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Mais países na África se distanciam do dólar com a chegada do sistema de pagamentos internacional da China — abrindo caminho para uma rede financeira alternativa

Escrito por Valdemar Medeiros
Publicado em 16/08/2025 às 11:32
Mais países na África se distanciam do dólar com a chegada do sistema de pagamentos internacional da China — abrindo caminho para uma rede financeira alternativa
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China avança na África com sistema de pagamentos que afasta países do dólar e abre caminho para uma rede financeira alternativa global.

O dólar americano, que há décadas reina como moeda dominante no comércio internacional, começa a enfrentar um movimento silencioso, mas crescente, no continente africano. Nas últimas semanas, novas sinalizações apontam que países da África estão ampliando o uso de sistemas alternativos de pagamento, estimulados diretamente por iniciativas da China. A chegada de um plano internacional liderado por Pequim para fortalecer o uso de moedas locais e, gradualmente, consolidar o yuan como instrumento de liquidação comercial, está abrindo espaço para um cenário inédito: a construção de uma rede financeira paralela ao dólar.

Essa transformação, embora gradual, tem implicações profundas para o equilíbrio econômico global. Se consolidada, pode acelerar um processo que há anos vem sendo chamado de “desdolarização” — uma tentativa de reduzir a dependência do dólar nas transações internacionais. O epicentro dessa mudança, hoje, é a África, região estratégica tanto por seus recursos naturais quanto por sua posição geopolítica.

O avanço da China no comércio africano

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A presença da China na África não é novidade. Nos últimos 20 anos, Pequim se tornou o maior parceiro comercial do continente, movimentando mais de US$ 282 bilhões em 2023, segundo dados oficiais. O fluxo não envolve apenas a compra de petróleo, minerais e commodities agrícolas, mas também investimentos em infraestrutura, empréstimos e tecnologia.

Nesse cenário, depender do dólar para todas as transações se tornou um gargalo. A volatilidade da moeda americana, somada às sanções financeiras impostas por Washington a países estratégicos, como Zimbábue e Sudão, abriu espaço para que a China oferecesse uma alternativa: liquidar contratos em moedas locais ou diretamente em yuan.

Em 2024, essa iniciativa ganhou corpo com a criação de mecanismos de compensação financeira entre bancos africanos e instituições chinesas, evitando a necessidade de passar pelo sistema SWIFT — dominado pelo Ocidente. Esse modelo, que se aproxima de um “Pix internacional”, permite que países africanos realizem pagamentos instantâneos, mais baratos e sem depender de bancos americanos.

Países que já aderiram à rede alternativa

A tendência não está restrita a um ou dois países. Nigéria, Quênia, Etiópia e África do Sul são alguns dos exemplos de nações que já assinaram acordos com a China para ampliar o uso de moedas locais e do yuan em parte de suas transações.

Na Nigéria, o Banco Central começou a expandir os acordos de swap cambial com o yuan, permitindo que importadores paguem produtos chineses sem recorrer ao dólar. Já na Etiópia, que enfrenta uma grave crise de dívida externa, o uso do yuan em contratos de obras financiadas pela China se tornou uma saída para reduzir custos de conversão cambial.

A África do Sul, membro do BRICS, tem ainda mais incentivos: em 2023, o bloco anunciou estudos para criar uma moeda comum ou sistemas de pagamento integrados, reforçando a tendência de que o comércio intra-BRICS se afaste cada vez mais do dólar.

O impacto no comércio global

O afastamento do dólar na África pode parecer, à primeira vista, limitado ao continente. Mas os impactos são muito maiores.

A África é hoje uma das regiões com maior crescimento populacional e econômico do planeta. Estima-se que, até 2050, o continente terá 2,5 bilhões de habitantes e será peça-chave na produção de alimentos e energia limpa.

Se os países africanos consolidarem uma rede de pagamentos alternativa, o movimento pode se espalhar para outras regiões emergentes que já têm parcerias fortes com a China, como América Latina e Sudeste Asiático. Isso significaria reduzir o papel do dólar não apenas em pequenos contratos, mas em cadeias inteiras de commodities estratégicas, como petróleo, gás, cobre e grãos.

A reação dos Estados Unidos

É claro que esse movimento não passa despercebido por Washington. Nos últimos meses, autoridades americanas reforçaram os alertas sobre o “risco sistêmico” da desdolarização, apontando a expansão do yuan como um desafio geopolítico direto.

O Departamento de Estado acompanha de perto a criação de novos sistemas de pagamento fora da órbita ocidental. Embora o dólar ainda seja responsável por quase 60% das reservas internacionais do mundo e por mais de 80% das transações globais de câmbio, a erosão gradual desse domínio preocupa.

Para os EUA, o avanço chinês na África não é apenas econômico. É também estratégico: cada contrato fechado em yuan significa menos dependência do sistema financeiro americano e, consequentemente, menos poder de pressão por meio de sanções.

O paralelo com o “Pix mundial” do BRICS

O movimento da China na África dialoga diretamente com outra iniciativa em andamento: a construção de um sistema de pagamentos integrado pelo BRICS, muitas vezes apelidado de “BRICS Pay”. Esse mecanismo busca facilitar o comércio entre os países do bloco sem passar pelo dólar, com liquidação em moedas locais ou no yuan.

Na prática, o que a China está testando na África pode ser um protótipo para esse modelo mais amplo. Ao oferecer infraestrutura tecnológica, criar centros de compensação de yuan em cidades africanas e firmar acordos bilaterais, Pequim constrói as bases de uma rede global que, no futuro, pode se expandir para dezenas de países.

O que muda para a África?

Para os países africanos, a principal vantagem é a redução de custos. Hoje, transações em dólar exigem taxas bancárias elevadas, prazos longos e riscos de sanções. Com sistemas alternativos, a liquidação é mais rápida e barata, estimulando empresas locais a ampliar o comércio com a China.

Além disso, a diversificação financeira reduz a vulnerabilidade ao dólar. Em momentos de alta da moeda americana, como ocorreu em 2022, muitas economias africanas foram sufocadas por dívidas externas em dólar. Se parte desses compromissos puder ser feita em yuan ou moedas locais, a pressão diminui.

Por outro lado, críticos alertam que essa dependência crescente da China pode gerar uma nova forma de vulnerabilidade. Em vez de estarem presos ao dólar, os países africanos podem se tornar excessivamente ligados ao yuan, fortalecendo a influência política e econômica de Pequim no continente.

Mais países na África estão, de fato, se distanciando do dólar. E esse movimento tem a marca clara da China, que, com pragmatismo, vem oferecendo alternativas tecnológicas e financeiras para acelerar a transição. Embora ainda distante de substituir o dólar no comércio global, a iniciativa abre um precedente inédito: pela primeira vez, um continente inteiro pode adotar, em larga escala, sistemas paralelos de pagamento liderados por Pequim.

Esse processo representa muito mais do que economia. Ele reflete uma disputa pela hegemonia financeira e pela capacidade de moldar a ordem internacional. Se a África se consolidar como palco dessa transformação, o dólar poderá enfrentar um dos maiores desafios de sua história — e a China, com seu “Pix internacional”, pode estar prestes a mudar as regras do jogo.

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Valdemar Medeiros

Formado em Jornalismo e Marketing, é autor de mais de 20 mil artigos que já alcançaram milhões de leitores no Brasil e no exterior. Já escreveu para marcas e veículos como 99, Natura, O Boticário, CPG – Click Petróleo e Gás, Agência Raccon e outros. Especialista em Indústria Automotiva, Tecnologia, Carreiras (empregabilidade e cursos), Economia e outros temas. Contato e sugestões de pauta: valdemarmedeiros4@gmail.com. Não aceitamos currículos!

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