Projeto de lei na Câmara propõe multar motoristas que abandonarem animais em vias públicas, alterando o Código de Trânsito e criando penalidades administrativas em todo o país.
O abandono de animais domésticos em vias públicas pode deixar de ser apenas um crime previsto na Lei de Crimes Ambientais e passar também a ser uma infração de trânsito, sujeita à multa e responsabilização administrativa. Essa é a proposta do Projeto de Lei nº 25/2024, em tramitação na Câmara dos Deputados, que pretende incluir o ato de abandonar animais nas ruas, estradas e rodovias entre as infrações previstas no Código de Trânsito Brasileiro (CTB).
A iniciativa parte da constatação de que grande parte dos casos de abandono ocorre por meio de veículos, em locais ermos, rodovias e zonas urbanas, o que torna o ato passível de fiscalização e registro por órgãos de trânsito. O texto quer preencher uma lacuna legal: hoje, as autoridades só podem agir quando o crime é flagrado ou registrado pela polícia ambiental, o que raramente ocorre.
Com a nova redação, o abandono passaria a ser autuado diretamente por agentes de trânsito, que poderiam registrar a infração ao constatar ou comprovar o descarte de um animal na via pública. O objetivo é dar autonomia administrativa aos órgãos de trânsito para coibir a prática, reforçando as penalidades já previstas na legislação ambiental.
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Como o projeto muda o Código de Trânsito
O PL 25/2024 propõe alterar o artigo 170 do CTB para incluir o abandono de animais como infração autônoma. Segundo o texto, será considerado infração “abandonar animal em via pública, independentemente de causar risco direto à circulação de veículos ou pedestres”. A medida tem caráter educativo e punitivo, permitindo que a autuação ocorra mesmo que o ato não gere acidente.
A proposta classifica a conduta como infração gravíssima, com multa multiplicada e possibilidade de suspensão do direito de dirigir. O veículo usado no ato poderá ser identificado por câmeras de monitoramento, radares, ou denúncias registradas com provas visuais. Em caso de reincidência, o projeto prevê agravamento das penalidades e comunicação automática ao Ministério Público para abertura de investigação criminal.
O texto também determina que os órgãos de trânsito municipais e estaduais possam firmar convênios com abrigos, prefeituras e ONGs de proteção animal para monitorar pontos de abandono recorrente. A integração de dados permitiria rastrear regiões críticas e reduzir o tempo de resposta das equipes de resgate.
Fundamentos legais e justificativa do projeto
Atualmente, o abandono de animais é crime previsto no artigo 32 da Lei nº 9.605/1998, com pena de dois a cinco anos de prisão e multa. No entanto, o enquadramento depende de flagrante e da atuação da polícia ambiental, o que torna a aplicação prática limitada.
Ao inserir a conduta no CTB, o legislador busca ampliar o alcance da punição, aproveitando a estrutura de fiscalização eletrônica e presencial já existente em rodovias e centros urbanos.
Segundo a justificativa do projeto, “a maior parte dos abandonos é feita por motoristas que deixam os animais às margens das estradas ou em terrenos baldios. O Código de Trânsito precisa refletir essa realidade e permitir ação direta dos agentes públicos”. A proposta foi apresentada com apoio de deputados ligados à Frente Parlamentar em Defesa dos Animais e ao movimento de proteção ambiental.
A redação também dialoga com a Lei Sansão (Lei nº 14.064/2020), que aumentou a pena para maus-tratos contra cães e gatos, mas não tipificou o abandono em via pública como infração de trânsito. Com a nova proposta, o Brasil passaria a tratar o ato sob duas esferas distintas: ambiental e administrativa, ampliando as ferramentas de prevenção.
Contexto e impacto esperado
Estima-se que mais de 3,5 milhões de cães e gatos sejam abandonados anualmente nas ruas do Brasil, segundo levantamento da Organização Mundial da Saúde (OMS) e dados compilados por institutos de proteção animal.
Durante feriados prolongados e mudanças de estação, os números disparam, especialmente em rodovias e acessos urbanos, onde motoristas descartam animais indesejados.
Com o avanço das câmeras inteligentes e da integração de dados entre prefeituras e concessionárias de rodovias, o abandono passou a ser mais fácil de registrar. O projeto prevê que imagens captadas por sistemas de segurança possam servir como prova administrativa, permitindo autuação mesmo sem abordagem direta.
Especialistas em trânsito avaliam que a medida tem potencial para reduzir os casos de abandono e melhorar a segurança viária, já que animais soltos nas estradas representam risco de acidentes. O Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) estima que mais de 2.000 ocorrências por ano envolvem atropelamento de animais em rodovias federais, gerando prejuízos econômicos e ambientais significativos.
Fiscalização e aplicação prática
Caso o projeto seja aprovado, caberá ao Conselho Nacional de Trânsito (Contran) regulamentar os procedimentos de fiscalização e definir como será feita a comprovação da infração. A expectativa é que a regra entre em vigor 180 dias após a sanção presidencial, tempo destinado à capacitação de agentes e atualização dos sistemas de monitoramento.
Os departamentos de trânsito (Detrans) deverão criar canais específicos para denúncias com envio de imagens e localização geográfica. Já as prefeituras e concessionárias de rodovias serão responsáveis por reforçar sinalizações e campanhas educativas, principalmente em áreas de descarte recorrente.
Em termos operacionais, a medida poderá ser integrada aos programas já existentes de proteção animal urbana, como o CastraPet e as campanhas de microchipagem, tornando possível identificar e responsabilizar os tutores de forma mais ágil.
Tramitação e próximos passos
O projeto tramita na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável e na Comissão de Viação e Transportes da Câmara dos Deputados, antes de seguir para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Por alterar o CTB, a proposta deverá passar também pelo Senado Federal antes de ir à sanção presidencial.
Ainda não há definição sobre o valor exato da multa, mas parlamentares sugerem que seja equiparado às infrações gravíssimas com fator multiplicador 5, o que colocaria a penalidade na faixa de R$ 1.465,00, além dos pontos na CNH e outras sanções administrativas.
Reflexão e relevância social
A inclusão do abandono de animais no Código de Trânsito representa um avanço institucional na luta contra os maus-tratos, transformando uma conduta antes invisível em um ato sujeito a punição imediata. Além de proteger os animais, a medida contribui para a segurança pública e ambiental, ao reduzir acidentes e controlar o crescimento desordenado de animais em áreas urbanas.
Se aprovada, a proposta pode marcar uma mudança significativa na forma como o país enxerga a responsabilidade dos tutores e o papel do poder público na fiscalização.
O Brasil, que figura entre os países com maior população de animais domésticos do mundo, passa a discutir o tema dentro de uma estrutura mais ampla — a do trânsito e da convivência social.



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