O tório e o urânio contidos na monazita brasileira voltaram ao radar das potências nucleares após a guerra na Ucrânia. Entenda como um minério ignorado pode redefinir o papel do Brasil na geopolítica da energia.
Por décadas, ele ficou em segundo plano, enterrado nas areias da costa brasileira, ignorado por boa parte da opinião pública e até por políticas industriais. Mas, com a eclosão da guerra no Leste Europeu e a corrida global por independência energética e poderio estratégico, um mineral quase esquecido voltou ao radar das grandes potências: a monazita — um minério radioativo rico em tório e urânio, presente em abundância no território brasileiro.
Muito mais do que um resquício das areias monazíticas da era Vargas, a monazita representa hoje um recurso geopolítico estratégico, fundamental para tecnologias de defesa, energia nuclear limpa e até reatores de próxima geração. E o Brasil, discretamente, está entre os países com as maiores reservas conhecidas desse minério — inclusive em locais onde a extração de sal-gema e areias industriais já ocorre, como o Espírito Santo, a Paraíba e o litoral da Bahia.
O que é a monazita — e por que ela é tão disputada
A monazita é um mineral fosfato que contém elementos das terras raras e, especialmente, tório e urânio, dois materiais radioativos com alto potencial energético. Historicamente, ela foi utilizada no Brasil como fonte de terras raras leves, mas o conteúdo radioativo — visto como obstáculo ambiental e logístico — limitou seu aproveitamento em larga escala.
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Hoje, com o avanço das tecnologias nucleares e os riscos crescentes na cadeia global de suprimentos, a narrativa mudou. O que antes era resíduo, agora é ativo estratégico. O tório, em particular, é visto como alternativa mais segura ao urânio em reatores nucleares de próxima geração — com menor risco de fusão e menos resíduos radioativos de longa vida. E, diferente do urânio enriquecido, o tório não pode ser convertido facilmente em armas nucleares, o que atrai a atenção de países que querem energia, mas não querem tensões diplomáticas.
O principal problema: Poucos países dominam a cadeia de exploração, separação e reaproveitamento desses materiais. E a China, mais uma vez, lidera, tanto na produção quanto no processamento. Nesse contexto, o Brasil ressurge como opção confiável e independente — um celeiro inexplorado de minerais críticos.
As reservas brasileiras escondidas em plain sight
O Brasil possui grandes depósitos de monazita associados a areias ricas em ilmenita, rutilo e zirconita. Estão localizadas principalmente nas regiões costeiras do Espírito Santo, Bahia, Rio de Janeiro e norte do Paraná. Boa parte desses depósitos está em concessões voltadas à extração de titânio e terras raras — com a monazita aparecendo como coproduto.
Dados da Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM) e estudos do Instituto de Radioproteção e Dosimetria (IRD) indicam que o Brasil pode conter até 16% das reservas conhecidas de tório no mundo — concentradas justamente nas areias monazíticas. É um número impressionante que só recentemente começou a chamar atenção de analistas geopolíticos e setores militares internacionais.
Com mais de 150 concessões de sal-gema em operação, boa parte dessas áreas também coincide com potenciais jazidas de minerais radioativos, incluindo tório, urânio e lantanídeos. Isso significa que o país pode explorar sinergias entre setores industriais já em operação e a produção de recursos estratégicos para energia e defesa.
A guerra na Ucrânia e o efeito dominó nos minerais estratégicos
A invasão russa da Ucrânia, em 2022, gerou um impacto profundo nas cadeias globais de suprimentos — especialmente em setores ligados à energia e defesa. O urânio enriquecido, por exemplo, vinha sendo fornecido por empresas russas a diversos países da Europa. Com as sanções e o reposicionamento da OTAN, os países ocidentais começaram a buscar fontes alternativas e independentes.
Nesse movimento, o Brasil passou a ser observado com mais atenção por Washington, Bruxelas e até Tóquio, que enxergam o país como aliado estratégico e fornecedor potencial de insumos para tecnologia sensível. O interesse inclui grafite, nióbio, lítio — e, agora, também a monazita.
Alguns relatórios confidenciais, vazados por think tanks de energia e segurança, já indicam que os Estados Unidos consideram o tório brasileiro um recurso de interesse dual — ou seja, com potencial tanto civil quanto militar. O mesmo vale para o urânio contido na monazita, que pode ser separado e aproveitado para uso em reatores convencionais ou avançados.
Interesse militar na monazita e reatores do futuro
Um dos temas que mais movimentam o setor nuclear atualmente é o desenvolvimento de reatores de sal fundido alimentados com tório. Esses reatores têm a vantagem de operar em temperaturas mais altas, serem intrinsecamente mais seguros e gerarem menos resíduos de alta periculosidade. O tório não sofre fissão espontânea, o que reduz o risco de acidentes catastróficos como o de Chernobyl ou Fukushima.
Países como Índia, Noruega e China já possuem programas avançados de testes com tório. A Índia, por exemplo, planeja usar esse combustível em parte de seus reatores nos próximos anos, dada sua grande reserva interna. A China também tem investido pesado em pesquisas para dominar essa tecnologia antes do Ocidente.
O problema: O refino do tório e a separação de monazita ainda são tecnologias dominadas por poucos — e a maioria está sob influência direta da China. Nesse contexto, o Brasil passa a ser mais do que apenas fornecedor de minério: pode ser chave na diversificação da cadeia tecnológica ocidental.
Inclusive, o Comando da Marinha e setores de inteligência nacional acompanham de perto o tema. Como o Brasil desenvolve, desde 2009, um programa de submarinos nucleares, o domínio dos combustíveis e dos insumos radioativos é considerado sensível à soberania nacional.
Um futuro promissor — se o país não desperdiçar
A pergunta que surge é: o Brasil está preparado para aproveitar essa janela de oportunidade? O país já perdeu chances anteriores em setores como terras raras e lítio, onde extrai, mas não industrializa. O mesmo pode ocorrer com a monazita, se não houver políticas públicas claras, incentivo à P&D e atração de parceiros estratégicos que compartilhem conhecimento técnico.
Especialistas defendem que o governo federal crie um plano nacional para minerais críticos, que inclua zonas especiais de processamento, formação de parcerias com países da OCDE e proteção de ativos sensíveis com supervisão da Agência Nacional de Mineração (ANM) e do setor de defesa.
Caso contrário, o Brasil pode mais uma vez ver suas riquezas estratégicas exportadas como commodities brutas, sem gerar empregos qualificados, desenvolvimento tecnológico ou poder de barganha internacional.