Estudo publicado na Science Advances analisou 5 anos de dados horários da rede dos EUA e concluiu que instalar energia solar nos lugares certos evita muito mais CO₂ do que espalhar painéis indiscriminadamente. Aumentar a geração solar em 15% poderia cortar 8,54 milhões de toneladas por ano.
A discussão sobre onde instalar energia solar ganhou uma reviravolta com um modelo computacional desenvolvido por pesquisadores de Harvard, Rutgers e Stony Brook. Em vez de adotar a lógica do “quanto mais, melhor”, o estudo mostra que o impacto climático varia fortemente por região e que focar nos pontos certos rende cortes de emissões muito superiores.
A novidade está no uso de dados horários de 2018 a 2023 e na mensuração de efeitos imediatos e tardios das usinas fotovoltaicas, tanto dentro de cada região quanto nos vizinhos interligados pela rede. Essa abordagem permite enxergar o que chamamos aqui de “rentabilidade climática” de cada kilowatt-hora solar.
Os autores estimam que elevar a geração solar em 15% reduziria 8,54 milhões de toneladas de CO₂ por ano, o equivalente a cerca de 12% da meta anual de redução prevista pela EPA. O dado reforça que priorizar localização é tão importante quanto ampliar capacidade instalada.
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Para contextualizar, mesmo em 2023 a matriz elétrica americana ainda era 60% fóssil, e apenas 3,9% solar, cenário que explica por que novos megawatts fotovoltaicos podem deslocar emissões significativas em regiões dependentes de carvão e gás.
Energia solar onde instalar reduz mais CO₂: o que o estudo diz
A pesquisa, publicada em 30 de julho de 2025 na Science Advances, analisou 13 regiões do sistema elétrico dos EUA com um modelo estatístico que capta como aumentos de solar afetam as emissões hora a hora. O objetivo foi identificar onde cada novo painel entrega o maior retorno climático.
O resultado central é simples de entender, nem todo megawatt solar evita a mesma quantidade de CO₂. Em regiões onde a geração marginal substitui carvão ou gás, o ganho é grande. Onde a matriz já é limpa, o benefício marginal é pequeno.
Outro avanço foi quantificar efeitos defasados. Na Califórnia, por exemplo, um acréscimo de 15% de solar ao meio-dia esteve associado a 147,18 t de CO₂ a menos na primeira hora e ainda 16,08 t a menos oito horas depois, evidência de que o efeito da solar não se limita ao horário de pico.
Com base nesses padrões, os pesquisadores estimam que +15% de solar levaria a 8,54 milhões de toneladas anuais a menos de CO₂, contribuindo com cerca de 12% da meta anual da EPA. Para políticas públicas, isso sugere priorizar projetos com maior CO₂ evitado por kWh.
Regiões prioritárias para instalar painéis solares
O estudo aponta Califórnia, Flórida, Meio Atlântico, Meio Oeste, Texas e Sudoeste como áreas onde pequenas expansões de solar geram grandes reduções de emissões, justamente por deslocarem usinas a carvão e gás nos momentos críticos da operação.
Já em Nova Inglaterra, região Central e Tennessee, o efeito é modesto, mesmo com aumentos maiores de solar. O motivo é a matriz relativamente mais limpa, com participação de hidrelétricas, nuclear e gás mais eficiente, o que reduz o CO₂ marginal evitado por kWh solar.
Essa leitura não é um “contra solar” nessas áreas, e sim um guia prático, primeiro investir onde o retorno climático é maior, depois expandir para regiões com ganho marginal mais baixo. Assim, o país acelera a descarbonização total com os mesmos recursos.
Classificar projetos não apenas por custo do MWh, mas também pelo CO₂ evitado por MWh em cada local. Isso muda prioridade de leilões, licenciamento e conexão à rede.
Efeito contágio, transmissão e baterias: por que instalar em um lugar limpa o ar de outro
Uma das descobertas mais interessantes é o efeito de contágio. Ao conectar regiões por linhas de transmissão, a solar extra de um estado pode substituir geração fóssil em vizinhos. O estudo mediu esse derramamento de benefícios com números concretos.
Na prática, aumentar 15% a solar na Califórnia esteve associado a reduções diárias de 913 t de CO₂ no Noroeste e 1.942 t no Sudoeste. Ou seja, instalar painéis no deserto do Arizona pode reduzir emissões no Oregon, desde que a rede consiga escoar a energia nos horários certos.
Os autores destacam que transmissão e armazenamento ampliam muito esse ganho. Ao exportar solar diurna e armazenar excedentes para horários noturnos, o corte de emissões se espalha por várias horas e por múltiplas regiões. Isso reforça a urgência de acelerar linhas de transmissão e projetos de baterias junto com novos parques solares.
Para investidores e gestores públicos, isso significa olhar o pacote completo: local certo, rede reforçada e armazenamento. Só assim a rentabilidade climática vira realidade no sistema elétrico inteiro.
Como a pesquisa foi feita e por que ela é confiável
O trabalho usou cinco anos de dados horários da EIA, cobrindo geração, demanda e emissões em 13 regiões dos EUA entre 1º de julho de 2018 e 2023. Em cima disso, aplicou um modelo estatístico que estima o efeito de aumentos percentuais de solar no CO₂, tanto de imediato quanto com atraso.
A combinação de granularidade horária e recorte regional permite separar o que é efeito local do que é efeito de rede, algo que estudos anteriores com médias anuais não captavam com a mesma precisão. Essa é a base para o mapa de onde cada painel faz mais diferença.
Além de Harvard, a equipe inclui Rutgers e Stony Brook, com publicação em periódico revisado por pares. A comunicação institucional de Harvard e Rutgers detalha números e metodologia, e a cobertura técnica da PV Magazine USA relaciona o achado com a meta anual de 69 MMT de CO₂ da EPA, apontando que o ganho estimado de 8,54 MMT corresponde a cerca de 12% dessa meta.
Para reforçar a robustez, as notas à imprensa listam explicitamente os valores horários na Califórnia e o spillover diário entre regiões, que citamos nesta matéria. Esses números podem ser conferidos nas fontes citadas.
O que muda para políticas públicas, empresas e para o Brasil
Para formuladores de políticas, o recado é priorizar CO₂ evitado por MWh ao definir metas, leilões e localização de usinas. Em vez de distribuir projetos pelo mapa inteiro, vale concentrar primeiro onde a substituição de carvão e gás é mais intensa, ao mesmo tempo em que se destrava transmissão e armazenamento.
Para investidores, a agenda de permiting e conexão deve considerar que um projeto com maior efeito marginal pode ter payback climático superior, mesmo com custo de capital similar. Isso também orienta PPAs e estratégias de portfólio que valorizem o impacto por localização.
Para o Brasil, a lição é replicar o método, usar dados horários do SIN, estimar CO₂ evitado por MWh em cada submercado, e cruzar com capacidade de transmissão e armazenamento. O país ganha ao direcionar a expansão solar para pontos com retorno climático máximo, em vez de tratar todo megawatt como igual.
Em síntese, o “onde” vem antes do “quantos”. Com escolhas mais inteligentes, a energia solar entrega mais clima por real investido, e mais rápido.