Com os juros mais altos desde 2006, o custo médio do financiamento de veículos chegou a 29,5% ao ano em 2025, segundo o Banco Central. Famílias reduzem compras, bancos apertam crédito e o sonho do carro próprio se afasta.
O financiamento de veículos no Brasil vive o momento mais caro da história. Com a taxa Selic fixada em 15% ao ano pelo Comitê de Política Monetária (Copom), o custo médio dos empréstimos para compra de automóveis atingiu 29,5% ao ano, segundo dados recentes do Banco Central.
Esse cenário faz com que, para muitos brasileiros, comprar um carro financiado se torne praticamente inviável.
O impacto é sentido em toda a cadeia automotiva. Montadoras relatam queda nas vendas, concessionárias veem menos contratos aprovados e consumidores adiam a realização do sonho do carro próprio.
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“Estamos vivendo o maior custo de crédito da história recente”, afirmou Márcio de Lima Leite, presidente da Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores), a revista quatro rodas.
Selic alta encarece o crédito e trava o mercado
A taxa Selic, definida pelo Banco Central, é a taxa básica de juros da economia brasileira. Ela serve como referência para todas as operações de crédito desde empréstimos pessoais e imobiliários até o financiamento automotivo.
Quando a Selic sobe, os bancos passam a pagar mais caro para captar dinheiro e repassam esse custo aos consumidores. Resultado: as parcelas sobem, o crédito diminui e o consumo cai.
O Relatório Focus, divulgado semanalmente pelo Banco Central, mostra que o mercado financeiro prevê manutenção da Selic em 15% até o final de 2025. Isso significa que, mesmo sem novos aumentos, o financiamento continuará caro por um longo período.
O peso no bolso do consumidor
De acordo com levantamento do Santander Financiamentos, um carro de R$ 80 mil pode custar quase R$ 115 mil ao final do financiamento, considerando juros médios de 29,5% ao ano. Mesmo com uma entrada de 30%, o valor das parcelas mensais pode ultrapassar R$ 2.000.
Em 2020, quando a Selic estava em apenas 2% ao ano, o mesmo veículo financiado teria um custo total até 35% menor. Essa diferença reflete não só o aumento da taxa básica, mas também o crescimento da inadimplência e a maior percepção de risco dos bancos, que tornam o crédito mais seletivo.
Financiamentos despencam e vendas de carros novos recuam
O setor automotivo sente o reflexo imediato. Segundo a Anfavea, o número de automóveis novos vendidos por meio de financiamento caiu 20% no primeiro semestre de 2025, enquanto as concessões de crédito para veículos usados encolheram ainda mais, 27% no mesmo período.
O fenômeno não é apenas brasileiro, mas o país se destaca pelo nível extremo de juros. Entre as grandes economias, o Brasil tem o maior custo médio de financiamento de automóveis, à frente de nações como México, Chile e Argentina.
Por que os bancos não reduzem os juros?
Mesmo com baixa inadimplência, 4% entre pessoas físicas, segundo o Sistema Financeiro Nacional, os bancos mantêm as taxas elevadas. Isso ocorre porque a Selic alta eleva o custo de captação, tornando menos vantajoso oferecer crédito a longo prazo.
Além disso, o Marco Legal das Garantias, criado para facilitar a retomada de bens em caso de inadimplência, ainda não trouxe os efeitos esperados. Instituições financeiras seguem cautelosas, especialmente no segmento de seminovos, considerado mais arriscado.
Carros novos e usados sentem efeitos diferentes
O consumidor de carros novos ainda conta com algum alívio devido aos subsídios das montadoras e às campanhas de taxa reduzida, que compensam parte dos juros.
Já o comprador de seminovos e usados enfrenta condições mais duras, com bancos cobrando taxas ainda maiores, que podem superar 32% ao ano.
Essa diferença tem mudado o perfil das vendas: veículos com até R$ 50 mil voltam a dominar o mercado, enquanto modelos acima de R$ 100 mil têm queda expressiva nas negociações.
Como driblar os juros altos no financiamento
Especialistas em finanças recomendam que o consumidor reavalie o momento de compra. A principal dica é aumentar o valor da entrada, o que reduz o saldo financiado e, consequentemente, o custo total.
Outras orientações incluem reduzir o número de parcelas, comparar propostas entre bancos e financeiras, e verificar o Custo Efetivo Total (CET), que engloba tarifas, impostos e seguros embutidos no contrato.
Em muitos casos, um consórcio ou planejamento de compra à vista pode ser mais vantajoso no longo prazo.
Perspectivas para o restante de 2025
Economistas não veem espaço para cortes expressivos na Selic até o fim do ano. O Banco Central mantém o foco em controlar a inflação, mesmo que isso signifique frear o consumo e o crédito.
Se a taxa básica permanecer em 15%, o financiamento de automóveis continuará restrito à parcela da população com alta renda ou crédito muito bem avaliado.
“Enquanto a Selic permanecer nesse patamar, o carro novo volta a ser um item de luxo no Brasil”, resume o economista Leonardo Furtado, do Auto Shopping Internacional de Guarulhos.