomo e biólogo Jaeder Lopes Vieira, 60, também nascido em Aimorés.

Um plano antigo com consequências modernas

A ideia de desviar o rio Doce é anterior à construção da usina. A concessão para o projeto foi dada à Cemig ainda em 1975, quando nem existiam as leis ambientais que hoje regem o setor.

Assim, o plano executado entre 2001 e 2005 seguiu um modelo antigo, pouco aberto à contestação pública.

Falaram que era preciso desviar o rio para ter uma queda maior de água. Mas para que desviar 11 quilômetros em frente a uma cidade? Isso não faz sentido”, critica Vieira.

Energia para milhões, silêncio para uma cidade

Com potência de 330 megawatts, a hidrelétrica é capaz de abastecer até 1 milhão de pessoas. O número é expressivo, mas o custo ambiental e social é igualmente alto. O que antes era símbolo de progresso se transformou em um lembrete constante de perda.

A concessionária responsável, a Aliança Geração de Energia — formada pela Vale e pelo grupo americano GIP (Global Infrastructure Partners) — afirma cumprir todas as exigências ambientais e manter o monitoramento do Ibama.

No entanto, o órgão ambiental pressiona a empresa para apresentar uma solução definitiva aos danos. Caso contrário, a usina pode perder sua concessão.

A esperança que ainda corre em Aimorés

Apesar do cenário desolador, parte dos moradores de Aimorés ainda acredita que o rio pode renascer. Jaeder Lopes Vieira, que cresceu mergulhando nas águas do Doce, diz que não desistiu.

A gente acredita que isso pode ser revertido, que a água pode voltar. Nunca é tarde. Urge que se faça isso.

Enquanto isso, o leito seco do rio segue como cicatriz aberta no coração da cidade — uma lembrança de que o progresso, quando ignora o equilíbrio natural, pode custar caro demais.

Com informações de Folha de São Paulo.

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Romário Pereira de Carvalho

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