Nas montanhas de Guizhou, uma família mantém rotina de subsistência sem sinal de celular, com energia levada por postes ao longo de uma fenda cárstica, criação de ovelhas, galinhas e porcos e cultivo de milho, painço e feijões, mostrando um modo de vida autossuficiente e resiliente
As montanhas de Guizhou guardam vales profundos, fendas e depressões típicas do relevo cárstico onde uma família vive há décadas em relativa reclusão. A casa, encaixada no fundo de uma fratura entre dois maciços, só foi identificada do alto, por drone, revelando roças ativas, um curral elevado e veículos simples parados à porta.
Sem sinal de celular e distante do asfalto, o núcleo doméstico organiza o cotidiano em torno da criação de animais e do plantio. A eletricidade chega por uma linha dedicada de postes ao longo da fenda e a água vem de uma nascente na encosta de trás da casa, o que viabiliza agricultura contínua e manejo diário de rebanhos.
Onde vivem e como se chega

A moradia fica em uma abertura encaixada nas montanhas de Guizhou, com aspecto de tiankeng e paredes naturais elevadas.
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A estrada é de terra, larga o suficiente para triciclos de carga e, em períodos de tempo firme, para caminhonetes. Carros comuns têm dificuldade, o que explica por que o deslocamento rotineiro ocorre em triciclo ou moto.
Do alto, avistam-se talhões de milho e painço, além de feijões recém-arados com cultivador motorizado. O traçado do caminho exibe marcas frequentes de roda, indício de uso constante para escoar colheitas e transportar insumos.
A logística é curta do campo à casa, mas longa até a vila mais próxima, o que molda a autossuficiência.
Quem são e como se organizam
Os moradores relatam presença familiar ali por várias gerações, com aproximadamente seis décadas de ocupação contínua ligando avós, pais e filhos. Parte da família hoje dorme na vila, mas mantém a casa original ativa para trabalho agrícola, manejo de rebanhos e armazenamento.
As relações com vizinhos da região persistem por meio do trabalho sazonal. A colheita do milho reúne gente das redondezas, e a antiga presença de cinco famílias no vale reduzida a uma atual ilustra a transição recente do território, com casas abandonadas convertidas em depósitos.
O que produzem e por que dá certo
O sistema produtivo combina roças e pecuária de pequeno e médio porte. Há mais de cem ovelhas, dezenas de galinhas em vários estágios e cinco porcos, além de duas a três vacas. O milho e o painço alimentam porcos, ovelhas e aves, fechando o ciclo com esterco incorporado às lavouras.
A decisão de permanecer nas montanhas de Guizhou se sustenta em três pilares: disponibilidade de água de nascente, energia elétrica estável e área suficiente para rotação de culturas. O uso de cultivador motorizado substituiu o arado com boi do passado, reduzindo esforço e tempo de preparo do solo.
Infraestrutura mínima, mas funcional
O vale tem eletricidade puxada especificamente até a residência, com fiação acompanhando o fundo da fenda. Isso permite iluminação, acionamento de máquinas básicas e conservação de insumos. Não há internet e o sinal de celular inexiste, condição que limita comunicação, mas reduz interferências externas no ritmo de trabalho.
A água provém de nascente local, o que resolve abastecimento e irrigação leve. Reservatórios simples armazenam volumes para períodos de maior demanda, especialmente no auge da colheita e no cuidado com os animais.
O desenho das palafitas do aprisco melhora a ventilação e a sanidade do rebanho, com dejetos coletados para adubação.
Casa, anexos e divisão de usos
A casa principal, de madeira, divide espaço com cozinha e áreas de serviço, além de estruturas para aves e suínos. Algumas edificações antigas perderam portas e janelas e passaram a abrigar ferramentas ou grãos.
A organização segue a lógica de proximidade entre plantio, armazenamento e trato dos animais, reduzindo deslocamentos.
Nos fundos, o curral elevado concentra ovelhas e diferencia cordeiros recém-nascidos. Ao lado, o chiqueiro reúne os cinco porcos.
Na frente, as roças se estendem até o limite da encosta, com canteiros de feijão e talhões maiores de milho e painço. Tudo se mantém ao alcance de poucos minutos a pé.
Rotina sazonal e fluxos de trabalho
O calendário anual é marcado pela safra de milho. Em colheita, o fluxo se intensifica com corte, transporte em triciclos e armazenamento. Fora da safra, a prioridade volta ao manejo diário de ovelhas e galinhas, consertos de cercas e preparo do solo com o cultivador.
A família alterna pernoites entre a casa da vila e a casa do vale conforme a carga de trabalho. À noite, costumam recolher o rebanho e retornar à moradia urbana, o que aumenta segurança patrimonial e facilita acesso ocasional a serviços.
Riscos, limites e escolhas
Viver nas montanhas de Guizhou traz limitações claras: ausência de comunicação móvel, acesso difícil em chuvas prolongadas e necessidade de manutenção constante de máquinas e cercas. A dependência de transporte leve impõe cargas fracionadas, exigindo mais viagens para escoar produção.
O isolamento também demanda protocolos próprios de saúde, prevenção de acidentes e organização de suprimentos. Ainda assim, a família avalia que liberdade de horário, controle do trabalho e vínculo com a terra compensam os custos, mantendo o projeto por gerações.
O vale é um ambiente de trabalho e moradia. Quem documenta ou visita precisa pedir permissão, respeitar rotas de manejo e evitar intervenções que atrapalhem rebanhos e colheitas. Presentes simples são bem-vindos quando oferecidos com delicadeza e reciprocidade.
Registros por drone devem preservar privacidade e segurança. A narrativa sobre comunidades isoladas deve priorizar contexto, precisão e consentimento, evitando exotização e foco em dificuldades sem explicar as escolhas e saberes locais.
O que mais chama sua atenção nesse modo de vida nas montanhas de Guizhou: a autossuficiência com água e energia, a escala do rebanho ou a organização das roças no fundo do vale?



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