Setor de gás prevê impacto de novas regras da ANP enquanto governo lança programa social para ampliar acesso ao botijão, com investimento bilionário em risco e críticas sobre competitividade e segurança.
Segundo o jornal Folha de S. Paulo, o setor de GLP recebeu de forma positiva o lançamento do programa Gás do Povo, criado para ampliar o acesso ao gás de cozinha entre famílias de baixa renda.
No entanto, líderes da indústria alertam que propostas regulatórias em discussão na ANP podem comprometer investimentos planejados para atender à nova demanda.
A avaliação é de Pedro Turqueto, CEO da Copa Energia, responsável pelas marcas Copagaz e Liquigás, que estima a necessidade de R$ 2,5 bilhões em aportes na compra de novos botijões.
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Programa Gás do Povo e impacto social
O programa foi lançado em 4 de setembro de 2025, em Belo Horizonte, e substitui o modelo atual do Auxílio Gás, pago em dinheiro, por vales ou cartões que permitem a retirada do botijão diretamente nas revendas credenciadas.
A medida, conforme a Folha de S. Paulo, deve estimular famílias que hoje cozinham com lenha ou carvão a migrar para o GLP, reduzindo a chamada pobreza energética.
De acordo com Turqueto, a iniciativa pode adicionar 11 milhões de residências ao mercado consumidor.
Para garantir fornecimento adequado, seria preciso ampliar o parque de embalagens e reforçar a rede de logística.
O executivo ressalta, porém, que esse movimento depende da estabilidade regulatória, já que as propostas em análise pela ANP podem alterar de forma profunda a dinâmica do setor.
Propostas da ANP em análise
Entre as medidas discutidas estão o enchimento parcial de botijões e o fim da exclusividade de marca, permitindo que empresas envasem recipientes de concorrentes.
A ANP confirmou que ainda avalia as sugestões e informou que as maiores distribuidoras já enchem botijões sem sua marca, prática que, segundo a agência, demonstra confiança entre competidores.
Caso a flexibilização avance, a autarquia prevê regras de rastreabilidade para reforçar a segurança.
Para as companhias, no entanto, a abertura pode desestimular investimentos.
Turqueto argumenta que seria incoerente exigir que o setor invista bilhões em embalagens e, em seguida, retirar a vinculação delas às marcas que realizaram o aporte.
No entendimento do empresário, esse tipo de mudança enfraquece o modelo de negócios e pode comprometer a manutenção e o controle de qualidade dos botijões em circulação.
Debate sobre preços e custos da cadeia
A polêmica regulatória se soma ao debate sobre os preços.
Durante o lançamento do Gás do Povo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou a criticar a diferença entre o valor do GLP vendido pela Petrobras e o preço cobrado no varejo.
Segundo ele, a estatal repassa o produto por aproximadamente R$ 37, mas os consumidores pagam acima de R$ 100.
Em maio, Lula já havia questionado quem estaria “ganhando muito dinheiro” nessa diferença.
O setor rebate destacando os custos adicionais ao longo da cadeia.
Turqueto cita a incidência de impostos, a logística desde as refinarias até os pontos de distribuição, a chamada última milha para entrega nas casas e o investimento permanente em manutenção de botijões.
“A Petrobras fornece a molécula do gás, que é o nosso maior custo, mas tem a incidência de impostos, a logística primária do produto, a última milha para levar na casa das pessoas, e o investimento na própria embalagem, no botijão, que demanda manutenção”, afirma.
A Copa Energia diz atender 100% dos municípios e chegar a 91% das residências, o que exige forte estrutura operacional.
Risco de irregularidades no setor
Outro ponto sensível é o risco de infiltração de grupos ilegais no setor.
Grandes distribuidoras afirmam que flexibilizações regulatórias podem abrir espaço para práticas semelhantes às vistas no mercado de combustíveis, alvo da operação Carbono Oculto.
Turqueto reforça essa visão e alerta que medidas muito permissivas podem ter consequências semelhantes às observadas no passado.
A ANP, entretanto, nega a possibilidade de facilitação à entrada do crime organizado.
A agência sustenta que todas as atividades continuariam restritas a agentes autorizados e fiscalizados, com mecanismos de controle como auditorias, rastreamento de botijões e aplicação de sanções em caso de irregularidades.
Perspectivas para o setor de GLP
O impasse mostra que, embora o programa tenha potencial para ampliar o acesso a um insumo essencial, o setor cobra segurança regulatória para viabilizar os aportes necessários.
O desfecho da discussão será determinante para equilibrar três variáveis: expansão do consumo, garantia de investimentos e manutenção da segurança operacional.
Conforme a Folha de S. Paulo, a decisão sobre o formato final das regras da ANP será crucial para definir se a política pública terá efeito imediato na redução da pobreza energética ou se enfrentará obstáculos na capacidade de abastecimento.
A questão central permanece: é possível conciliar um botijão mais acessível para a população com um ambiente regulatório que assegure investimentos e qualidade no serviço?