Novo Código Civil formaliza laços socioafetivos entre enteados e padrastos/madrastas, permite multiparentalidade em cartório e mantém animais como bens móveis
O novo Código Civil em discussão no Senado propõe um redesenho do direito de família ao reconhecer, de forma expressa, relações socioafetivas, como os vínculos entre enteados e padrastos/madrastas, e autorizar a multiparentalidade diretamente em cartório. Ao mesmo tempo, preserva a regra tradicional de que animais continuam sendo classificados como bens móveis, ainda que o tema desperte debate.
As mudanças constam de um anteprojeto entregue pelo colegiado de juristas e hoje debatido por comissão temporária de senadores. Nada está decidido: o texto pode receber emendas e ajustes até a votação final. Mesmo assim, o pacote sinaliza viradas relevantes em filiação, sucessões e procedimentos patrimoniais.
Relações socioafetivas: o que muda na prática
O novo Código Civil consolida no texto legal uma realidade já reconhecida pelos tribunais superiores: a paternidade e a maternidade podem nascer do afeto e da convivência, não apenas do DNA.
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Pela proposta, enteados e padrastos/madrastas poderão formalizar o vínculo e ter essa relação refletida no registro civil, com os mesmos efeitos jurídicos aplicáveis à filiação.
Na via extrajudicial, o movimento reforça o Provimento nº 83/2019 do CNJ, que já permite reconhecimento voluntário de filiação socioafetiva em cartório para maiores de 12 anos.
A previsão legal tende a desburocratizar o caminho de famílias reconstituídas, dando segurança jurídica na escola, no plano de saúde e em decisões do cotidiano.
Não se trata de “substituir” pais biológicos, mas de admitir coexistência de vínculos quando o cuidado e a presença estiverem comprovados.
Multiparentalidade em cartório: alcance e salvaguardas
A proposta incorpora a multiparentalidade — tese já sedimentada na jurisprudência — e abre a porta para que tudo seja oficializado em cartório, sem ação judicial quando houver consenso.
Em termos práticos, isso pode estampar no registro mais de um pai e/ou mais de uma mãe, com efeitos completos de filiação (como deveres de cuidado e direitos correlatos).
Para coibir abusos, o anteprojeto prevê salvaguardas: o vínculo não pode ser artificial (por exemplo, “filho de criação” sem intenção de parentalidade) nem servir para afastar obrigações de pais biológicos.
A tônica é o interesse do filho, e o afeto real e contínuo segue como critério central. Em caso de conflito, a via judicial continua disponível.
Animais continuam como bens: o que isso significa
Apesar do avanço nas estruturas familiares, o novo Código Civil mantém os animais como bens móveis.
Em termos técnicos, eles permanecem na esfera patrimonial, o que preserva o regime civil tradicional.
Especialistas do direito animal criticam a opção por não elevar os animais à categoria de seres sencientes no texto codificado, ainda que leis infraconstitucionais e julgados pontuais já sinalizem proteção ampliada.
Na prática, o status de “bem” não impede cuidados e tutela, mas limita o alcance de direitos próprios aos animais dentro do Código.
O contraste é claro: enquanto famílias se modernizam no papel, a tutela dos pets segue ancorada na propriedade, com impactos em partilhas, guarda em separações e responsabilidade civil.
Sucessões, união estável e propriedade: outras frentes sensíveis
O pacote vai além da filiação.
Em sucessões, o anteprojeto retira, em hipóteses, cônjuges e companheiros do rol de herdeiros necessários, ampliando a liberdade de testar — tema que promete debate intenso por possíveis efeitos sobre viúvos e viúvas.
Na união estável, surge o estado civil de “convivente”, a ser registrado em cartório, oferecendo lastro documental a um arranjo hoje reconhecido de fato.
No direito das coisas, a diretriz é agilizar a usucapião extrajudicial e dar mais autonomia ao direito real de laje, inclusive como garantia, facilitando a regularização urbana.
Já no empresarial, a atualização mira modernização de regras (como ajustes em limitadas e arbitragem) e restrições à SLU para pessoas físicas, buscando coerência com a teoria da empresa.
Quem conduz o texto e como ele avança no Congresso
O novo Código Civil nasceu de uma comissão de 34 juristas.
A etapa atual está no Senado, em comissão temporária presidida por Rodrigo Pacheco, com plano de trabalho prevendo votação até julho de 2026.
Até lá, audiências públicas e emendas podem alterar substancialmente a redação.
Depois do Senado, a matéria segue para a Câmara, onde novo ciclo de debates se abre.
Os pontos mais polêmicos já estão no radar: herança do cônjuge/companheiro, status jurídico dos animais e regras de herança digital (contas, ativos e acervos online).
Cada ajuste pode mexer na vida prática de milhões de pessoas — do registro de famílias recompostas à organização patrimonial e aos procedimentos cartorários do dia a dia.
Conte, com exemplos reais, como essas mudanças pegariam no seu cotidiano — do cartório à partilha — e por quê. A sua vivência ajuda a iluminar onde a lei precisa acertar.