O clima de tensão comercial entre Brasil e Estados Unidos ganhou novos capítulos após o governo federal acionar a Lei da Reciprocidade Econômica. A medida, criada para proteger a competitividade nacional diante de barreiras unilaterais, abriu espaço para debates intensos dentro do setor produtivo. Indústria e agronegócio, que estão na linha de frente dos impactos, manifestaram preocupação com os riscos de prejuízos imediatos. Para entidades representativas, a pressa em adotar contramedidas pode comprometer negociações bilaterais em andamento e gerar efeitos colaterais sobre exportações estratégicas.
Após o governo federal iniciar o processo para aplicação da Lei da Reciprocidade Econômica contra os Estados Unidos, setores da indústria e do agronegócio se manifestaram em defesa da cautela.
A Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) e a Confederação Nacional da Indústria (CNI) avaliam que a medida, embora legítima, deve ser considerada apenas depois de esgotadas as negociações bilaterais.
Agro e indústria pressionam por diálogo
A FPA divulgou nota destacando que o acionamento imediato da lei pode atrapalhar conversas já em curso no Escritório do Representante de Comércio dos EUA (USTR).
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O Brasil terá espaço para apresentar sua defesa a partir de 3 de setembro. Segundo a Frente, é fundamental que o processo siga critérios técnicos e comerciais, evitando sinalizações equivocadas que comprometam a previsibilidade regulatória.
NOTA DA FPA:
Diante das incertezas geradas pela política tarifária recente dos Estados Unidos — incluindo a adoção de tarifas elevadas sobre produtos brasileiros —, a FPA defende cautela na aplicação imediata da Lei de Reciprocidade, priorizando critérios técnicos e comerciais.
Começa no dia 3 de setembro próximo, em Washington (EUA), a etapa de defesa oral de diversas entidades e representantes do setor produtivo brasileiro no processo formal conduzido pelo Escritório do Representante de Comércio dos Estados Unidos (USTR). Trata-se de uma agenda estratégica para apresentar argumentos técnicos em defesa dos produtos brasileiros e buscar a reversão ou mitigação das barreiras comerciais impostas ao país.
A avaliação prematura de contramedidas neste momento pode enviar sinalizações equivocadas e comprometer a própria estratégia de negociação internacional do Brasil.
A Frente reconhece o valor da Lei como instrumento legítimo de defesa econômica, mas reforça que sua utilização precisa respeitar o devido processo e o momento estratégico. O Decreto nº 12.551/2025, que regulamenta a aplicação da norma, prevê instâncias técnicas como a Camex (Câmara de Comércio Exterior), que devem ser ouvidas e respeitadas antes de qualquer deliberação.
A CNI também defendeu prudência. O presidente da entidade, Ricardo Alban, afirmou que “não é o momento” para acionar o mecanismo.
Ele ressaltou a importância de preservar a relação bilateral e defendeu o diálogo como alternativa para reverter a tarifa de 50% imposta a produtos brasileiros.
Para reforçar esse posicionamento, a confederação organizou uma comitiva de mais de 100 empresários que viajará a Washington nesta semana.
O que diz a Lei da Reciprocidade Econômica
Sancionada em 11 de abril de 2025, a Lei nº 15.122 estabelece critérios para suspender concessões comerciais, limitar investimentos e flexibilizar obrigações de propriedade intelectual quando outro país adota medidas unilaterais contra o Brasil.
O texto foi regulamentado em 15 de julho pelo Decreto nº 12.551, que criou um comitê interministerial para acompanhar negociações e propor contramedidas.
Na prática, a lei funciona como manual de reação. Define hipóteses de aplicação, lista instrumentos possíveis e organiza o processo decisório.
Entre as hipóteses, estão atos estrangeiros que interfiram em escolhas soberanas do Brasil ou que imponham barreiras sem respaldo em acordos internacionais. As medidas podem ser provisórias, em caráter excepcional, quando for necessária resposta rápida.
Como funciona o rito na Camex
O processo começa com consultas internas para que a Camex avalie, em até 30 dias, se as tarifas americanas se enquadram nas hipóteses da lei.
Caso haja enquadramento, a questão segue para colegiado competente e pode incluir grupo de trabalho para detalhar contramedidas. Essas propostas passam por consulta pública antes da decisão final.
O objetivo é pressionar por negociação, mantendo espaço para acordo bilateral. Em paralelo, o Brasil pode acionar a Organização Mundial do Comércio (OMC), caso entenda necessário. Essa combinação de canais busca equilibrar diplomacia e preparo jurídico.
O tarifaço americano
O governo dos Estados Unidos impôs tarifas de 50% sobre produtos brasileiros. O pacote foi formalizado em 30 de julho de 2025 e entrou em vigor em 6 de agosto. Houve exceções, como suco de laranja e aeronaves, mas itens importantes como café e carnes foram atingidos.
A Casa Branca associou as medidas a disputas políticas internas no Brasil, o que ampliou a tensão diplomática. Para o Itamaraty, usar tarifas como forma de pressionar decisões de tribunais nacionais caracteriza ingerência em assuntos internos. Essa avaliação foi registrada em ofício enviado à Camex.
Propriedade intelectual no centro do debate
Um dos pontos sensíveis da lei é a possibilidade de suspender obrigações de propriedade intelectual como resposta a medidas estrangeiras.
Isso não significa quebra automática de patentes. Trata-se de faculdade do Executivo, aplicada de forma pontual e fundamentada.
O decreto ressalta que medidas excepcionais podem ser adotadas enquanto se buscam soluções negociadas.
Além da propriedade intelectual, a lei prevê contramedidas sobre bens e serviços, bem como suspensão de concessões comerciais. A definição dos alvos dependerá de estudos técnicos e de diálogo com empresas afetadas.
Sinal político e estratégia do governo
Apesar de iniciar o processo, o Planalto tem indicado preferência pelo diálogo. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que não há pressa em retaliar.
O envio do ofício e a ativação do rito, porém, funcionam como sinal de dissuasão. Mostram que o Brasil está pronto para responder caso as negociações não avancem.
Com base na lei e no decreto, a Camex deverá quantificar impactos, simular cenários e propor alternativas. Só depois dessa etapa o governo decidirá se aplica contramedidas ou mantém a pressão diplomática. A comunicação oficial aos EUA faz parte desse roteiro.
O que esperar nos próximos dias
Os próximos 30 dias serão decisivos. A Camex precisa concluir a primeira análise nesse prazo. Enquanto isso, setores exportadores acompanham os efeitos das tarifas, especialmente no agronegócio e na indústria. Dependendo da evolução das conversas em Washington, o governo poderá considerar medidas provisórias, previstas em lei, para evitar danos maiores.
Na visão de especialistas, a estrutura criada pela lei dá previsibilidade a um momento de tensão. Ela fornece instrumentos jurídicos e políticos, mas caberá à condução do governo definir se e como usá-los.