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O drama dos marinheiros que são abandonados em navios em alto mar: “só queremos voltar para casa”

Publicado em 24/08/2025 às 21:42
Marinheiros, Navios, Marinheiros abandonados
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Marinheiros indianos enfrentam abandono em navios cargueiros e petroleiros, presos por meses sem salários, comida escassa e pouca esperança de retorno seguro

O indiano Manas Kumar — nome alterado para proteger sua identidade — foi deixado em um navio cargueiro em águas ucranianas em abril. Ele era o oficial-chefe do Anka, embarcação que transportava pipoca da Moldávia para a Turquia com uma tripulação de 14 pessoas.

O navio foi interceptado no dia 18 de abril, enquanto descia o rio Danúbio, que separa a Ucrânia da Romênia.

A Ucrânia afirmou que o cargueiro fazia parte da chamada frota “fantasma” da Rússia, usada para vender grãos ucranianos saqueados.

Já Kumar sustentou que o navio navegava sob bandeira da Tanzânia e operava por uma empresa turca.

Documentos apresentados pelos tripulantes — cinco indianos, dois azerbaijanos e seis egípcios — não deixaram claro quem seria o verdadeiro dono da embarcação.

Meses de incerteza

Cinco meses depois da interceptação, todos ainda estavam a bordo. Kumar contou que autoridades ucranianas informaram que eles estavam livres para deixar o navio, já que não eram investigados.

O impasse, no entanto, é financeiro. Se desembarcarem, perdem os salários acumulados, que somavam US$ 102,828 (R$ 550 mil) até junho, segundo dados da OIT e OMI.

A tripulação disse não conhecer o histórico do navio ao aceitar o trabalho. Agora, vivem em uma situação fora de controle, à espera de uma solução.

Kumar relatou que o proprietário e autoridades marítimas indianas sempre prometem resolver “em mais um dia”, mas nada de concreto aconteceu. “Isso é uma zona de guerra. Tudo que queremos é voltar para casa rápido”, desabafou.

O problema recorrente

A Índia é o segundo maior fornecedor de tripulantes de navios comerciais do mundo. Mas também lidera a lista de casos de abandono.

O termo foi oficializado em 2006 pela Convenção de Trabalho Marítimo, descrevendo quando armadores rompem com a tripulação e deixam de garantir repatriação e salários.

Segundo a Federação Internacional dos Trabalhadores em Transportes (ITF), 3.133 marinheiros foram abandonados em 312 navios em 2024, sendo 899 indianos.

Para muitos, deixar o navio sem salário não é opção. Muitos já pagaram altos valores a agentes para conseguir o emprego ou certificados de treinamento.

A principal causa, conforme o ITF, está ligada à prática da bandeira de conveniência, quando navios são registrados em países com regras frágeis.

As normas internacionais permitem que uma embarcação use bandeira diferente do país de origem de seus donos. Isso reduz custos, mas enfraquece a fiscalização e o bem-estar da tripulação.

Dados do ITF apontam que 90% dos navios abandonados em 2024 navegavam sob bandeiras de conveniência.

O caso Stratos

Em 9 de janeiro de 2025, outro grupo de indianos enfrentou situação semelhante. O capitão Amitabh Chaudhary — também com nome alterado — comandava o Stratos, que partia do Iraque para os Emirados Árabes.

O mau tempo obrigou um desvio, e o navio, sob bandeira da Tanzânia, atingiu rochas submersas perto de Jubail, na Arábia Saudita.

O tanque carregado de petróleo foi danificado. A tripulação, composta por nove indianos e um iraquiano, tentou várias vezes reflutuar a embarcação, mas não conseguiu.

Ficaram presos quase seis meses, enquanto o dono iraquiano se negava a pagar salários, alegando perdas pelo acidente.

Durante esse período, o grupo enfrentou fome e medo de naufrágio. “Por dias, tivemos que comer apenas arroz ou batatas porque não havia suprimentos”, relatou Chaudhary.

Mesmo após conseguir fazer o navio flutuar de volta, o leme ficou danificado, tornando o Stratos inapto para navegar. Os tripulantes seguem a bordo, aguardando pagamento.

Falhas na fiscalização

Marinheiros frequentemente criticam a Diretoria-Geral de Navegação da Índia, responsável por fiscalizar contratos e credenciais.

Para eles, a fiscalização é branda e permite que situações de abandono se repitam. A DG não respondeu aos questionamentos da BBC.

Outros especialistas lembram que a tripulação também precisa de atenção maior ao assinar contratos. “Quando você é contratado, tem tempo para informar à DG sobre discrepâncias”, explicou Sushil Deorukhkar, representante do ITF.

Segundo ele, depois da assinatura, o trabalhador fica preso ao acordo e precisa buscar ajuda em várias instâncias.

O drama no Nirvana

O capitão Prabjeet Singh também viveu meses de incerteza no Nirvana, petroleiro de propriedade indiana registrado sob bandeira de Curaçao.

Ele e outros 22 tripulantes estavam a bordo quando descobriram que o navio havia sido vendido. O pagamento dos salários virou disputa entre antigos e novos donos.

Em abril, Singh levava o navio a um porto no Estado de Gujarat para desmanche quando um tribunal ordenou a apreensão por falta de pagamento.

Pouco depois, a tripulação percebeu que havia sido abandonada. “Ficamos sem comida. O navio tinha pouco combustível e estava completamente escuro”, contou.

Apesar de conseguirem desembarcar em julho após ordem judicial, os salários ainda não foram pagos, de acordo com a OIT-OMI. Singh disse ter aceitado o trabalho em outubro de 2024 para garantir uma vida melhor. Por isso, sair sem pagamento nunca foi uma opção.

Impacto humano

As histórias mostram a dimensão do problema. Kumar, Singh e Chaudhary compartilham o mesmo desejo: voltar para casa.

Para muitos marinheiros, o maior desafio é resistir à fome, à incerteza e à ausência de resposta dos donos dos navios.

No caso do Stratos, Chaudhary relatou o esgotamento psicológico. “Continuamos no mesmo lugar, na mesma situação. A mente parou de trabalhar, não conseguimos pensar no que mais deveríamos fazer”, afirmou.

Enquanto aguardam soluções, esses trabalhadores seguem longe das famílias, presos em navios que se tornaram verdadeiras prisões flutuantes.

O mais importante para todos é encerrar o pesadelo. “Será que conseguimos alguma ajuda? Só queremos voltar para casa e encontrar nossos familiares”, desabafou Chaudhary.

Com informações de BBC.

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Romário Pereira de Carvalho

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