Segurança, status e segregação: como os condomínios horizontais se multiplicam no Brasil e já mudam a forma de viver nas cidades
Curitiba chama atenção pelos inúmeros condomínios de casas que se espalham por seus bairros. Mas o fenômeno não é exclusivo da capital paranaense.
Em São Paulo, regiões como Morumbi, Jardim Guedala e Alto de Pinheiros foram transformadas pela presença dos chamados condomínios horizontais.
Já no litoral gaúcho, uma pequena cidade se tornou conhecida como a capital desse modelo habitacional, com mais de 40% de seu território dominado por empreendimentos murados.
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O crescimento suscita questionamentos. Por que tantas famílias optam por viver em condomínios? Quais os impactos sociais dessa escolha?
E de que maneira essa tendência pode se tornar problema para a sociedade, ao mesmo tempo em que representa solução para os cofres das prefeituras?
As origens: Alphaville e o modelo importado
Nos anos 1970, o cenário urbano brasileiro era dominado por apartamentos e casas tradicionais. Foi nesse período que surgiu uma nova alternativa: os condomínios fechados. Inspirado nos subúrbios norte-americanos, Alphaville, em São Paulo, se tornou símbolo de status. Ruas arborizadas, segurança reforçada e áreas de lazer diferenciavam o projeto de tudo o que havia até então.
O apelo central era a segurança. Tanto em prédios quanto em condomínios horizontais, a presença de portaria 24 horas, câmeras de vigilância e portões eletrônicos oferecia sensação de proteção. No entanto, nos empreendimentos horizontais o discurso ultrapassava a simples proteção.
Segurança, status e marketing imobiliário
Em 2003, a pesquisadora Denise Mônaco dos Santos analisou como o marketing imobiliário trabalhava a ideia de segurança.
O estudo concluiu que esse não era o único atrativo. Mudanças sociais, transformações econômicas e novas formas de organização urbana também contribuíam para a expansão desse modelo.
Os anúncios vendiam um “pacote” de benefícios: exclusividade, contato com a natureza e um novo estilo de vida. Imagens publicitárias exibiam famílias pedalando em ruas arborizadas, com slogans como “São Paulo é mais verde aqui”. A promessa de liberdade contrastava com a realidade de muros altos, cercas elétricas e monitoramento constante.
Essas campanhas não apenas refletiam desejos da população, mas moldavam expectativas. Ao longo dos anos 2000, os condomínios se consolidaram como padrão urbano, marcando a fragmentação das cidades e associando muros à ideia de prestígio.
A virada do século: violência, caos urbano e pandemia
Com o avanço dos anos 2000, a violência urbana cresceu, as metrópoles se adensaram e os prédios se multiplicaram.
Em contrapartida, a infraestrutura pública não acompanhou o mesmo ritmo. O estudo de Denise, embora publicado em 2003, continuou atual: os condomínios horizontais não são apenas resposta ao medo, mas também resultado de um discurso de status e estilo de vida.
Novos fatores reforçaram esse movimento. A popularização do home office e os impactos da pandemia impulsionaram a busca por espaço, lazer e conforto. Em Curitiba, dados de 2015 já apontavam: em três anos, a oferta de condomínios horizontais quadruplicou.
Em Novo Hamburgo, mesmo distante dos grandes centros, novos empreendimentos surgem com frequência. No litoral norte gaúcho, Xangri-lá contabiliza hoje 43 condomínios fechados, com previsão de outros 19 até 2026.
Estrutura interna e atração para famílias
O diferencial dos horizontais está na combinação de segurança com infraestrutura de lazer. Piscinas, academias, quadras, campos de futebol, trilhas, coworkings e áreas verdes fazem parte do pacote. O formato reforça a ideia de comunidade e atrai famílias que desejam tranquilidade.
A pesquisa DataZAP revelou que 46% das pessoas consideram morar em bairros planejados. Os condomínios horizontais atendem a esse desejo ao oferecer uma espécie de bairro privado, controlado e organizado.
Além da qualidade de vida, muitos veem no modelo uma oportunidade de investimento. Em cidades médias como Indaiatuba, Uberaba e Eusébio, a valorização imobiliária tornou esses empreendimentos ainda mais atrativos.
Casa x apartamento: uma disputa de estilos de vida
Para muitos moradores, a casa em condomínio horizontal representa liberdade em comparação ao apartamento. Sem vizinhos acima ou abaixo, com quintal próprio e menos regras coletivas, a rotina se torna mais leve.
Entretanto, essa liberdade tem limites. Os muros que protegem também isolam. A convivência dentro do condomínio tende a ser restrita a pessoas de perfil econômico semelhante.
Crianças crescem em ambientes homogêneos, sem contato com a diversidade social típica das cidades. Assim, a urbanização se fragmenta: de um lado, espaços privados seguros; de outro, áreas públicas marcadas pelo caos e pela insegurança.
Xangri-lá: a capital dos muros
Xangri-lá, no litoral gaúcho, ilustra esse processo. Imagens aéreas de 2006 mostram poucos empreendimentos. Em 2025, a paisagem é dominada por lagos artificiais e áreas muradas.
O rápido crescimento trouxe consequências. Registros de extravasamento em estações de tratamento de esgoto chegaram a suspender novas obras.
Ao longo da Estrada do Mar, os muros formam um corredor contínuo, alterando a paisagem e simbolizando a segregação socioespacial.
Na orla, a presença de estruturas privadas também gerou polêmica. Barracas e guarda-sóis montados por condomínios bloqueavam espaços de uso comum. Em resposta, o decreto 8/2024 limitou a instalação de equipamentos desocupados nas praias.
O peso da arrecadação para as prefeituras
Apesar das críticas, os condomínios são vistos como solução pelas administrações municipais. O prefeito de Xangri-lá resume a lógica: o município coleta lixo no portão, não gasta com iluminação ou manutenção interna, mas arrecada IPTU normalmente.
Os números confirmam: 46,5% da arrecadação do município vêm dos condomínios, que ocupam 41,8% do território. Para o poder público, trata-se de uma equação vantajosa: alta arrecadação e baixo custo de manutenção.
Já em prédios verticais tradicionais, a conta é diferente. Cada apartamento paga IPTU, mas a prefeitura precisa investir em ruas, calçadas, iluminação, segurança, poda de árvores, limpeza urbana e atendimento de emergência. Tudo isso gera despesas contínuas.
Nos horizontais, a lógica se inverte. Cada condomínio funciona como uma mini cidade, com segurança, iluminação, áreas verdes e até saneamento bancados pelos próprios moradores.
O paradoxo da dupla cobrança
Na prática, os moradores pagam duas vezes. Arcam com a infraestrutura interna, que funciona bem, e continuam pagando pelos serviços públicos que recebem de forma limitada. Para as prefeituras, é o cenário perfeito: arrecadam como se prestassem todos os serviços, mas gastam apenas até o portão.
Se a tendência de expansão continuar, grande parte da arrecadação municipal virá de áreas privadas pouco atendidas pelo poder público. A questão que se coloca é se essa lógica trará benefícios ao restante da população ou apenas reforçará desigualdades.
Entre solução e problema
Os condomínios horizontais se consolidaram como resposta ao desejo de segurança, lazer e conforto. Mas ao mesmo tempo escancaram dilemas urbanos: a fragmentação das cidades, a segregação socioeconômica e a redução do espaço público como local de convivência.
Enquanto moradores buscam qualidade de vida atrás dos muros, prefeituras encontram uma forma de arrecadar mais gastando menos. No entanto, o risco é que as cidades se tornem territórios duplos: um privado e protegido, outro público e precário.
O futuro urbano brasileiro pode depender da forma como a sociedade encara essa expansão. O que hoje parece solução imediata para famílias e governos pode, amanhã, se revelar um problema coletivo de difícil reversão.