No Catar, usinas movidas a gás natural produzem 2 bilhões de litros de água por dia, garantindo cerca de 75% da água potável da população em pleno deserto.
O Catar é um país pequeno em território, mas gigantesco em ambição tecnológica. Localizado na Península Arábica, uma das regiões mais áridas do planeta, ele possui um desafio existencial: não há rios, lagos nem reservas subterrâneas significativas de água doce. Ainda assim, em meio a temperaturas que ultrapassam 45 °C no verão e à completa ausência de chuvas regulares, mais de 2,7 milhões de habitantes dependem diariamente de água potável.
A resposta encontrada pelo país foi ousada: transformar o gás natural — do qual o Catar tem uma das maiores reservas do mundo — em energia para mover colossais usinas de dessalinização. Hoje, essas instalações fornecem praticamente 75 a 80 % da água potável consumida no país, numa escala que impressiona engenheiros, ambientalistas e geopolíticos.
O poder das usinas de dessalinização
No Catar, a maior parte da água potável vem de dois complexos principais: Ras Abu Fontas e Ras Laffan. Juntas, essas plantas utilizam o processo de dessalinização térmica por destilação multiestágios (MSF e MED), no qual a água do mar é aquecida até evaporar, separando-se do sal e de outras impurezas.
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Números que impressionam:
- Produção diária combinada: mais de 2 bilhões de litros de água potável (o equivalente a 800 piscinas olímpicas por dia).
- Capacidade instalada: cerca de 2,4 milhões de m³ por dia, segundo a Qatar Electricity & Water Company (QEWC).
- Integração energética: as usinas funcionam em sinergia com termelétricas movidas a gás natural, que produzem simultaneamente eletricidade e vapor para a dessalinização.
Esse modelo — chamado de cogeração — permite ao Catar ser extremamente eficiente em aproveitar seu principal recurso natural, o gás, transformando-o não apenas em energia para exportação, mas em algo ainda mais valioso: água potável.
Dependência total da dessalinização
Enquanto países como Brasil, Canadá e Noruega têm rios abundantes, o Catar vive o extremo oposto. Praticamente 100% da água consumida no país é produzida artificialmente a partir da dessalinização.
Isso significa que:
- Cada copo de água, cada banho e cada irrigação em jardins luxuosos de Doha vem, na verdade, do mar transformado em água doce.
- O custo energético e financeiro é altíssimo, mas o país consegue sustentar o sistema graças à sua riqueza em gás natural liquefeito (GNL), do qual é o maior exportador mundial.
- A dessalinização também garante a irrigação controlada de estufas agrícolas e áreas verdes urbanas, fundamentais para o projeto de “modernização sustentável” que o governo promoveu antes da Copa do Mundo de 2022.
Impacto ambiental e paradoxo energético
O modelo do Catar levanta debates no mundo da sustentabilidade. De um lado, é uma solução tecnológica brilhante para um problema vital. De outro, há críticas:
- Alto consumo de energia: a dessalinização térmica é um dos processos mais intensivos em energia já desenvolvidos.
- Dependência do gás: ao mesmo tempo em que exporta GNL para o mundo, o Catar consome grandes volumes internamente para manter suas usinas de água funcionando.
- Rejeitos salinos: o processo gera salmoura concentrada, despejada de volta ao mar, o que pode afetar ecossistemas costeiros.
Apesar disso, o governo do Catar afirma que tem investido em tecnologias mais eficientes, incluindo plantas que utilizam dessalinização por osmose reversa e projetos pilotos com energia solar.
Comparações globais
Para entender o tamanho do feito catariano, vale comparar com outros gigantes da dessalinização:
Arábia Saudita: líder mundial, produz cerca de 5 bilhões de litros por dia, mas em um território quase 20 vezes maior que o Catar.
Israel: referência em tecnologia de osmose reversa, atende mais de 80% da demanda de água potável do país.
Catar: embora menor, é um dos países mais dependentes do mundo desse processo, sendo um caso extremo de sociedade que só existe graças à dessalinização.
Em proporção populacional, nenhum outro país do planeta depende tanto da tecnologia como o Catar.
O papel estratégico do gás natural
A escolha pelo modelo de cogeração só foi possível porque o Catar está sentado sobre a terceira maior reserva mundial de gás natural, dividida com o Irã no campo gigante de North Dome/South Pars.
Esse recurso garante não só exportações bilionárias de GNL para países da Europa e da Ásia, mas também energia interna abundante para alimentar usinas como Ras Laffan. Em outras palavras:
O mesmo gás que aquece casas na Alemanha e move indústrias na China é usado para transformar água do Golfo Pérsico em água potável para os catarianos.
Esse equilíbrio entre exportação e uso interno é parte da estratégia que fez o Catar ser uma das economias mais ricas do mundo em PIB per capita.
Tecnologia e futuro
Mesmo com tamanha dependência, o Catar já percebeu que não pode basear seu futuro apenas no gás. O país investe em pesquisas para tornar a dessalinização mais sustentável:
- Projetos solares híbridos: usinas-piloto utilizam energia solar para reduzir parte do consumo de gás.
- Avanços em osmose reversa: mais eficiente, pode reduzir até 50% o consumo de energia por litro produzido.
- Parcerias internacionais: cooperação com empresas japonesas e sul-coreanas para desenvolver membranas mais duráveis e processos menos agressivos ao mar.
A meta é reduzir a pegada de carbono sem comprometer a segurança hídrica, algo vital em uma região que projeta aumento de temperatura e maior escassez climática nas próximas décadas.
O milagre diário da sobrevivência
Para qualquer visitante em Doha, beber um simples copo de água em um hotel de luxo ou até regar plantas em jardins urbanos pode parecer banal. Mas, na prática, cada litro consumido é fruto de um processo gigantesco de engenharia, movido pela riqueza energética do país.
Sem as usinas, não haveria como sustentar a vida moderna no Catar. O país, que recebeu milhões de turistas na Copa do Mundo de 2022, só conseguiu oferecer infraestrutura de padrão global porque construiu cidades no deserto abastecidas por água criada artificialmente.
O exemplo do Catar serve de alerta para o mundo. Segundo a ONU, um terço da população global viverá em áreas de escassez hídrica até 2050. Em muitos lugares, a dessalinização poderá deixar de ser exceção para se tornar regra.
Se hoje o Catar usa seu gás para sobreviver no deserto, no futuro países de todos os continentes talvez tenham de adotar soluções semelhantes. E a pergunta que fica é: quem terá recursos e energia suficientes para transformar o mar em água doce em escala massiva?