Em Minas Gerais, Lula criticou a interferência dos Estados Unidos, reafirmou a defesa da soberania nacional, anunciou conselho sobre minerais estratégicos e comentou sobre julgamento e pedidos de anistia ao ex-presidente Jair Bolsonaro.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva retomou o discurso de defesa da soberania nacional durante agenda em Minas Gerais e criticou interferências externas na política brasileira.
Ao inaugurar o Centro de Tecnologia e Inovação Agroindustrial, em Montes Claros (MG), ele afirmou: “Eu sonho com uma nação independente. Por isso eu não aceito que ninguém venha dar palpite sobre a democracia brasileira e se meter na soberania brasileira.”
Segundo Lula, o país “tem que ter caráter e dignidade para não ser desrespeitado”.
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Soberania e interferência dos EUA
No pronunciamento, o chefe do Executivo mirou os Estados Unidos ao comentar a crise diplomática desencadeada pelo chamado “tarifaço” e rejeitou condicionantes externos. “Nós é que precisamos pensar no tipo de nação que queremos construir”, disse.
Em seguida, reforçou que não espera soluções vindas de Washington: “Não podemos ficar rindo para os Estados Unidos na expectativa de eles fazerem o que estamos precisando. Eles não vão.”
Para ilustrar o argumento, questionou: “Qual país da América Latina vizinho aos Estados Unidos ficou rico? Estou falando de 500 anos.”
Educação e projeto de desenvolvimento
Ainda na mesma fala, Lula vinculou soberania a educação e inovação, citando o papel de centros tecnológicos no interior do país.
De acordo com ele, ampliar acesso ao ensino e à ciência é condição para um desenvolvimento menos dependente de decisões externas.
A aposta, repetiu, é em capacitação local, indústria e agregação de valor a recursos naturais.
Relação Brasil–EUA em momento crítico
O clima entre Brasília e Washington foi qualificado como delicado por especialistas ouvidos pelo jornal O Globo.
Segundo a publicação, estudiosos da política externa brasileira e do histórico de dois séculos de relações bilaterais avaliam que o momento é “o mais crítico” em décadas.
Eles apontam “ingerência” incomum dos EUA na agenda doméstica do Brasil sob o governo de Donald Trump.
Entre os fatores citados está a ausência de um canal direto e funcional entre o Palácio do Planalto e a Casa Branca, o que agrava ruídos num período de atritos comerciais.
Mineração e disputa por minerais críticos
Durante a agenda em Montes Claros, o presidente anunciou a criação de um conselho ligado à Presidência da República para tratar de minerais críticos, área que, segundo ele, exige coordenação estratégica.
A medida mira recursos como as terras raras, insumos essenciais para tecnologias de ponta e alvo de interesse de potências estrangeiras.
“Vou criar um conselho ligado à Presidência da República”, declarou. “Ninguém vai colocar o dedo nos nossos minerais críticos de terras raras porque são nossos e nós vamos tomar conta disso.”
Lula indicou que, doravante, empresas interessadas em explorar matérias-primas estratégicas terão de investir no território nacional ou comprar o produto final do Brasil.
“Isso vai ter que ser utilizado para o futuro desse país”, afirmou. “Quem quiser, venha comprar da gente ou venha produzir aqui.”
O movimento ocorre em meio a sinais de interesse do governo norte-americano na cadeia de suprimentos desses minerais na América Latina.
Anistia e julgamento do ex-presidente Bolsonaro
Mais cedo, em entrevista à Rádio Itatiaia, Lula comentou o processo que apura a suposta trama golpista e disse que não pretende acompanhar a sessão que julga o ex-presidente Jair Bolsonaro.
“Não vou assistir ao julgamento. Tenho coisa melhor para fazer”, afirmou.
Ele defendeu que o caso seja decidido “com base nos autos” e evitou antecipar um desfecho: “Se ele cometeu crime, vai ser punido. Se não cometeu, será absolvido, e a vida continua. É assim que as coisas devem funcionar no Brasil.”
Ao ser questionado sobre a mobilização de aliados de Bolsonaro por uma anistia “ampla, geral e irrestrita” tanto ao ex-presidente quanto aos condenados pelos atos de 8 de janeiro, Lula descartou a ideia.
“Ele não foi nem julgado, já está querendo anistia? Ele está dizendo que já é culpado e quer ser perdoado?”
Na sequência, arrematou: “Primeiro ele tem que provar a inocência. Ele que prove que não tinha caminhão com bomba no aeroporto de Brasília, ele que prove que não tinha plano para matar o Lula, o Alckmin e o Moraes.”
Pressões externas e sanções como moeda de troca
O debate sobre anistia tem sido usado por setores bolsonaristas no diálogo com atores estrangeiros, segundo relatado por interlocutores políticos.
O texto original cita que o deputado Eduardo Bolsonaro tem vinculado o tema à revogação de sanções impostas pelos Estados Unidos ao Brasil.
Lula, por sua vez, reforçou que decisões dessa natureza devem obedecer ao devido processo legal e não a barganhas políticas, internas ou externas.
Comparação com o ataque ao Capitólio
No dia anterior, o presidente já havia se posicionado sobre a responsabilização de líderes em casos de atentado à ordem democrática, ao lembrar a invasão do Capitólio em janeiro de 2021, em Washington.
Em referência a Donald Trump, Lula declarou que “se tivesse acontecido no Brasil o que aconteceu no Capitólio, ele também estaria sendo julgado aqui”.
E concluiu com uma reafirmação de autonomia nacional: “Nós não somos tão grandes, não somos tão ricos, não temos tantas armas, tanto dinheiro, mas aprendemos que somos um povo orgulhoso, e quem manda no Brasil é o povo brasileiro e mais ninguém.”
O que vem a seguir para a agenda de soberania
O anúncio do conselho para minerais críticos abre uma frente de política pública que envolve mineração, meio ambiente, indústria e relações exteriores.
Segundo Lula, a coordenação ficará no Planalto, com participação do Ministério de Minas e Energia e da Casa Civil.
A expectativa do governo é usar a governança do setor para evitar exportação de commodities sem valor agregado e atrair fábricas e centros de pesquisa. “Quem quiser, venha produzir aqui”, repetiu.
Enquanto isso, o Planalto tenta recompor canais com Washington em meio à disputa por tarifas e cadeias estratégicas.
No plano interno, o foco permanece na condução de investigações e julgamentos relativos aos eventos de 8 de janeiro, que continuam a repercutir na arena política.
A evolução desses dois eixos — soberania econômica e estabilidade institucional — deve balizar os próximos movimentos do governo e a temperatura da relação com os EUA.
Diante desse cenário, a defesa de autonomia feita por Lula, materializada no controle de recursos estratégicos e no respeito às instituições judiciais, tende a orientar negociações comerciais e diplomáticas nos próximos meses.
Resta saber como a Casa Branca vai reagir às regras brasileiras para minerais críticos e de que forma o debate sobre anistia e responsabilização criminal influenciará o diálogo bilateral e o ambiente doméstico.