A França avança com uma proposta inédita: proibir o uso de telas por crianças menores de 3 anos em todos os ambientes. A medida reacende o debate sobre telas e desenvolvimento infantil e pode influenciar políticas em outros países
O governo francês propôs uma medida radical: a proibição total do uso de telas por crianças menores de 3 anos, tanto em casa quanto nas instituições de ensino. A ideia é impedir que o contato precoce com smartphones, tablets e televisores comprometa o desenvolvimento infantil. Com base em evidências científicas, a medida visa proteger a saúde cognitiva, emocional e física dos pequenos — e acendeu um alerta global sobre os riscos do uso indiscriminado de tecnologia na primeira infância.
Entenda a proibição de telas para crianças na França?
A proposta, apresentada pela ministra da Saúde da França, Catherine Vautrin, faz parte de um pacote de ações voltadas à infância. O texto sugere uma lei na França sobre uso de telas que restrinja qualquer exposição a dispositivos digitais por crianças menores de 3 anos na França, tanto em casa quanto em creches e escolas.
Para crianças até 6 anos, o projeto recomenda o uso com forte supervisão e limitações claras. A legislação não prevê punições para pais que descumprirem a orientação dentro de casa, mas funciona como diretriz oficial do Estado. “É uma forma de apoiar os pais e dar um norte claro às escolas”, explicou Vautrin.
-
Existe um tesouro de US$ 20 milhões por quilo escondido na Lua — e estamos prontos para extraí-lo
-
O “Ozempic brasileiro” chega às farmácias com um preço mais acessível. Veja mais sobre
-
Novo relógio atômico é tão exato que pode mudar a forma como o mundo conta o tempo
-
Carregar o celular na cama pode custar caro: risco de incêndio aumenta com lençóis, cobertores e colchões inflamáveis
Telas e desenvolvimento infantil: o que dizem os especialistas
Estudos amplamente reconhecidos por instituições como a OMS (Organização Mundial da Saúde) e a Academia Americana de Pediatria mostram que o uso de telas antes dos três anos está associado a atrasos no desenvolvimento da linguagem, distúrbios do sono, hiperatividade, e dificuldades na socialização.
Segundo a organização francesa de saúde pública Santé Publique France, uma em cada duas crianças de dois anos já usa telas diariamente — número considerado alarmante por especialistas. A relação entre telas e desenvolvimento infantil é preocupante: quando expostas precocemente, as crianças tendem a substituir brincadeiras ativas, interações com outras pessoas e atividades motoras por um comportamento sedentário e passivo.
Além disso, a luz azul emitida por telas prejudica a produção natural de melatonina, impactando diretamente a qualidade do sono. O resultado são noites mal dormidas, irritabilidade e comprometimento da capacidade de concentração ao longo do dia.
Por que a proposta gera impacto global
O posicionamento do governo francês abre um precedente internacional. A medida não é apenas simbólica: é a primeira vez que o governo francês proíbe telas de forma abrangente, incluindo o ambiente doméstico, sendo a primeira grande nação a tomar essa iniciativa.
Outros países também vêm se posicionando. O Reino Unido, por exemplo, proibiu celulares em escolas primárias, enquanto países como Alemanha e Japão discutem limites por idade. No entanto, a França vai além ao colocar foco também no uso dentro de casa, reforçando que o combate ao excesso de telas não pode ser responsabilidade apenas das instituições educacionais.
A medida também visa preparar o terreno para futuras legislações relacionadas ao uso de redes sociais por adolescentes, influenciando diretamente o debate sobre infância e tecnologia.
Crianças sem telas até 3 anos: proteção ou exagero?
A expressão “crianças sem telas até 3 anos” pode soar radical para alguns, especialmente em tempos em que tablets e celulares são usados até para acalmar bebês. Mas para especialistas em neurociência e educação infantil, não se trata de exagero, e sim de prevenção.
Nos primeiros três anos de vida, o cérebro da criança passa por um processo acelerado de formação de conexões neurais. Essa fase, conhecida como “janela de desenvolvimento sensório-motor”, exige estímulos físicos e emocionais reais — como toque, sons naturais, expressões faciais e interação com o ambiente.
A substituição desses estímulos por vídeos, jogos e aplicativos compromete habilidades essenciais, como empatia, raciocínio lógico, coordenação motora e linguagem. A recomendação da Organização Mundial da Saúde é de zero tempo de tela para crianças menores de dois anos — e, para as de dois a cinco anos, no máximo uma hora por dia, com supervisão.
Como a lei na França sobre uso de telas será aplicada?
Embora a proposta seja clara ao afirmar que telas não devem ser usadas por crianças menores de 3 anos na França, a aplicação no ambiente doméstico depende exclusivamente da conscientização dos pais e responsáveis.
A ministra Vautrin esclareceu que a proibição de telas para crianças na França não será imposta por meio de fiscalização nas casas, mas funcionará como uma recomendação oficial de saúde pública, similar ao que já acontece com alimentação e vacinação. O objetivo é gerar um movimento de mudança de comportamento, não de punição.
Nas creches e escolas, no entanto, as orientações poderão ser incorporadas aos regulamentos internos, com treinamentos para educadores e novas práticas pedagógicas voltadas ao desenvolvimento sem telas.
Telas nas escolas: o que muda com a nova proposta?
A lei na França sobre uso de telas impacta diretamente a forma como a tecnologia é inserida na educação infantil. Embora muitos colégios já adotem tablets e vídeos como ferramentas de apoio, a proposta reforça que, na primeira infância, o aprendizado deve ser baseado em estímulos físicos e relacionamentos interpessoais.
A recomendação é clara: atividades manuais, leitura com livros físicos, música, brincadeiras e interação entre colegas devem ocupar o espaço hoje preenchido por vídeos educativos e jogos digitais.
Especialistas defendem que o uso pedagógico da tecnologia só deve ser introduzido após os seis anos, de forma gradual e crítica, com foco em alfabetização digital e não em entretenimento passivo.
Desafios culturais e tecnológicos
Apesar da justificativa científica, a proposta enfrenta resistência cultural. Em muitos lares, as telas funcionam como “babás digitais”, facilitando a rotina de pais sobrecarregados ou que trabalham remotamente. A popularização de vídeos infantis em plataformas como YouTube Kids, somada à facilidade de acesso aos dispositivos, cria um ambiente difícil de controlar.
A nova política exige, portanto, mais do que uma regulamentação: ela demanda uma mudança profunda nos hábitos familiares. Isso inclui a criação de espaços livres de tela, fortalecimento do vínculo afetivo entre pais e filhos e incentivo a atividades presenciais — da leitura compartilhada à ida ao parque.
Além disso, é necessário promover campanhas públicas de conscientização, especialmente em comunidades mais vulneráveis, onde o uso de telas é muitas vezes a única forma de lazer acessível.
Um novo olhar para a infância no mundo digital
A proposta francesa de restringir o uso de telas na primeira infância abre uma conversa necessária e urgente sobre os limites da tecnologia na vida das crianças. Ao defender um período inicial de desenvolvimento livre de telas, o governo francês não apenas propõe uma norma — propõe um modelo de infância.
A medida coloca a saúde mental, o aprendizado natural e os vínculos humanos no centro da discussão. Ao contrário do que alguns sugerem, não se trata de negar o mundo digital, mas de garantir que ele seja introduzido no momento certo e da forma mais saudável possível.
O desafio é global. Famílias, escolas e governos precisarão repensar o papel das telas no cotidiano infantil. O que a França está dizendo ao mundo é simples: proteger os primeiros anos de vida é investir no futuro da sociedade. E talvez, com essa proposta, estejamos testemunhando o início de uma nova era — uma em que a infância volta a ser, de fato, um território livre, criativo e essencialmente humano.