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Nova Rota da Seda sob pressão? Corredor de Lobito, uma obra dos EUA de US$ 5 bilhões e 1.300 km quer superar a China

Escrito por Fabio Lucas Carvalho
Publicado em 01/12/2024 às 20:34
Atualizado em 02/12/2024 às 21:06
Corredor de Lobito, Nova Rota da Seda, China, EUA
Foto: Reprodução

Com 1.300 quilômetros de extensão e um investimento de US$ 5 bilhões, o Corredor de Lobito surge como uma alternativa estratégica para competir com a Nova Rota da Seda da China.

A crescente influência econômica da China, através da Nova Rota da Seda na África é uma realidade que os Estados Unidos não podem mais ignorar. Desde 2009, quando a China ultrapassou os EUA como principal parceiro comercial do continente africano, a disparidade econômica entre as duas nações só aumentou. Por isso, os americanos estão apostando no Corredor de Lobito.

Atualmente, o volume de comércio da China com a África é quatro vezes maior que o dos EUA, evidenciando uma lacuna que preocupa estrategistas e formuladores de políticas americanas.

Para conter essa tendência, os Estados Unidos têm intensificado seus esforços para reforçar laços econômicos com o continente africano.

Um exemplo claro dessa tentativa é o Corredor de Lobito, uma ferrovia de 1.300 quilômetros que atravessa Angola, a República Democrática do Congo (RDC) e Zâmbia. É previsto investimento de US$ 5 bilhões, com parte desse valor financiado pelos EUA.

Anunciada em 2023, a iniciativa é vista como uma tentativa direta de competir com a poderosa Nova Rota da Seda.

Corredor de Lobito, Nova Rota da Seda, China, EUA

Nova Rota da Seda – A estratégia chinesa e seus resultados na África

A Nova Rota da Seda, lançada em 2013, é uma das maiores iniciativas de infraestrutura e desenvolvimento econômico do mundo.

Até agora, 52 países africanos assinaram acordos com a China, resultando em bilhões de dólares investidos na construção de estradas, portos, ferrovias e outras infraestruturas essenciais.

Em 2023, por exemplo, a Nova Rota da Seda destinou aproximadamente US$ 21,7 bilhões em empréstimos para projetos no continente africano.

Esses investimentos, no entanto, não são apenas econômicos. A China também garantiu acesso estratégico aos vastos recursos minerais da África.

Na RDC, empresas chinesas controlam cerca de 72% das minas de cobalto e cobre. Já na Guiné, o domínio chinês sobre a bauxita e a mina de ferro Simandou reforça ainda mais sua posição como um dos principais atores na exploração de recursos naturais no continente.

O Corredor de Lobito: Uma Resposta Estratégica

O Corredor de Lobito é uma tentativa dos EUA de competir com a Nova Rota da Seda em termos de relevância e impacto econômico.

Anunciado durante o Fórum Global Gateway da União Europeia, em outubro de 2023, o projeto reúne esforços do Banco Africano de Desenvolvimento (AfDB), da Africa Finance Corporation (AFC), dos EUA e da Comissão Europeia.

O objetivo é conectar o noroeste da Zâmbia ao porto de Lobito, em Angola, no Oceano Atlântico, por meio de uma rede ferroviária estratégica.

Os EUA já destinaram mais de US$ 3 bilhões para financiar projetos relacionados à iniciativa, abrangendo setores como transporte, logística, agricultura, energia limpa, saúde e acesso digital. Grande parte desse financiamento vem da Partnership for Global Infrastructure (PGI), um consórcio de países do G7 criado para aumentar a presença ocidental em projetos de infraestrutura global.

Infraestrutura e impacto econômico

O Corredor de Lobito prevê a construção de 550 quilômetros de novos trilhos ferroviários na Zâmbia, conectando Jimbe, na fronteira com Angola, ao cinturão de cobre do país, localizado em Chingola.

Essa nova linha ferroviária se integrará aos trilhos existentes no lado angolano da fronteira, formando uma conexão com a ferrovia de Benguela, já em operação. Além disso, o projeto inclui a construção de 260 quilômetros de estradas de acesso e renovações na antiga ferrovia de Benguela, com mais de 120 anos de história.

O impacto esperado vai além da infraestrutura. O corredor permitirá à Zâmbia, tradicionalmente dependente de rotas de exportação orientadas para o leste, acessar o Oceano Atlântico pela primeira vez.

Isso cria novas possibilidades de comércio e reduz a dependência do porto de Dar es Salaam, na Tanzânia, que historicamente tem sido a principal saída marítima para exportações de cobre e outros metais.

Geopolítica e recursos naturais

Assim como a Nova Rota da Seda, o Corredor de Lobito é mais do que um projeto de infraestrutura. Ele também serve aos interesses estratégicos e econômicos do Ocidente.

Ao criar rotas comerciais para o Atlântico, o projeto facilita o transporte de minerais e commodities essenciais para a transição energética, como cobre e cobalto, ambos abundantes na RDC e na Zâmbia.

O foco no cinturão de cobre da Zâmbia é estratégico. Com o crescimento da demanda global por minerais essenciais para tecnologias verdes, como baterias e energia renovável, o Corredor de Lobito pode se tornar uma rota crucial para abastecer mercados ocidentais.

Além disso, a RDC, com suas vastas reservas de cobre e cobalto, desempenha um papel central nesse plano, consolidando o corredor como uma alternativa ocidental às rotas comerciais dominadas pela China.

Desafios e perspectivas

Embora promissor, o projeto enfrenta desafios significativos. A China já estabeleceu uma presença sólida na África, com décadas de engajamento econômico e diplomático. A Nova Rota da Seda não apenas investiu bilhões em infraestrutura, mas também construiu parcerias estratégicas de longo prazo com governos africanos.

Em comparação, o Corredor de Lobito ainda é uma iniciativa emergente, que precisará de tempo para demonstrar seu impacto.

Além disso, a sustentabilidade financeira do projeto é uma preocupação. Assim como na Nova Rota da Seda, os investimentos em infraestrutura podem não ser lucrativos imediatamente, mas visam impulsionar o crescimento econômico a longo prazo. Para isso, será necessário um compromisso contínuo dos países envolvidos, bem como uma colaboração eficaz entre os setores público e privado.

Planos de Expansão

Os planos para o Corredor de Lobito tomaram um novo rumo em agosto de 2024, quando os Estados Unidos revelaram intenções de expandir o projeto para a Tanzânia, conectando o Oceano Atlântico ao Oceano Índico.

Helaina Matza, coordenadora especial da Partnership for Global Infrastructure (PGI), destacou que essa expansão busca transformar o corredor em uma conexão transafricana ampla, reforçando a abordagem regional dos EUA para o desenvolvimento do continente.

Matza também trouxe boas notícias sobre os progressos na primeira fase do projeto: a renovação da histórica ferrovia de Benguela.

Já foram realizadas remessas de cobre da República Democrática do Congo (RDC) para os Estados Unidos por meio dessa rota, marcando um avanço logístico significativo. A segunda fase, que inclui a construção de uma nova ferrovia na Zâmbia, ainda depende da conclusão de estudos de viabilidade.

Conexão com o oceano Índico e Soft Power

Expandir o Corredor de Lobito para a Tanzânia pode parecer contraintuitivo do ponto de vista geopolítico, já que essa abertura facilita o comércio para o leste, onde a China exerce maior influência.

No entanto, a estratégia se alinha ao objetivo americano de construir resiliência nas cadeias globais de suprimentos. A conexão com a linha ferroviária Tazara — que já liga a cidade portuária de Dar es Salaam ao interior da Zâmbia — exige a construção de apenas 200 quilômetros de trilhos para integrar o corredor às rotas comerciais do Índico.

Além disso, essa abordagem reforça as inteções de soft power dos EUA, promovendo boa governança e desenvolvimento regional em vez de priorizar benefícios econômicos imediatos.

Segundo Matza, a meta é garantir que minerais críticos fluam para os mercados globais de forma eficiente, criando um sistema comercial resiliente e menos dependente de acordos unilaterais ou blocos econômicos dominantes, como o promovido pela Iniciativa Cinturão e Rota (BRI) da China.

Desafios para os EUA na África

Apesar das ambições, o momento do envolvimento americano na África é delicado. O investimento direto estrangeiro (IDE) chinês no continente, embora tenha caído nos últimos anos, ainda é maior que o ocidental. Entre 2019 e 2021, o IDE chinês alcançou uma média de US$ 4 bilhões anuais, enquanto o dos EUA teve desempenho negativo em alguns períodos.

Contudo, o cenário está mudando. A desaceleração econômica da China no pós-pandemia e os desafios para manter altos níveis de empréstimos afetaram o ritmo da Nova Rota da Seda.

O investimento da iniciativa na África caiu de US$ 16,5 bilhões em 2021 para US$ 7,5 bilhões em 2023, uma redução de 55%. Além disso, preocupações crescentes com dívidas excessivas e a falta de transparência em alguns contratos têm gerado insatisfação em vários países africanos.

Esses fatores abrem uma janela de oportunidade para iniciativas como o Corredor de Lobito, que se apresenta como uma alternativa mais transparente e multilateral, buscando engajamento regional e global em suas operações.

A perspectiva multilateral

Diferente da abordagem majoritariamente unilateral da China, o Corredor de Lobito prioriza parcerias com instituições regionais e internacionais. Desde o início, o projeto contou com o apoio do Banco Africano de Desenvolvimento (BAD), que desempenha um papel central em sua execução. Em 2023, o BAD ajudou a arrecadar US$ 1,6 bilhão para financiar o projeto.

Essa colaboração multilateral traz benefícios financeiros e políticos. Financeiramente, ajuda a dividir o peso de projetos de longo prazo e baixa lucratividade inicial. Politicamente, reduz temores de exploração neocolonial por parte de grandes potências, como os Estados Unidos ou a China.

Outros atores globais também têm demonstrado interesse no Corredor de Lobito. O Banco Mundial contribuiu com US$ 300 milhões para uma iniciativa local complementar, marcando seu primeiro investimento significativo em infraestrutura africana desde 2002.

Já a Comissão Europeia assumiu a responsabilidade de realizar estudos de impacto ambiental e social para minimizar danos a comunidades vulneráveis ao longo da rota.

Muito pouco, muito tarde?

A pergunta que persiste é: os Estados Unidos conseguirão recuperar terreno na África com iniciativas como o Corredor de Lobito? Apesar do avanço da China no continente, ainda há espaço para o envolvimento ocidental.

A África é um continente diverso, com 54 países, cada um com necessidades únicas de desenvolvimento e diferentes experiências com parceiros internacionais.

A necessidade urgente de capital e infraestrutura cria oportunidades para iniciativas ocidentais que promovam abordagens mais inclusivas e transparentes. A competição entre EUA e China pode beneficiar os países africanos, permitindo que eles negociem melhores condições com ambas as potências.

O presidente Joe Biden viajou no dia 1 de dezembro para o país para reforçar o apoio da maior economia do mundo no continente africano. Essa é a primeira viagem de Joe Biden a Africa.

Para por a China e a Nova Rota da Seda, Trump pode apoiar projeto em Angola

Apesar de a viagem de Biden ocorrer nos últimos dias de sua presidência, Donald Trump, ao que tudo indica, deverá apoiar o projeto e se manterá como um parceiro próximo de Angola ao reassumir a Casa Branca em janeiro, segundo fontes que integraram seu primeiro mandato.

Tibor Nagy, ex-embaixador e antigo principal enviado à África durante o governo Trump, destacou que o futuro presidente norte-americano provavelmente terá duas prioridades no continente: a concorrência estratégica com China e Rússia, e a busca por acesso a minerais críticos.

Se bem-sucedido, o Corredor de Lobito não apenas fortalecerá os laços comerciais e diplomáticos dos EUA com a África, mas também contribuirá para um modelo de desenvolvimento mais sustentável e colaborativo.

A expansão para a Tanzânia e a criação de um corredor transafricano são ambições que mostram que os EUA estão dispostos a competir de forma estratégica, conectando o continente a mercados globais por meio de rotas comerciais inovadoras. Com informações de geopoliticalmonitor.

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Armando José de Souza
Armando José de Souza
02/12/2024 09:59

Sou apenas um mecânico, sem formação universitária, mas penso que quem confiar em quem sempre agiu como carrasco. Ou é infantil ao extremo ou é masoquista e sentir-se feliz com o próprio sofrimento.
Os europeus e norte americanos sempre tratou países pobres como escória e não será humanizado agora, que estão preocupado com africanos e sul-americanos.

Yuri Edilson
Yuri Edilson
Em resposta a  Armando José de Souza
02/12/2024 09:59

Eu pensava que os EUA estavam mais interessados em fazer um trem de carga para cobalto e cobre em vez de mais outro muro no sul.

José Flavio Junqueira Enout
José Flavio Junqueira Enout
Em resposta a  Armando José de Souza
02/12/2024 12:54

Alguém acredita em papai Noel quer seja Norte Americano ou principalmente exploradores chineses?

Fabio Lucas Carvalho

Jornalista especializado em uma ampla variedade de temas, como carros, tecnologia, política, indústria naval, geopolítica, energia renovável e economia. Atuo desde 2015 com publicações de destaque em grandes portais de notícias. Minha formação em Gestão em Tecnologia da Informação pela Faculdade de Petrolina (Facape) agrega uma perspectiva técnica única às minhas análises e reportagens. Com mais de 10 mil artigos publicados em veículos de renome, busco sempre trazer informações detalhadas e percepções relevantes para o leitor. Para sugestões de pauta ou qualquer dúvida, entre em contato pelo e-mail flclucas@hotmail.com.

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