Brasil amplia acesso a equipamentos militares dos EUA enquanto observa com cautela riscos de sanções que podem impactar projetos estratégicos e a Base Industrial de Defesa. Programa bilionário envolve armamentos, treinamento e suporte técnico.
O Brasil vem ampliando capacidades militares por meio do Foreign Military Sales (FMS), principal mecanismo dos Estados Unidos para transferir equipamentos e serviços de defesa a países parceiros.
Em 2023, o programa movimentou US$ 80,9 bilhões, recorde histórico, e inclui desde a venda de sistemas de ponta até treinamento, manutenção e apoio logístico.
Ao mesmo tempo, segundo matéria publicada pela CNN Brasil, oficiais brasileiros acompanham com apreensão sinais de tensão política entre Brasília e Washington, receosos de que eventuais sanções possam limitar o acesso a esse canal e afetar projetos estratégicos.
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Como funciona o programa FMS
Criado sob a legislação de exportação de armamentos dos EUA, o FMS permite que governos comprem, com intermediação oficial, equipamentos novos ou usados, além de pacotes de suporte como documentação técnica, peças, treinamento de pessoal e logística de ciclo de vida.
A lógica é a do “total package”: não só o bem, mas a capacidade de operá-lo com segurança e disponibilidade.
Também há caminhos para aquisição de material excedente do governo norte-americano, em condições financeiras mais competitivas que as do mercado aberto.
Na prática, o processo começa com um pedido formal do país parceiro e avança para uma Carta de Oferta e Aceitação.
Só depois disso são fechados valores e cronogramas, e iniciam-se entregas, treinamentos e suporte.
O objetivo declarado é fortalecer a interoperabilidade com aliados e, por consequência, a segurança regional.
Principais ganhos para o Brasil
Nos últimos anos, a participação brasileira no FMS resultou na modernização de meios, incorporação de novas capacidades e capacitação de pessoal.
Em maio de 2024, o Departamento de Estado aprovou a possível venda de 12 helicópteros UH-60M Black Hawk com motores, peças, treinamento e suporte logístico, reforçando o vetor de asas rotativas do país.
O pacote estimado inclui, além das aeronaves, itens para manutenção e a integração de doutrina e procedimentos de operação.
Outra frente relevante é a defesa anticarro.
Em 2022, os EUA autorizaram a possível venda ao Brasil de até 222 mísseis FGM-148 Javelin e 33 unidades de lançamento, com simuladores e apoio de treinamento.
Em 2025, o Exército confirmou a autorização para assinatura da LOA referente a um lote de Javelin na versão mais recente, consolidando a aquisição via FMS.
Também houve avanços na artilharia autopropulsada com a atualização de M109A5 para o padrão M109A5+, operação que envolveu peças, assistência técnica, documentação e instrução.
Esses blindados ampliam alcance e precisão de fogo, além de padronizar manutenção e suprimentos.
Para além do material, militares brasileiros têm acesso a treinamento e capacitação em centros dos EUA, o que padroniza procedimentos, melhora a segurança de voo e de tiro e acelera a implantação de novas doutrinas.
Essa formação é parte estruturante do programa e costuma vir acoplada às aquisições.
Risco de sanções preocupa militares
Enquanto os ganhos operacionais são tangíveis, a conjuntura política recente elevou a percepção de risco.
Em julho e agosto de 2025, os EUA anunciaram medidas comerciais e sancionatórias contra autoridades e interesses brasileiros, abrindo uma frente de atrito que incluiu tarifas amplas a produtos do Brasil e sanções a figuras do Judiciário.
O governo brasileiro recorreu à OMC para contestar as tarifas, e a discussão escalou no plano diplomático.
Nesse contexto, fontes militares manifestaram preocupação com a hipótese — ainda não concretizada — de restrições ao acesso brasileiro ao FMS.
Especialistas e oficiais ressaltam que um bloqueio teria impacto direto na manutenção de plataformas que dependem de peças, software e serviços de origem norte-americana, com efeito cascata sobre disponibilidade de aeronaves e viaturas.
Segundo Marcos Degaut, doutor em Segurança Internacional e ex-secretário de Produtos de Defesa, o FMS é “absolutamente crucial” para a modernização e a capacidade de dissuasão do Brasil, por conjugar aquisição de equipamentos e acesso a tecnologia e treinamento.
O especialista também ressalta que a qualificação de pessoal eleva o padrão das tropas e, por tabela, a segurança regional.
Impactos na indústria e projetos estratégicos
Eventuais sanções que limitem compras, assistência técnica ou reexportações de insumos dos EUA podem pressionar a Base Industrial de Defesa (BID) no Brasil.
Programas em andamento — de blindados a sistemas de mísseis e plataformas de asas rotativas — incorporam componentes, software e know-how norte-americanos.
Em situações de restrição, a indústria teria de buscar substituições, reengenharia ou novos fornecedores, o que encarece e retarda cronogramas.
A experiência internacional mostra que mudanças na cadeia de valor de defesa demandam homologações, novos testes e atualizações doutrinárias, processos normalmente longos e custosos.
Ainda que não haja, até aqui, sinal inequívoco de exclusão do Brasil do FMS, o ambiente é visto como volátil.
De um lado, a necessidade dos EUA de preservar a interoperabilidade com parceiros relevantes no hemisfério.
De outro, a disputa política e jurídica mais ampla, que inclui tarifas e sanções específicas.
Nesse jogo, a avaliação corrente em setores fardados é que a continuidade de casos já em curso e de contratos de suporte é determinante para manter níveis de prontidão e evitar o canibalismo de frota.
Segurança regional e interoperabilidade
Além de modernizar inventário, o FMS aproxima procedimentos, táticas e manutenção do padrão usado por aliados, o que facilita exercícios combinados, missões de paz e operações de apoio humanitário.
Com aeronaves, mísseis e obuseiros em linha com o que é operado por forças ocidentais, fica mais simples integrar cadeias de suprimento, trocar lições aprendidas e acelerar reparos.
Para um país de dimensões continentais, essa convergência técnica se traduz em tempo de resposta menor em emergências, vigilância mais eficiente de fronteiras e maior capacidade de dissuasão.
Enquanto isso, a pauta diária não se resume a comprar material.
O valor está, também, na assistência de ciclo de vida — desde cursos iniciais até atualização de software e reposição de componentes críticos.
É essa engrenagem que sustenta a disponibilidade de aeronaves, blindados e sistemas de comunicações, reduzindo a dependência de soluções improvisadas e aumentando a previsibilidade orçamentária.
Em um cenário de incerteza política, preservar essa continuidade virou prioridade operacional.
Diante dos benefícios e dos riscos, qual deve ser a estratégia do Brasil para blindar o acesso ao FMS sem abrir mão de autonomia e previsibilidade nas suas capacidades de defesa?