Mesmo após o avanço das transferências instantâneas, o cheque no Brasil ainda resiste: foram mais de 130 milhões de unidades compensadas em 2024, somando bilhões de reais movimentados. Mas o que mantém vivo esse meio de pagamento em plena era digital?
O cheque no Brasil parecia condenado à extinção com o surgimento do Pix, dos cartões por aproximação e das carteiras digitais. No entanto, os números mostram outra realidade: 137 milhões de cheques foram compensados em 2024, movimentando bilhões de reais. O dado revela que, mesmo em meio à digitalização financeira, esse pedaço de papel ainda tem relevância para parte do sistema bancário e empresarial.
O fenômeno intriga economistas e analistas: por que um meio considerado obsoleto ainda movimenta valores tão altos? Há explicações práticas como o uso para parcelamentos sem juros, mas também razões culturais, estruturais e até zonas cinzentas que ajudam a entender por que o cheque continua existindo no país.
O auge dos cheques: status, confiança e burocracia
Nos anos 1990, o cheque era sinônimo de credibilidade. Ter um talão significava bom relacionamento bancário e respeitabilidade financeira. Em 1995, o país compensou 3,3 bilhões de cheques, movimentando mais de R$ 2 trilhões um reflexo da economia pré-cartão e pré-internet.
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O cheque pré-datado funcionava como o “cartão de crédito popular”: era possível parcelar compras sem juros, apenas combinando as datas de compensação.
Para o consumidor, era uma forma acessível de adquirir bens de maior valor; para o comerciante, garantia de venda. Mas o sistema também criou um risco permanente: o cheque sem fundo, que gerou prejuízos e desconfiança.
Ainda assim, variantes como o cheque visado e o cruzado tentaram equilibrar segurança e praticidade, consolidando o documento como pilar do comércio brasileiro.
A queda e o renascimento parcial do cheque
Com o avanço da tecnologia bancária, os cheques foram substituídos por cartões e transferências eletrônicas. A partir de 2010, a curva de uso despencou, e o Pix consolidou o golpe final ao tornar as transações instantâneas e gratuitas.
Mesmo assim, o sistema ainda processa dezenas de milhões de cheques por ano, com valores médios elevados.
A explicação está no perfil dos usuários. Em muitos casos, empresas tradicionais, profissionais liberais e regiões com infraestrutura digital precária ainda utilizam o cheque como meio de crédito informal.
Além disso, o instrumento permite prazos e negociações personalizadas, algo que o sistema digital ainda não substitui totalmente em certas transações comerciais.
Os bastidores da persistência: o lado prático e o lado cinza
Parte da força do cheque no Brasil vem da sua flexibilidade. Ele permite parcelamento sem juros, funciona sem aprovação de crédito formal e reduz tarifas para quem recebe vantagens especialmente valorizadas em negócios de margem apertada.
Em operações de alto valor, o cheque também substitui o transporte de dinheiro físico.
Mas há um outro lado menos visível: a falta de rastreabilidade completa. Um cheque ao portador pode ser descontado por qualquer pessoa, dificultando o rastreamento de origem e destino.
Isso faz do instrumento uma ferramenta ambígua: legítima para quem precisa de flexibilidade, mas também útil em operações que buscam evitar tributos ou controles digitais.
Especialistas apontam que essa zona cinzenta ajuda a explicar por que o cheque resiste mesmo em um ambiente cada vez mais digitalizado.
Entre tradição e desconfiança: a cultura financeira brasileira
O cheque sobrevive também como símbolo de confiança pessoal. Em muitas regiões, a assinatura e a palavra ainda valem mais do que um aplicativo.
Pequenos comércios, produtores rurais e autônomos mantêm o uso por hábito, tradição e desconfiança em relação aos meios eletrônicos.
A lentidão na digitalização de algumas áreas do país reforça essa realidade.
Para o sistema financeiro, contudo, a manutenção do cheque impõe custos e riscos. Fraudes, falsificações e calotes seguem ocorrendo, exigindo monitoramento constante.
Bancos e o Banco Central já reduziram drasticamente a compensação física e apostam em digitalização total mas o fim definitivo do cheque ainda não tem data marcada.
O cheque no Brasil é hoje um sobrevivente de outra era: um artefato de confiança em meio à automatização das finanças.
Ele resiste por utilidade e conveniência, mas também por lacunas estruturais e culturais que o país ainda não superou.
E você? Acredita que o cheque ainda tem função legítima no mercado atual ou que ele já deveria ser extinto de vez? Compartilhe nos comentários seu ponto de vista pode revelar como o Brasil lida com a transição entre o papel e o digital.