Mesmo com diploma ou curso técnico, 57% dos brasileiros dizem que está quase impossível conseguir emprego, aponta pesquisa da FGV.
A sensação de que o mercado de trabalho brasileiro está cada vez mais fechado não é apenas impressão. Uma pesquisa divulgada pela Fundação Getulio Vargas (FGV) revelou que 57,3% dos trabalhadores afirmam ser difícil ou muito difícil conseguir emprego no Brasil em 2025, mesmo com os índices oficiais de desemprego indicando melhora. O dado expõe uma realidade preocupante: a dificuldade de inserção profissional atinge não apenas quem tem baixa escolaridade, mas também brasileiros com curso técnico e diploma universitário.
Um país que cresce, mas não gera oportunidades
A sondagem, realizada pelo Instituto Brasileiro de Economia da FGV (Ibre/FGV), mostra que, apesar da taxa de desocupação ter recuado para 5,6%, o menor nível em 13 anos, segundo o IBGE, a percepção das famílias é de que o emprego está cada vez mais escasso.
Isso ocorre porque o mercado está mais exigente, com menor oferta de vagas formais e uma grande concentração de oportunidades em setores de baixa remuneração.
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Enquanto o número de empregos informais segue crescendo, as vagas com carteira assinada e benefícios se mantêm praticamente estáveis.
“Há uma sensação generalizada de insegurança. Mesmo quem trabalha teme perder o emprego ou não conseguir outro rapidamente”, explicou o economista Rodolpho Tobler, coordenador da pesquisa da FGV.
Até quem estudou enfrenta dificuldade
Um dos pontos mais alarmantes do levantamento é que a dificuldade de recolocação atinge todas as faixas de escolaridade. Profissionais com curso técnico ou graduação — tradicionalmente mais valorizados relatam enfrentar longos períodos de busca, processos seletivos lentos e salários menores do que esperavam.
De acordo com a FGV, a sobreoferta de mão de obra qualificada e o baixo crescimento industrial criaram um gargalo no mercado. Engenheiros, técnicos de manutenção, administradores e profissionais de TI têm enfrentado uma disputa acirrada por vagas. Em muitos casos, o salário oferecido é até 30% inferior ao registrado antes da pandemia.
“A qualificação deixou de ser um diferencial e passou a ser um requisito básico. O problema agora é que há mais gente qualificada do que vagas disponíveis”, destacou Tobler.
Jovens e profissionais seniores sofrem mais
O levantamento aponta ainda que os dois extremos etários do mercado são os mais penalizados. Entre jovens de 18 a 24 anos, 68% relatam dificuldade em conseguir o primeiro emprego, enquanto entre os trabalhadores com mais de 50 anos, 61% dizem enfrentar rejeição devido à idade.
Empresas têm priorizado perfis “intermediários”, profissionais entre 25 e 45 anos e com experiência recente. Essa tendência tem empurrado jovens para empregos temporários e idosos para a informalidade, reforçando a precarização das relações de trabalho.
Setores que ainda contratam
Apesar do cenário desafiador, há nichos que seguem contratando. Segundo a FGV, o setor de serviços essenciais (como transporte, alimentação e saúde) foi o que mais abriu vagas em 2025, seguido pelo agronegócio e pela construção civil.
Já segmentos como tecnologia, energia e finanças estão contratando menos, em parte devido à desaceleração econômica global e aos juros ainda altos no Brasil.
O Ministério do Trabalho estima que cerca de 1,2 milhão de novas vagas devem ser criadas até o fim de 2025, mas a maioria delas deve se concentrar em áreas de média ou baixa remuneração.
“O desafio é gerar empregos de qualidade. O crescimento do PIB não se traduz automaticamente em oportunidades formais e bem pagas”, afirmou o ministro Luiz Marinho em coletiva recente.
A distância entre o desemprego real e o desemprego percebido
A aparente contradição entre os dados oficiais e a percepção popular tem explicação. O IBGE mede o desemprego considerando apenas quem está ativamente em busca de trabalho.
Já a FGV capta o sentimento de dificuldade, que inclui trabalhadores desalentados — aqueles que desistiram de procurar emprego por não acreditar que vão conseguir.
Atualmente, o país tem mais de 4 milhões de brasileiros nessa situação, número que se mantém praticamente estável desde 2022. Isso explica por que, mesmo com indicadores positivos, a sensação nas ruas é de que o desemprego continua alto.
O peso da informalidade
Outro ponto que agrava a percepção é a informalidade. De acordo com o IBGE, quase 40% da força de trabalho brasileira atua sem carteira assinada, seja como autônomo, vendedor informal ou prestador de serviço temporário. Embora esses trabalhadores não estejam desempregados, eles enfrentam falta de estabilidade, baixos rendimentos e ausência de benefícios como férias e 13º.
O economista Alexandre Schwartsman avalia que essa é a face mais cruel do mercado atual: “O Brasil conseguiu reduzir o desemprego, mas às custas de empregos mais precários. A sensação de vulnerabilidade é real, especialmente nas classes médias e populares.”
A nova corrida por capacitação
A busca por diferenciais profissionais tem levado milhares de brasileiros a investir em cursos de atualização e certificações técnicas.
Segundo o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), a procura por formações rápidas cresceu 22% em 2025, com destaque para áreas como manutenção industrial, eletricidade e automação.
Entretanto, os especialistas alertam que a educação sozinha não basta. É preciso combinar capacitação com políticas públicas que incentivem o investimento produtivo e a geração de empregos de qualidade. “Formar mais pessoas é importante, mas sem indústria forte e sem crédito acessível, o mercado não absorve essa mão de obra”, concluiu Tobler.
Perspectivas para 2026
Para os próximos meses, o mercado deve continuar desaquecido. Analistas da FGV e do Banco Central projetam crescimento tímido no número de vagas formais, com retomada mais consistente apenas a partir de 2026 — caso os juros recuem e a economia global se estabilize.
Enquanto isso, o trabalhador brasileiro segue convivendo com o paradoxo de um país que cresce, mas não emprega.
Para muitos, o diploma e o esforço pessoal já não são garantia de oportunidade. E a estatística de 57% — mais da metade da população dizendo ser difícil encontrar trabalho é o retrato de um mercado que ainda não se recuperou totalmente das cicatrizes deixadas pela pandemia e pela desaceleração econômica dos últimos anos.