Expansão acelerada das lavanderias self-service chama a atenção de investidores, mas revela bastidores de competição intensa, sazonalidade e desafios ocultos na rotina dos empreendedores e usuários, especialmente em Porto Alegre.
O crescimento acelerado das lavanderias self-service em Porto Alegre, especialmente em 2025, tem chamado a atenção de investidores e consumidores.
Inspirado pelo modelo das barbearias modernas, esse setor passa a ocupar o espaço das lojas de bairro com conceito inovador.
As lavanderias automáticas, com funcionamento sem funcionários e operação totalmente digital, tornaram-se um novo fenômeno comercial na capital gaúcha.
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Dados do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) indicam que foram abertas 73 lavanderias no Rio Grande do Sul apenas em 2025, sendo 17 delas em Porto Alegre, segundo reportagem publicada pelo Zero Hora.
O cenário, no entanto, revela tanto oportunidades quanto desafios pouco visíveis ao público.
Bastidores das lavanderias automáticas
No centro dessa transformação, o setor enfrenta uma disputa intensa entre empreendedores independentes e franqueados, além de desafios operacionais que muitas vezes não aparecem para quem apenas observa o movimento nas lojas.
A explosão de inaugurações, impulsionada pela promessa de gestão simplificada e baixo custo operacional, trouxe consigo uma competição acirrada e relatos de crise financeira entre parte dos proprietários, de acordo com apuração do jornal Zero Hora.
Segundo Adriano Vescovi, 37 anos, que inaugurou sua primeira unidade após conhecer o modelo de autosserviço no Nordeste, o retorno financeiro inicial foi animador, mas a realidade mudou rapidamente.
Ele investiu de forma independente, arcando com a compra de máquinas industriais, manutenção, identidade visual e insumos, sem o respaldo de uma franquia.
“No início foi muito bom, mas depois vieram as franquias. Em menos de três meses, abriram sete lavanderias ao redor da minha loja”, afirma, em entrevista concedida ao jornal Zero Hora.
O crescimento repentino da concorrência, principalmente de franquias, provocou um desequilíbrio no mercado, dificultando a permanência dos pequenos empreendedores.
Além da competição, Vescovi cita a sazonalidade do setor como um dos principais obstáculos: no inverno, a demanda cresce devido ao clima úmido de Porto Alegre, mas no verão e nas festas de fim de ano, o movimento cai drasticamente.
O empresário também destaca custos elevados com produtos — como sabão, que pode custar até R$ 1 mil por galão —, furtos recorrentes e falhas técnicas, agravadas pela automação das lojas.
“A loja é toda automatizada. Se cai a internet, para tudo: pagamento, câmeras, acesso às máquinas. Já tive casos de roubo, de cliente com roupa trancada na máquina, e precisei voltar correndo para destrancar”, relata.
Diante do cenário, Vescovi optou por retornar ao modelo tradicional de lavanderia, com atendimento completo, mas agora tenta vender as lojas, sem sucesso.
“Estão vendendo um sonho. Dizem que você só precisa repor produto e ir embora. Mas a realidade é outra”, alerta o empresário.
Franquias e estratégia: suporte e localização
Por outro lado, há quem veja no segmento de lavanderias self-service um mercado promissor, desde que o investimento seja feito com suporte de uma franquia consolidada.
É o caso do ex-professor de biologia Henrique Acosta Torales, 44 anos, franqueado da rede AquaMagic, com unidade instalada no subsolo do Shopping João Pessoa.
Para ele, o suporte oferecido pela franqueadora — incluindo análise de concorrência, marketing, suporte técnico e acompanhamento — foi fundamental para a decisão de entrar no setor, conforme relatado ao Zero Hora.
Torales destaca a importância estratégica da localização.
“A regra é ter circulação. Um bairro só de casas, por exemplo, não sustenta uma lavanderia. O cliente precisa estar por perto, de passagem. Aqui, a demanda dobra ou triplica em dias de chuva, e conseguimos operar com liberdade”, explica.
Segundo ele, a presença de diversas lavanderias na mesma região pode até beneficiar os negócios, criando um polo de serviços, semelhante ao que ocorre com restaurantes e oficinas.
O jornal também apontou que, apesar das vantagens, o setor enfrenta períodos de baixa, principalmente em janeiro e fevereiro, sendo necessário planejamento financeiro para atravessar a sazonalidade.
Mudança de hábitos e consumo
Além dos empreendedores, a rotina dos moradores da capital também influencia o crescimento desse modelo de negócio.
Para Fernanda Nery da Silva Trindade Bela Vista, 45 anos, natural de Natal, no Rio Grande do Norte, a praticidade oferecida pelas lavanderias self-service foi essencial para sua adaptação à vida em Porto Alegre.
Morando temporariamente na cidade e acompanhando o filho em treinos esportivos, ela buscou na conveniência das lojas automatizadas uma forma de otimizar seu tempo.
“Porto Alegre é muito úmida, e eu não tenho muito tempo para lavar e secar roupa em casa. Então, aderi a esse modelo pela praticidade”, relata.
A experiência, porém, varia conforme o contexto regional.
Em Natal, cidade natal de Fernanda, o clima favorece o uso de áreas externas para secagem de roupas, reduzindo a necessidade de serviços como lavanderias automáticas.
A moradora observa que, mesmo em dias ensolarados na capital gaúcha, a umidade e a falta de espaço em apartamentos dificultam o processo de lavagem doméstica.
Oportunidade, saturação e tendências do mercado
O crescimento das lavanderias automáticas é resultado direto da mudança no estilo de vida das famílias brasileiras, especialmente após a pandemia de covid-19.
De acordo com Jociane Ongaratto, administradora e analista do Sebrae-RS, a expansão do setor está ligada à busca por mais praticidade e terceirização de tarefas do dia a dia.
“O modelo de autosserviço ganhou maturidade no pós-pandemia, quando o consumidor passou a valorizar ainda mais a conveniência”, avalia, conforme análise publicada no Zero Hora.
O perfil dos investidores também mudou.
Muitos são aposentados, profissionais em transição de carreira ou pessoas buscando uma segunda fonte de renda.
O modelo de franquia, segundo o Sebrae, segue como principal motor do crescimento, pois oferece treinamento, planejamento e suporte para quem não possui experiência prévia.
Contudo, a instituição alerta: por mais automatizado que seja o negócio, a presença e o acompanhamento do empreendedor ainda são indispensáveis.
“Existe essa ideia de que vai colocar uma franquia e ela vai se tocar sozinha, mas não é 100% isso. O fator humano precisa estar presente”, enfatiza Ongaratto.
Lucas Roldan, professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e doutor em administração, analisa que o “boom” das lavanderias em Porto Alegre está diretamente relacionado à verticalização das moradias, à diminuição do tamanho das famílias e à ausência de áreas de serviço em apartamentos novos.
O especialista aponta ainda que, apesar do crescimento, o setor está em fase de estruturação e pode sofrer saturação caso o planejamento não acompanhe o ritmo das aberturas.
“Parece simples, mas exige capital de giro, organização e análise do ponto. No verão, o faturamento despenca e quem não se prepara pode não resistir”, destaca.
Como funciona uma lavanderia self-service
O funcionamento das lavanderias automáticas é simples:
- O cliente escolhe uma máquina disponível,
- Realiza o pagamento — normalmente via aplicativo, cartão ou QR Code —
- Seleciona o tipo de lavagem desejado.
- O ciclo costuma durar entre 35 e 40 minutos, com indicação luminosa ou mensagem em tela informando o início e o término da operação.
- O serviço atende desde quem não possui máquina em casa até aqueles que buscam praticidade diante da rotina atribulada.
Lavanderias self-service: tendência sólida ou risco de bolha?
Com baixo custo operacional, expansão acelerada e mudança nos hábitos de consumo, as lavanderias automáticas parecem ter ocupado o espaço deixado por outros negócios de bairro.
Contudo, diante da concorrência crescente, da sazonalidade e das dificuldades de gestão, resta a dúvida:
O setor de lavanderias self-service será capaz de se manter como tendência sólida ou caminha para uma saturação, a exemplo de outros modismos urbanos?