Brasil anuncia pacote de R$ 30 bi contra tarifaço dos EUA, mas agro e indústria alertam: perdas superam apoio e empregos estão em risco.
Mesmo com a promessa de um pacote bilionário de socorro, anunciado pelo governo brasileiro para tentar amortecer os impactos do tarifaço imposto pelos Estados Unidos, o sentimento entre exportadores e associações empresariais está longe de ser de alívio. Os R$ 30 bilhões anunciados dentro do programa “Brasil Soberano” soam robustos no papel, mas, segundo entidades do agro e da indústria, não chegam perto de compensar as perdas projetadas para os próximos meses — especialmente em setores estratégicos como o café, o petróleo e os alimentos processados.
O temor não é apenas de queda nas receitas externas: a equação pode resultar em milhares de empregos cortados, num efeito cascata que chega à economia doméstica.
Tarifaço de 50% atinge o coração das exportações
Em agosto de 2025, o governo dos EUA determinou uma tarifa de 50% sobre uma ampla gama de produtos brasileiros, numa medida de proteção ao mercado interno que rapidamente se transformou em crise diplomática.
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Dados preliminares já mostram a dimensão do impacto: apenas no setor de café solúvel, as exportações para os Estados Unidos desabaram quase 60% em agosto em comparação com o mesmo mês do ano anterior, segundo a Reuters.
Empresas que dependiam do mercado americano relatam contratos suspensos e estoques encalhados, com margens corroídas pela dificuldade de repassar o custo ao consumidor final.
No petróleo, outro segmento de peso, embarques programados chegaram a ser interrompidos, pois as companhias temem não apenas o impacto direto da tarifa, mas também a incerteza regulatória em torno de isenções e exceções que ainda não estão claramente definidas.
Setores de bebidas, metais, equipamentos e alimentos processados também aparecem na lista de atingidos, criando uma nuvem de incerteza que já afeta cadeias produtivas inteiras.
O pacote de R$ 30 bilhões e suas limitações
Diante desse cenário, o governo brasileiro lançou um pacote de apoio que prevê linhas de crédito subsidiadas, incentivos fiscais e medidas emergenciais para reforçar a competitividade dos exportadores.
Batizado de “Sovereign Brazil”, o programa tenta demonstrar capacidade de reação rápida, ao mesmo tempo em que sinaliza para os parceiros internacionais que o país não ficará de braços cruzados.
Mas associações setoriais foram categóricas: o valor não cobre as perdas potenciais. Se a tarifa de 50% permanecer em vigor por mais de um ano, estima-se que o Brasil perca dezenas de bilhões em receitas de exportação, superando com folga o montante reservado pelo governo.
Para o setor cafeeiro, por exemplo, a retração já registrada em apenas um mês ultrapassa centenas de milhões de dólares em contratos suspensos. No petróleo, a conta pode ser ainda mais salgada se a paralisia nas vendas para os EUA se consolidar.
A pressão das empresas e a Lei da Reciprocidade
Um elemento inédito nessa crise é o alinhamento entre grandes multinacionais americanas instaladas no Brasil como Amazon, Coca-Cola e GM e o próprio governo brasileiro.
Em reunião conduzida pelo Comitê Interministerial de Negociação e Contramedidas, essas companhias declararam apoio às tentativas de reversão ou flexibilização das tarifas, argumentando que também sofrem impactos nas cadeias de suprimento e nos custos de produção.
Do lado brasileiro, a Lei da Reciprocidade Econômica, aprovada em 2025, tornou-se o instrumento de maior peso político. O governo já iniciou o processo formal para avaliar se as tarifas aplicadas pelos EUA se enquadram na legislação e se contramedidas podem ser acionadas.
Mas diplomatas e ministros admitem que a aplicação da lei pode gerar escalada de retaliações, com risco de ampliar a crise. Por isso, a estratégia tem sido combinar pressão diplomática, articulação empresarial e medidas de compensação interna.
O risco de empregos e a pressão social
No fim da cadeia, o que mais preocupa as associações de trabalhadores e sindicatos é o efeito sobre o mercado de trabalho.
A Confederação Nacional da Indústria e entidades ligadas ao agronegócio alertam que, sem acesso ao mercado americano e com margens comprimidas, empresas terão de enxugar custos, o que significa cortes de pessoal.
A cada contrato suspenso ou navio retido nos portos, há dezenas de trabalhadores na lavoura, na indústria e na logística que podem perder o emprego.
O cálculo mais conservador aponta que, se o tarifaço for mantido por mais de 12 meses, milhares de postos de trabalho diretos e indiretos podem ser eliminados, gerando pressão social e política dentro do Brasil.
Isso explica por que a retórica governamental tem sido dura, mas acompanhada de cautela: o objetivo é evitar que uma guerra comercial plena com os EUA empurre o país para uma recessão parcial em setores exportadores chave.
Um equilíbrio delicado
O pacote de R$ 30 bilhões mostra que o Brasil tenta agir de forma coordenada, mas a percepção entre empresários e analistas é que se trata apenas de um amortecedor de curto prazo.
Sem a revisão das tarifas americanas ou sem a abertura de exceções mais amplas, o programa dificilmente evitará demissões em massa ou a quebra de empresas exportadoras.
A crise expõe um dilema: retaliar pode significar mais custos para o consumidor brasileiro, especialmente em setores onde os EUA são fornecedores relevantes; não retaliar pode ser visto como fraqueza e deixar setores exportadores expostos a perdas insustentáveis.
Entre um extremo e outro, o governo tenta ganhar tempo, mas cada semana de tarifas ativas adiciona pressão sobre a economia, o emprego e a política.