Em meio à disputa global por semicondutores, gálio e germânio ganham destaque como minerais estratégicos. Entenda por que esses recursos raros — o verdadeiro minério que vale ouro — estão no centro das tensões geopolíticas e por que o Brasil ainda não aproveita seu potencial
Gálio e germânio se tornaram protagonistas silenciosos da nova corrida tecnológica global. Essenciais para a fabricação de semicondutores e equipamentos estratégicos, esses elementos estão no centro de tensões geopolíticas, principalmente após a China restringir suas exportações. Enquanto o mundo corre para garantir o suprimento, o Brasil — com potencial identificado — ainda não avança na exploração desses recursos. Entenda por que esse minério que vale ouro pode redefinir a geopolítica da tecnologia e colocar o país em posição de destaque no mercado internacional.
China acende alerta global sobre gálio e germânio
Desde agosto de 2023, a China impôs restrições significativas às exportações de gálio e germânio, exigindo licenças específicas para a saída desses minerais críticos. Ambos possuem aplicações civis e militares, sendo indispensáveis em chips, sensores infravermelhos, painéis solares e equipamentos de comunicação de alta performance.
A situação se intensificou em dezembro de 2024, quando Pequim anunciou a proibição direta de exportações para os Estados Unidos, em resposta às sanções norte-americanas relacionadas à indústria de semicondutores. Essa decisão abalou a cadeia de suprimentos global, forçando empresas de tecnologia, montadoras e fabricantes de armamentos a buscar fontes alternativas para garantir a continuidade de suas operações.
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O impacto da dependência da China
A China domina 98% da produção mundial de gálio refinado e entre 60% e 83% do germânio, conforme o tipo de extração (minério, óleo ou metal). Esse monopólio tornou-se uma vulnerabilidade estratégica para o Ocidente. Segundo o portal Mining.com, uma paralisação completa no fornecimento desses elementos poderia provocar um impacto econômico de até US$ 3,1 bilhões apenas nos Estados Unidos, comprometendo a produção de semicondutores e dispositivos eletrônicos.
Com as restrições, os preços dispararam. O gálio ultrapassou US$ 725 por quilo, mais do que dobrando em poucos meses. O germânio também teve valorização significativa, embora mais moderada. Essa escalada refletiu não apenas a escassez, mas também o temor de que novas interrupções no fornecimento possam ocorrer a qualquer momento, afetando indústrias inteiras.
O minério que vale ouro para os semicondutores
A importância estratégica do gálio e germânio fez com que especialistas passassem a chamá-los de o minério que vale ouro para os semicondutores. Esses elementos são fundamentais para a produção de tecnologias de ponta, como painéis solares de alta eficiência, radares, lasers, sistemas de visão noturna, fibras ópticas e até equipamentos médicos.
O gálio é utilizado principalmente na forma de nitreto de gálio (GaN), um material semicondutor avançado que substitui o silício em aplicações onde se exige maior desempenho térmico e elétrico. Já o germânio é amplamente empregado em sensores, óptica de precisão e painéis solares espaciais.
Sem esses elementos, tecnologias críticas como redes 5G, satélites e sistemas militares ficariam comprometidas. Por isso, o fornecimento seguro desses insumos tornou-se uma prioridade para grandes potências.
Oportunidades e potencial do Brasil com o minério que vale ouro
Apesar da alta demanda e da valorização crescente no mercado global, o Brasil ainda não explora comercialmente nenhum projeto de gálio ou germânio. No entanto, há indicações claras de que o país possui reservas com potencial econômico.
O destaque nacional é o projeto Caladão, localizado na região de Carajás, no Pará. Estudos iniciais identificaram ali significativa presença de gálio associado a minérios de bauxita e zinco. Essa descoberta coloca o Brasil entre os poucos países com chances reais de desenvolver uma cadeia integrada de extração e refino desses elementos.
Segundo pesquisadores da USP e do setor de mineração, o país tem características geológicas favoráveis e poderia se tornar um fornecedor estratégico de minerais críticos — desde que haja investimento em infraestrutura, tecnologia e pesquisa.
Barreiras à exploração de gálio e germânio no Brasil
O caminho para transformar potencial em realidade, porém, ainda é longo. O Brasil enfrenta entraves significativos que dificultam a entrada efetiva nesse mercado altamente competitivo.
Exploração geológica ainda limitada
Projetos como o Caladão necessitam de sondagens aprofundadas, estudos técnicos robustos e avaliações de viabilidade econômica e ambiental. O processo de licenciamento, complexo e demorado, também representa um gargalo para a evolução dos projetos.
Falta de estrutura para refino
Hoje, o Brasil não possui unidades industriais especializadas no refino de gálio e germânio. A separação desses elementos exige processos químicos avançados e equipamentos de alta precisão, que ainda não estão disponíveis no país.
Carência de incentivos e investimentos
Para tornar viável uma planta de refino, seriam necessários cerca de US$ 50 milhões. Embora esse valor seja modesto comparado a grandes projetos de mineração, o risco tecnológico e a falta de garantias de mercado afugentam investidores. Incentivos públicos, parcerias estratégicas e marcos regulatórios estáveis são essenciais para atrair capital.
Pressão internacional e potencial geopolítico do Brasil
O cenário internacional é claro: grandes economias querem diversificar seus fornecedores de minerais estratégicos. A dependência da China se tornou um risco, e países como Estados Unidos, Japão, Coreia do Sul e membros da União Europeia estão buscando novos acordos bilaterais.
O Brasil, com sua tradição em mineração, infraestrutura portuária consolidada e capital humano qualificado, tem uma chance real de entrar nessa nova rota de suprimentos. O governo federal já anunciou planos para reposicionar o país na cadeia de minerais críticos, com foco em terras raras, lítio, nióbio e, agora, gálio e germânio.
Entre as iniciativas, estão programas de mapeamento geológico, linhas de crédito para inovação, acordos de cooperação internacional e estímulo à produção sustentável.
O Brasil pode liderar a nova corrida pelos minerais estratégicos?
A corrida global por autonomia tecnológica transformou o gálio e o germânio nos novos protagonistas da geopolítica mineral. Com o mundo cada vez mais digital e automatizado, a demanda por esses elementos tende a crescer exponencialmente nas próximas décadas.
O Brasil tem uma oportunidade única: transformar seu potencial mineral em protagonismo internacional. Para isso, precisa sair da zona de observação e partir para a ação. Isso inclui viabilizar projetos de extração, investir em plantas de refino, firmar parcerias estratégicas e fomentar pesquisa e inovação no setor mineral.
O minério que vale ouro está presente em solo brasileiro. A dúvida que resta é se o país terá a ambição, a estratégia e o compromisso necessários para transformar essa riqueza em influência global.