Espécie invasora ameaça lavouras, biodiversidade e rebanhos, enquanto projeto de lei propõe descentralização do manejo, remuneração de caçadores credenciados e aproveitamento da carne para conter avanço populacional que preocupa produtores e autoridades.
A escalada de danos causados por javalis e javaporcos reacendeu o debate no Congresso e no agronegócio sobre novas regras de manejo.
Em meio à pressão por respostas rápidas, o deputado Alceu Moreira (MDB-RS), coordenador institucional da Frente Parlamentar da Agropecuária, defende mudanças na legislação para descentralizar o controle hoje concentrado no Ibama e remunerar caçadores credenciados.
A meta, segundo estimativas citadas por entidades do setor, é elevar o ritmo de abate para algo próximo de 1 milhão de animais em 2025, após um ano em que cerca de 500 mil teriam sido eliminados sem conter o avanço populacional.
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Proposta em discussão: descentralização e agilidade
No centro do debate está o PL 4253/2025, apontado pelo parlamentar como caminho para transferir parte das decisões de manejo a estados e municípios.
A ideia é permitir respostas mais rápidas em áreas onde os prejuízos se acumulam.
“Não é correto imaginar que as pessoas que vivem nos municípios, que são autoridades constituídas, sejam menos responsáveis que as pessoas do Ibama. Elas têm meios locais de fazer o controle”, afirmou Moreira, ao defender uma regulamentação nacional que confira autonomia conforme a situação sanitária e populacional em cada região.
Enquanto isso, prefeituras e governos estaduais relatam dificuldades para agir diante de um arcabouço considerado burocrático.
Para os defensores da mudança, a gestão local permitiria cercos, capturas e abates em janelas de tempo mais curtas, reduzindo os estragos nas propriedades rurais.
Pressão do campo: lavouras e rebanhos em risco
O avanço da espécie invasora atinge dois flancos: produção agrícola e sanidade animal. Em lavouras de milho e soja, produtores relatam perdas que, em algumas áreas, podem chegar a 40%.
Além do consumo direto, há relatos de degradação de nascentes, revolvimento do solo e competição com espécies nativas, o que agrava impactos sobre a biodiversidade.
O risco sanitário também preocupa. O javali pode atuar como vetor de peste suína clássica e, em cenários críticos, comprometer estratégias de prevenção a doenças com impacto direto no status sanitário do país, como a febre aftosa.
Para o agro, perder credenciais de país livre dessas enfermidades significa enfrentar barreiras em mercados internacionais e custos adicionais para reconquistar confiança.
Alvos numéricos e histórico recente de abates
Entidades que acompanham o tema apontam que o contingente abatido em 2024 — estimado em 500 mil animais — não foi suficiente para reduzir a população.
Para 2025, a referência de 1 milhão surge como patamar necessário para conter a curva de crescimento e mitigar perdas.
A avaliação é que, sem ações coordenadas e contínuas, os ganhos pontuais de manejo se perdem no ciclo reprodutivo acelerado da espécie.
Remuneração e escala: caçador credenciado como executor
Além da descentralização, Moreira propõe bonificação a caçadores credenciados, equiparando o combate ao javali a outras tarefas de interesse público.
“Se o javali é uma praga que ameaça a economia e a saúde pública, o controle deveria ser um dever do Estado, assim como ocorre no combate à dengue. Mas, se o Estado não está disposto a assumir sozinho essa tarefa, precisa remunerar quem faz”, disse.
A lógica é criar escala operacional e previsibilidade para quem atua em campo, com critérios técnicos, rastreabilidade e fiscalização.
Inspirado em experiências estrangeiras citadas por apoiadores, o modelo remunerado buscaria padronizar procedimentos, reduzir riscos e ampliar o alcance de ações em áreas críticas.
Por outro lado, a remuneração é condicionada, na proposta, a credenciamento e cumprimento de protocolos, evitando improvisos e garantindo registro das operações.
Aproveitamento da carne: proteína sob inspeção
O parlamentar também sustenta que a carne de javali não deve ser descartada quando houver inspeção veterinária e condições sanitárias adequadas.
Segundo ele, frigoríficos regionais poderiam absorver parte dessa proteína para consumo humano, reduzindo desperdícios.
A premissa é que cada animal abatido gere retorno social e econômico, sem abrir mão de controle sanitário rigoroso.
Voz do setor: “bomba-relógio” para o agro
A Associação Brasileira de Caçadores Aqui Tem Javali avalia que a situação atingiu um ponto crítico.
Seu presidente, Rafael Salerno, classificou o quadro como uma “bomba-relógio contra o agro brasileiro”, ao diferenciar o controle da espécie invasora da caça ilegal de fauna nativa, como capivaras e onças.
Para ele, a extinção completa do javali já não é factível e o foco deve ser reduzir danos de forma contínua e escalonada.
Resistência e salvaguardas: o impasse político
Apesar da pressão do campo, a pauta enfrenta resistência ideológica em setores contrários à caça e ao uso de armas.
Críticos receiam que autorizações ampliadas ao javali funcionem como porta de entrada para abusos contra espécies nativas.
Moreira rebate: “Existe a desconfiança de que, autorizando a caça do javali, o caçador também vá caçar outras espécies. Isso é um absurdo. O país não pode ser regulado pela desconfiança. O caçador de javali é disciplinado, está em associações e não quer perder seus direitos”.
Nesse ponto, a discussão se desloca para o desenho regulatório: regras claras de credenciamento, monitoramento por estado e município, registro de abates, limites geográficos e padrões de segurança são citados como instrumentos para prevenir desvios e punir condutas irregulares.
Enquanto isso, especialistas insistem na necessidade de campanhas permanentes, avaliação de indicadores de população e transparência na divulgação de dados.