Medida do governo norte-americano provoca queda nas vendas, paralisa cargas e pressiona cooperativas e famílias ribeirinhas do Amapá e Pará
Produtores de açaí da Amazônia enfrentam um dos momentos mais desafiadores dos últimos anos. A tarifa de 50% imposta pelos Estados Unidos, em agosto, praticamente inviabilizou as exportações do fruto para o mercado norte-americano — destino principal do produto brasileiro. O impacto atinge não apenas as cooperativas, mas toda a cadeia de produção, da coleta ao beneficiamento.
A cooperativa Amazonbai, que reúne 161 ribeirinhos do Amapá, precisou cancelar o envio de 20 toneladas de polpa que seguiriam para os Estados Unidos. “O cliente disse que não iria arcar com o custo adicional. Para não perder a carga e ter um prejuízo maior, conseguimos enviar para outro cliente em Portugal”, relata Amiraldo Picanço, presidente da Amazonbai.
Mesmo com o redirecionamento, a perda é significativa. “Os EUA compravam 60% da nossa produção. Encontramos alternativas no mercado interno, em Santa Catarina e Brasília, mas ainda é pouco”, explica Picanço. A cooperativa busca agora novos mercados internacionais e, com apoio da Secretaria de Relações Internacionais e Comércio Exterior do Amapá, negocia com duas empresas da China. “Esperamos que, daqui a três ou quatro meses, estejamos aptos para vender para lá. Não podemos ficar dependentes do mercado norte-americano”, conclui.
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No Pará, impacto econômico ameaça empregos e renda
O problema também se estende ao Pará, estado responsável por cerca de 95% da produção nacional de açaí. De acordo com Alex Carvalho, presidente da Fiepa (Federação das Indústrias do Estado do Pará), a medida dos EUA pode gerar uma retração de até 20,1% nas exportações totais para aquele país, sendo 8% concentrados apenas no açaí.
“Esse cenário compromete a competitividade do fruto, reduz a produtividade e ameaça milhares de empregos. Também atinge comunidades amazônicas que dependem da coleta, transporte e beneficiamento do açaí”, afirma Carvalho.
Os Estados Unidos são o principal destino das exportações do Pará, correspondendo a mais de 75% do total enviado. De janeiro a junho de 2025, o estado exportou US$ 43,6 milhões em açaí para o mercado norte-americano — um crescimento de 59,34% em relação ao mesmo período de 2024. “Agora, todo esse avanço está em risco”, alerta. No acumulado geral, as exportações somaram US$ 57,8 milhões, uma expansão de 64,96%.
Ameaça à cadeia produtiva e risco de desemprego
Para Nazareno Alves, presidente da Amaçaí (Associação de Produtores de Açaí da Amazônia), exportar para os Estados Unidos deixou de ser viável. “Os empresários estão buscando outros mercados porque a conta não fecha”, resume.
O impacto é amplo e afeta toda a estrutura produtiva. Carvalho destaca que, no auge da safra, a colheita de açaí movimenta entre R$ 15 e R$ 20 milhões por dia, com cerca de 250 mil latas produzidas diariamente. Esse ciclo beneficia agricultores, barqueiros e trabalhadores da floresta, mas está ameaçado pela retração nas exportações.
A estimativa é que o setor gere 5 mil empregos diretos e 15 mil indiretos, além de milhares de postos informais. “A medida ameaça o modelo de desenvolvimento sustentável da Amazônia, que combina geração de renda, inclusão produtiva e conservação da floresta”, afirma Carvalho.
Setor busca novos destinos e apoio institucional
Em meio à crise, parte dos produtores aposta na diversificação de mercados. Jhoy Gerald Silva, o Rochinha Jr., diretor de comunicação da Acpab (Associação da Cadeia Produtiva do Açaí de Belém), acredita que o impacto do tarifaço pode ser menor do que se imagina.
“Com o aumento da demanda interna e a pouca produção nas áreas ribeirinhas, devido às mudanças climáticas, de dois anos para cá, acho que o impacto será mínimo”, avalia. Segundo ele, outros países já demonstram interesse pelo produto. “Temos o Japão, a Europa, Portugal e os Emirados Árabes. E com mais de 140 países vindo para a COP 30, a tendência é que surjam novos mercados para o açaí”, completa.
A empresa Maná Açaí, parceira de Rochinha Jr., exportava cerca de 2% da produção para os EUA. Atualmente, 75% da produção é destinada ao mercado interno brasileiro, 12% a Portugal e o restante ao próprio Pará.
O governo federal anunciou, em agosto, um programa de compra direta de açaí de produtores afetados pela tarifa. Já a Fiepa afirma estar atuando junto ao governo do Pará e ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio para encontrar soluções diplomáticas e econômicas.
Carvalho explica que estão sendo estudadas medidas como linhas de financiamento específicas, seguro de crédito à exportação e incentivos à abertura de novos mercados. “A diversificação exige tempo, por envolver barreiras sanitárias, certificações, custos logísticos e negociações contratuais. Ainda assim, é prioridade reduzir a dependência de um único destino e fortalecer a bioeconomia regional”, ressalta.
Mudanças climáticas agravam a queda de produção
Além das tarifas, os produtores enfrentam os efeitos do clima. O diretor da Acpab, Rochinha Jr., afirma que a produção caiu cerca de 30% em relação ao ano passado, devido à estiagem e à falta de irrigação nas áreas ribeirinhas.
Em Itacoan Miri, no município de Acará (PA), o produtor quilombola Adelino Cardoso relata perdas ainda maiores. “Tive que fazer praticamente uma nova plantação, com um novo sistema de irrigação”, conta. Segundo ele, cerca de 600 famílias da comunidade dependem do açaí como principal fonte de sustento.
As oscilações climáticas dificultam o cultivo. “Para produzir bem o açaí, não tem que ter nem muito sol nem muita chuva. Mas quando chega o inverno amazônico, são pancadas gigantes de água. E no verão, é sol que não acaba mais”, explica Nazareno Alves, da Amaçaí.
Futuro incerto e necessidade de adaptação
Entre tarifas, estiagens e incertezas, o açaí continua sendo um símbolo de resistência e sustento para milhares de famílias amazônicas. Os produtores buscam adaptar-se, diversificar mercados e modernizar sistemas de irrigação para garantir a continuidade da produção.
A crise atual expõe a vulnerabilidade da dependência de um único comprador internacional, mas também revela o potencial de expansão em novos mercados. A força da Amazônia está, mais uma vez, sendo colocada à prova.
E você, leitor: diante desse cenário, o Brasil deve investir mais na diversificação do comércio exterior ou fortalecer o consumo interno do açaí amazônico?
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