Uma Toyota Hilux 1998 com motor original rodou 2,5 milhões de quilômetros no Brasil, mantendo pneus 33, escapamento e estepe de fábrica. O dono, um biólogo paulista, adaptou a suspensão para chegar a regiões isoladas do país.
Uma Toyota Hilux SR5 4×4 de 1998 acumula 2,5 milhões de quilômetros no Brasil, com motor original e manutenção em dia, feito que equivale a 62 voltas na Terra.
O dono, o biólogo paulista Paulo Martuscelli — conhecido como Paulão ou Falcon — comprou a picape zero-km em abril de 1998 e, para chegar a áreas remotas do país, adaptou a suspensão para receber pneus 33 em rodas aro 16.
Mesmo após décadas de trabalho pesado, a picape segue ativa, com escapamento de fábrica e estepe no lugar desde 1998.
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A jornada de um biólogo e a origem da quilometragem
Ao longo de anos em estradas e trilhas, a Hilux rodou de São Paulo à Bahia, Piauí, Mato Grosso, Rio de Janeiro e Santa Catarina, entre outros destinos.
As viagens frequentes de trabalho, muitas delas para coletas em unidades de conservação e áreas isoladas, explicam a marca incomum no odômetro.
Falcon relata que a picape sempre foi ferramenta de campo, mais do que um veículo de passeio.
A maior jornada registrada partiu da Serra da Cantareira (SP) rumo a São Gonçalo do Gurgueia (PI), no sul do estado, percurso de cerca de 2 mil km por trecho.
Foram três dias até o destino, duas semanas rodando na região e três dias de volta.
Somando deslocamento e trabalho local, a expedição acumulou aproximadamente 6 mil km.
Em rotas mais curtas, o proprietário mantém o chamado “bate e volta” a Florianópolis (SC), num giro de cerca de 1,5 mil km em um único dia.
Controle da quilometragem após pane no odômetro
No fim dos anos 2000, com quase 1,2 milhão de km, os cabos de aço da engrenagem que movimenta o odômetro romperam.
A partir daí, o controle de vida útil passou a ser feito por registros de trocas de pneus.
Os Geolandar Yokohama ATS 33 costumam durar entre 80 mil e 100 mil km por jogo.
Com base nas notas e prazos de substituição, Falcon calcula a evolução da quilometragem e agenda as revisões preventivas.
Por que escolher a versão aspirada da Hilux
Quando comprou o utilitário, o biólogo buscava um conjunto simples e confiável.
A Hilux havia sido lançada no Brasil em 1992, inicialmente importada de Hamura (Japão), e passou a vir de Zárate (Argentina) a partir de 1997.
Naquele período, já existiam versões turbodiesel mais fortes, como a 2.8 de 91 cv e a 3.0 de 116 cv.
Ainda assim, ele escolheu o 2.8 aspirado exatamente pela manutenção menos exigente.
“Escolhi a Hilux porque era a única que entregava o que eu precisava”, lembra Paulo.
Ele diz ter comparado a picape com Mitsubishi L200 — com a qual conviveu no trabalho na Ferrovia Norte-Sul (MA) — e com Land Rover Defender, usada em serviços no Acre.
Na avaliação dele, durabilidade e custo/benefício pesaram contra a maior agilidade de concorrentes.
Mecânica robusta e desempenho modesto
A Hilux SR5 1998 de Falcon traz motor 2.8 diesel aspirado, quatro cilindros, 78 cv e 17,7 kgfm, acoplado a câmbio manual de cinco marchas e tração 4×4.
O desempenho não é o foco: a aceleração de 0 a 100 km/h leva 25,5 s e a velocidade máxima declarada é de 133 km/h.
O ruído interno é elevado e os engates são mais duros que o padrão atual.
Na prática, afirma o proprietário, o que importa é a capacidade de chegar.
Suspensão e os erros do início
Para acomodar os pneus 33, oficinas recorreram, no início, a soluções de tentativa e erro.
O eixo dianteiro recebeu alargadores diretamente na barra de torção, expediente que altera geometria e centro de gravidade, eleva o esforço sobre cubos, rolamentos e braços e pode comprometer a segurança.
Na traseira, os feixes de mola originais foram removidos e o ferro arqueado para aumentar o ângulo, mas a peça não foi projetada para essa deformação, voltando ao formato até quebrar após fortes impactos.
“Colocar alargador de eixo é um crime com a engenharia do carro, assim como arquear os feixes de mola”, resume Falcon.
O acerto veio uma década depois, quando encontrou um profissional que levou a carroceria pelo chassi com buchas de poliuretano, sem forçar a barra de torção.
Atrás, instalou feixes forjados com o ângulo correto, elevando a resistência e estabilizando o conjunto.
Manutenção disciplinada e peças originais
Com a picape dedicada ao trabalho, a manutenção preventiva virou rotina.
As trocas de óleo, velas, correia dentada, bomba d’água e itens essenciais seguem intervalos rígidos.
A embreagem foi substituída duas vezes por desgaste natural, a primeira com cerca de 1,3 milhão de km.
Os amortecedores especiais têm troca por volta de 100 mil km.
O estofamento interno já foi renovado, mas o estepe permanece intocado desde 1998 e o escapamento continua original.
Para lidar com condições adversas no campo, a bateria migrou de 75 Ah para 90 Ah.
Por fora, a carroceria acumula marcas de uso que contam a história de um veículo com milhares de deslocamentos em ambientes severos.
Segundo o dono, a Hilux quase nunca viu lava-rápido; o foco ficou no que mantém o veículo apto a rodar.
Novo reforço: o SW4 1996 entra na história
A partir de 2010, com cerca de 1,6 milhão de km já percorridos pela Hilux, Falcon adquiriu um SW4 1996 V6 3.0 turbodiesel (152 cv) para as demandas que exigiam mais velocidade.
Em missões de carga e em que não há pressa — ele relata que, no uso diário, evita ultrapassar 80 km/h —, a Hilux de 1998 segue como primeira convocada, aproveitando a capacidade de carga de aproximadamente 1.000 kg.
Toyota Bandeirante e o legado da resistência
A reputação de robustez da Toyota no país ganhou corpo com o Bandeirante, produzido em São Bernardo do Campo (SP) entre 1962 e 2001, com 104.621 unidades fabricadas.
Em outubro de 2024, o autor da reportagem original testou a última unidade feita em 28 de novembro de 2001, um símbolo do que a marca viria a consolidar na linha de picapes.
A Hilux 1998 de Falcon, ativa até hoje, aparece como herdeira direta dessa tradição, convertendo o discurso de durabilidade em dados concretos de uso intenso.
O símbolo de confiança da Toyota
Mais do que números, o histórico da unidade mostra um projeto resistente operando dentro de rotinas de manutenção previsíveis.
Mesmo com um conjunto modesto em potência, a picape cumpriu a proposta de confiabilidade, especialmente após o acerto na suspensão.
O controle da quilometragem, reconstruído a partir de registros de pneus, permitiu manter a agenda mecânica sem depender do odômetro original.
A questão que fica é: quais práticas de cuidado e configuração fariam um utilitário moderno repetir 2,5 milhões de quilômetros em condições semelhantes?