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O país dos condomínios: por que morar atrás de muros virou febre no Brasil e já transforma cidades inteiras em fortalezas privadas

Escrito por Fabio Lucas Carvalho
Publicado em 01/10/2025 às 15:27
Condomínios horizontais Condomínios horizontais crescem em todo o Brasil, atraindo famílias pela segurança e lazer, mas levantando debates
Condomínios horizontais crescem em todo o Brasil, atraindo famílias pela segurança e lazer, mas levantando debates
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Segurança, status e segregação: como os condomínios horizontais se multiplicam no Brasil e já mudam a forma de viver nas cidades

Curitiba chama atenção pelos inúmeros condomínios de casas que se espalham por seus bairros. Mas o fenômeno não é exclusivo da capital paranaense.

Em São Paulo, regiões como Morumbi, Jardim Guedala e Alto de Pinheiros foram transformadas pela presença dos chamados condomínios horizontais.

Já no litoral gaúcho, uma pequena cidade se tornou conhecida como a capital desse modelo habitacional, com mais de 40% de seu território dominado por empreendimentos murados.

O crescimento suscita questionamentos. Por que tantas famílias optam por viver em condomínios? Quais os impactos sociais dessa escolha?

E de que maneira essa tendência pode se tornar problema para a sociedade, ao mesmo tempo em que representa solução para os cofres das prefeituras?

As origens: Alphaville e o modelo importado

Nos anos 1970, o cenário urbano brasileiro era dominado por apartamentos e casas tradicionais. Foi nesse período que surgiu uma nova alternativa: os condomínios fechados. Inspirado nos subúrbios norte-americanos, Alphaville, em São Paulo, se tornou símbolo de status. Ruas arborizadas, segurança reforçada e áreas de lazer diferenciavam o projeto de tudo o que havia até então.

O apelo central era a segurança. Tanto em prédios quanto em condomínios horizontais, a presença de portaria 24 horas, câmeras de vigilância e portões eletrônicos oferecia sensação de proteção. No entanto, nos empreendimentos horizontais o discurso ultrapassava a simples proteção.

Segurança, status e marketing imobiliário

Em 2003, a pesquisadora Denise Mônaco dos Santos analisou como o marketing imobiliário trabalhava a ideia de segurança.

O estudo concluiu que esse não era o único atrativo. Mudanças sociais, transformações econômicas e novas formas de organização urbana também contribuíam para a expansão desse modelo.

Os anúncios vendiam um “pacote” de benefícios: exclusividade, contato com a natureza e um novo estilo de vida. Imagens publicitárias exibiam famílias pedalando em ruas arborizadas, com slogans como “São Paulo é mais verde aqui”. A promessa de liberdade contrastava com a realidade de muros altos, cercas elétricas e monitoramento constante.

Essas campanhas não apenas refletiam desejos da população, mas moldavam expectativas. Ao longo dos anos 2000, os condomínios se consolidaram como padrão urbano, marcando a fragmentação das cidades e associando muros à ideia de prestígio.

A virada do século: violência, caos urbano e pandemia

Com o avanço dos anos 2000, a violência urbana cresceu, as metrópoles se adensaram e os prédios se multiplicaram.

Em contrapartida, a infraestrutura pública não acompanhou o mesmo ritmo. O estudo de Denise, embora publicado em 2003, continuou atual: os condomínios horizontais não são apenas resposta ao medo, mas também resultado de um discurso de status e estilo de vida.

Novos fatores reforçaram esse movimento. A popularização do home office e os impactos da pandemia impulsionaram a busca por espaço, lazer e conforto. Em Curitiba, dados de 2015 já apontavam: em três anos, a oferta de condomínios horizontais quadruplicou.

Em Novo Hamburgo, mesmo distante dos grandes centros, novos empreendimentos surgem com frequência. No litoral norte gaúcho, Xangri-lá contabiliza hoje 43 condomínios fechados, com previsão de outros 19 até 2026.

Estrutura interna e atração para famílias

O diferencial dos horizontais está na combinação de segurança com infraestrutura de lazer. Piscinas, academias, quadras, campos de futebol, trilhas, coworkings e áreas verdes fazem parte do pacote. O formato reforça a ideia de comunidade e atrai famílias que desejam tranquilidade.

A pesquisa DataZAP revelou que 46% das pessoas consideram morar em bairros planejados. Os condomínios horizontais atendem a esse desejo ao oferecer uma espécie de bairro privado, controlado e organizado.

Além da qualidade de vida, muitos veem no modelo uma oportunidade de investimento. Em cidades médias como Indaiatuba, Uberaba e Eusébio, a valorização imobiliária tornou esses empreendimentos ainda mais atrativos.

Casa x apartamento: uma disputa de estilos de vida

Para muitos moradores, a casa em condomínio horizontal representa liberdade em comparação ao apartamento. Sem vizinhos acima ou abaixo, com quintal próprio e menos regras coletivas, a rotina se torna mais leve.

Entretanto, essa liberdade tem limites. Os muros que protegem também isolam. A convivência dentro do condomínio tende a ser restrita a pessoas de perfil econômico semelhante.

Crianças crescem em ambientes homogêneos, sem contato com a diversidade social típica das cidades. Assim, a urbanização se fragmenta: de um lado, espaços privados seguros; de outro, áreas públicas marcadas pelo caos e pela insegurança.

Xangri-lá: a capital dos muros

Xangri-lá, no litoral gaúcho, ilustra esse processo. Imagens aéreas de 2006 mostram poucos empreendimentos. Em 2025, a paisagem é dominada por lagos artificiais e áreas muradas.

O rápido crescimento trouxe consequências. Registros de extravasamento em estações de tratamento de esgoto chegaram a suspender novas obras.

Ao longo da Estrada do Mar, os muros formam um corredor contínuo, alterando a paisagem e simbolizando a segregação socioespacial.

Na orla, a presença de estruturas privadas também gerou polêmica. Barracas e guarda-sóis montados por condomínios bloqueavam espaços de uso comum. Em resposta, o decreto 8/2024 limitou a instalação de equipamentos desocupados nas praias.

O peso da arrecadação para as prefeituras

Apesar das críticas, os condomínios são vistos como solução pelas administrações municipais. O prefeito de Xangri-lá resume a lógica: o município coleta lixo no portão, não gasta com iluminação ou manutenção interna, mas arrecada IPTU normalmente.

Os números confirmam: 46,5% da arrecadação do município vêm dos condomínios, que ocupam 41,8% do território. Para o poder público, trata-se de uma equação vantajosa: alta arrecadação e baixo custo de manutenção.

Já em prédios verticais tradicionais, a conta é diferente. Cada apartamento paga IPTU, mas a prefeitura precisa investir em ruas, calçadas, iluminação, segurança, poda de árvores, limpeza urbana e atendimento de emergência. Tudo isso gera despesas contínuas.

Nos horizontais, a lógica se inverte. Cada condomínio funciona como uma mini cidade, com segurança, iluminação, áreas verdes e até saneamento bancados pelos próprios moradores.

O paradoxo da dupla cobrança

Na prática, os moradores pagam duas vezes. Arcam com a infraestrutura interna, que funciona bem, e continuam pagando pelos serviços públicos que recebem de forma limitada. Para as prefeituras, é o cenário perfeito: arrecadam como se prestassem todos os serviços, mas gastam apenas até o portão.

Se a tendência de expansão continuar, grande parte da arrecadação municipal virá de áreas privadas pouco atendidas pelo poder público. A questão que se coloca é se essa lógica trará benefícios ao restante da população ou apenas reforçará desigualdades.

Entre solução e problema

Os condomínios horizontais se consolidaram como resposta ao desejo de segurança, lazer e conforto. Mas ao mesmo tempo escancaram dilemas urbanos: a fragmentação das cidades, a segregação socioeconômica e a redução do espaço público como local de convivência.

Enquanto moradores buscam qualidade de vida atrás dos muros, prefeituras encontram uma forma de arrecadar mais gastando menos. No entanto, o risco é que as cidades se tornem territórios duplos: um privado e protegido, outro público e precário.

O futuro urbano brasileiro pode depender da forma como a sociedade encara essa expansão. O que hoje parece solução imediata para famílias e governos pode, amanhã, se revelar um problema coletivo de difícil reversão.

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Fabio Lucas Carvalho

Jornalista especializado em uma ampla variedade de temas, como carros, tecnologia, política, indústria naval, geopolítica, energia renovável e economia. Atuo desde 2015 com publicações de destaque em grandes portais de notícias. Minha formação em Gestão em Tecnologia da Informação pela Faculdade de Petrolina (Facape) agrega uma perspectiva técnica única às minhas análises e reportagens. Com mais de 10 mil artigos publicados em veículos de renome, busco sempre trazer informações detalhadas e percepções relevantes para o leitor.

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