Titulares de cartórios acumulam rendas elevadas por meio de delegações vitalícias, segundo levantamento do jornal Estadão, em um modelo que combina estabilidade, autonomia e fiscalização do CNJ e do Supremo Tribunal Federal.
Titulares de cartórios exercem um serviço público por delegação, com investidura obtida por meio de concurso público, e mantêm o cargo de forma vitalícia.
A perda da delegação ocorre apenas em casos de morte, renúncia, invalidez que impeça o exercício ou decisão administrativa e judicial em razão de falta grave.
Esses profissionais não são servidores públicos e não estão sujeitos ao teto remuneratório do funcionalismo, já que a remuneração é vinculada à arrecadação de emolumentos — valores pagos pelos usuários pelos serviços notariais e registrais.
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Como se chega à titularidade e por que ela é vitalícia
A Constituição Federal de 1988 e a Lei nº 8.935/1994 definiram que a delegação de atividades notariais e registrais depende de concurso público de provas e títulos.
Segundo reportagem publicada pelo jornal Estadão, essa estrutura permite aos titulares exercer a função por tempo indeterminado, desde que cumpram as obrigações legais e disciplinares.
O Supremo Tribunal Federal confirmou o entendimento de que apenas aprovados em concurso podem ocupar a titularidade, validando normas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que declararam vagas as serventias ocupadas sem concurso.
O STF também decidiu que a aposentadoria compulsória, aplicada a servidores e magistrados, não se estende aos titulares de cartório, o que reforça a natureza vitalícia da função enquanto não houver irregularidades no exercício.
“Herança” e indicações políticas: o que a lei permite hoje
O modelo hereditário de cartórios foi extinto com a Constituição de 1988.
Ainda assim, durante os anos 1990 e início dos 2000, vários titulares foram nomeados sem concurso público, prática que passou a ser questionada pelo CNJ com base na Resolução 80/2009, responsável por declarar a vacância de ofícios ocupados de forma irregular.
De acordo com apuração do jornal Estadão, ainda existem cartórios sob comando de titulares nomeados antes da obrigatoriedade do concurso, o que evidencia que parte do processo de regularização segue em andamento.
Em alguns estados, correições e processos administrativos têm sido utilizados para substituir responsáveis não concursados por delegatários aprovados em certames.
A legislação atual não permite a transmissão automática do cargo a familiares nem nomeações políticas para essas funções.
Como funciona a remuneração dos titulares
Os titulares não recebem salário fixo do Estado.
O rendimento vem da arrecadação de emolumentos, valores definidos por lei estadual e fiscalizados pelas corregedorias.
Dessa arrecadação são descontadas despesas operacionais, encargos trabalhistas, tributos e custos de manutenção.
Especialistas explicam que a lucratividade de um cartório depende diretamente do volume de serviços prestados.
Enquanto cartórios de capitais e grandes cidades registram alta movimentação e receita, serventias localizadas em áreas menos populosas podem operar com margens menores ou até deficitárias, dependendo de fundos compensatórios estaduais.
Contratações e nepotismo
A administração interna é de responsabilidade do titular, que pode contratar escreventes e auxiliares com base na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
A Corregedoria Nacional de Justiça, por meio do Provimento 77/2018, proibiu a designação de parentes do antigo delegatário ou de magistrados como interinos de serventias vagas.
Além disso, decisões do CNJ têm reconhecido casos de nepotismo em cartórios conduzidos por interinos e interventores.
O jornal Estadão destacou que, embora a lei impeça a herança direta, familiares podem se beneficiar de cargos de confiança, prática que é acompanhada pelas corregedorias estaduais e pode gerar sanções administrativas quando irregularidades são constatadas.
Fiscalização e regularização pelo CNJ e STF
A fiscalização do Conselho Nacional de Justiça e decisões do STF reduziram a presença de titulares não concursados.
O CNJ determina a vacância de cartórios ocupados de forma irregular e acompanha a realização de concursos públicos estaduais.
Segundo o Estadão, o CNJ intensificou as inspeções e solicitou aos tribunais de justiça relatórios sobre o andamento dos concursos, especialmente nos estados com maior número de serventias vagas.
O Supremo, por sua vez, reafirmou que a delegação notarial e registral tem natureza privada, mas é de interesse público, sujeita à fiscalização disciplinar e tributária.
Projetos e discussões sobre mudanças no modelo
No Congresso Nacional, projetos de lei propõem mudanças no sistema cartorial, como maior transparência nas receitas, padronização de procedimentos e eventuais tetos remuneratórios.
Analistas do setor afirmam que essas propostas visam reduzir desigualdades entre cartórios de diferentes regiões.
Até o momento, não há legislação que imponha aposentadoria compulsória a titulares nem que unifique as tabelas de emolumentos em todo o país.
Especialistas observam que alterações desse tipo exigiriam mudanças constitucionais e ampla negociação entre os estados.
Benefícios indiretos e estrutura familiar
Embora a titularidade não possa ser transmitida, o entorno familiar do titular pode se beneficiar da estrutura do cartório.
A lei permite a contratação de pessoas de confiança, desde que respeitados os princípios da impessoalidade e moralidade pública.
Corregedorias estaduais, contudo, vêm reforçando o controle sobre possíveis conflitos de interesse.
De acordo com o jornal Estadão, ainda há casos em que familiares ocupam cargos administrativos, mesmo sem vínculo de titularidade, o que mantém certo grau de concentração de renda dentro do sistema.
Receita, custos e transparência no sistema cartorial
Os dados de arrecadação variam entre estados e tipos de serventia.
Parte da receita obtida pelos cartórios é destinada a fundos de compensação e programas públicos, conforme determinações estaduais.
O CNJ vem ampliando a transparência sobre essas movimentações financeiras, disponibilizando relatórios e dados abertos para consulta pública.
Segundo especialistas, essas medidas aumentam a fiscalização e ajudam a identificar eventuais desequilíbrios no sistema, especialmente entre serventias lucrativas e deficitárias.
O que permanece inalterado no sistema de cartórios
Quatro princípios seguem em vigor: a exigência de concurso público para a titularidade; a natureza privada da delegação; a vitaliciedade condicionada ao cumprimento das regras legais; e a remuneração por emolumentos, fiscalizada pelos órgãos competentes.
Estados e União discutem possíveis ajustes, mas ainda sem consenso sobre teto de ganhos, uniformização das tabelas e idade-limite para o exercício da função.


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