Confederação Nacional da Indústria pede cautela diante da aplicação da nova lei, enquanto missão de empresários segue a Washington para tentar reverter tarifas impostas pelos Estados Unidos.
A Confederação Nacional da Indústria defendeu prudência diante do avanço do processo para aplicar a Lei da Reciprocidade Econômica (Lei nº 15.122/2025) contra os Estados Unidos, após autorização do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Em nota divulgada em 29 de agosto, o presidente da CNI, Ricardo Alban, afirmou que “o setor industrial continuará buscando os caminhos do diálogo” e avaliou que “não é o momento” de acionar a lei, posicionamento que atribui caráter intempestivo ao uso do novo instrumento neste estágio do contencioso.
A manifestação ocorre como resposta às tarifas de 50% impostas pelo governo de Donald Trump a produtos brasileiros.
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CNI prioriza diálogo e pede cautela
Segundo a entidade, a prioridade é insistir em negociações para reverter a tarifa ou ampliar exceções para itens nacionais.
“Precisamos de todas as formas buscar manter a firme e propositiva relação de mais de 200 anos entre Brasil e Estados Unidos”, disse Alban.
Ele acrescentou que o objetivo é “abrir caminhos” para uma saída negociada, sem precipitar contramedidas.
A CNI sustenta que as economias são complementares e que boa parte do comércio bilateral envolve bens intermediários.
Na última década, esses insumos corresponderam a cerca de 58% do total transacionado entre os dois países, argumento usado para desaconselhar escalada imediata.
Missão empresarial a Washington
Enquanto defende moderação, a confederação organiza uma missão com mais de 100 líderes empresariais e representantes de associações setoriais a Washington, já no início desta semana.
A agenda inclui encontros com autoridades e empresas norte-americanas e preparação técnica para a audiência pública marcada pela USTR no âmbito da Seção 301 da Lei de Comércio dos EUA.
Os compromissos buscam municiar o setor privado brasileiro de informações e abrir canais políticos e empresariais que facilitem uma negociação para reverter a tarifa de 50% ou, ao menos, ampliar as exceções já concedidas.
Audiência da Seção 301 ocorre em 3 de setembro
A investigação norte-americana foi aberta em julho e examina atos e políticas do Brasil em áreas como comércio digital, serviços de pagamento, propriedade intelectual e meio ambiente.
A audiência pública da Seção 301 está marcada para 3 de setembro de 2025, com possibilidade de continuação no dia 4, e serve para receber depoimentos de interessados a favor e contra medidas adicionais.
De acordo com a USTR, um transcrito oficial será publicado após a sessão, que não terá transmissão ao vivo.
Empresas e entidades brasileiras inscreveram-se para participar com manifestações técnicas e setoriais.
O que prevê a Lei da Reciprocidade Econômica
Sancionada em abril de 2025, a Lei nº 15.122/2025 autoriza o governo brasileiro a adotar suspensão de concessões comerciais, de investimentos e de obrigações relativas à propriedade intelectual em reação a medidas unilaterais de outros países que afetem a competitividade internacional do Brasil.
O texto entrou em vigor em 14 de abril e funciona como base legal para contramedidas proporcionais, após procedimento técnico conduzido pela Camex.
No âmbito desse rito, o governo precisa avaliar o impacto da sanção estrangeira, consultar partes interessadas e calibrar eventuais respostas.
A adoção de medidas depende de fundamentação técnica e tende a ocorrer em etapas, o que reforça a leitura de que o processo é gradual.
Tarifa de 50% dos EUA e reação do governo brasileiro
Em 30 de julho de 2025, a Casa Branca publicou uma ordem executiva que oficializou tarifa adicional de 50% sobre produtos brasileiros, além de encargos já existentes.
A medida entrou em vigor em 6 de agosto e foi justificada pelo governo Trump com base em “emergência nacional”, combinando fundamentos da legislação comercial e de poderes executivos.
Alguns itens, como aeronaves, obtiveram exceções, mas setores como café e carnes foram listados entre os mais afetados.
Como resposta, o Itamaraty comunicou o início do processo para eventual aplicação da Lei da Reciprocidade, ao mesmo tempo em que acionou consultas na OMC e reforçou a defesa jurídica com um escritório norte-americano contratado pela AGU.
O Arnold & Porter Kaye Scholer LLP foi selecionado para representar o Brasil em medidas administrativas e judiciais relativas às tarifas e a sanções associadas.
Lula diz não ter pressa e mantém porta aberta a negociação
Embora tenha autorizado a Camex a levar adiante o procedimento, o presidente Lula afirmou, em 29 de agosto, que “não tem pressa” em retaliar os Estados Unidos e que a prioridade é buscar um acordo.
Em entrevista à Rádio Itatiaia, ele disse que o trâmite “demora” e que o Brasil permanece disponível para conversar “24 horas por dia” se houver disposição do lado norte-americano.
O Planalto reiterou que o país já formalizou consultas na OMC.
Nesse contexto, a sinalização de cautela da CNI converge com a estratégia do governo de usar o processo como instrumento de pressão sem precipitar retaliações, de modo a incentivar a reversão ou o alargamento de exceções ao tarifaço.
Comércio bilateral e efeitos potenciais
O comércio Brasil-EUA é intensivo em insumos produtivos, condição que eleva o risco de efeitos colaterais se houver escalada recíproca.
Segundo a CNI, 58% da corrente de comércio da última década correspondeu a bens intermediários, e a eventual ampliação de tarifas pode encarecer cadeias integradas que envolvem desde máquinas e equipamentos até madeira, café e cerâmica.
O tema é parte das agendas técnicas que empresários brasileiros levam às autoridades e ao setor privado dos EUA nesta semana.
Ainda que a lei brasileira permita a suspensão de concessões comerciais e de propriedade intelectual, a decisão de usá-la depende de avaliação de proporcionalidade e do potencial impacto econômico doméstico e sobre parceiros.
A CNI ressalta, por isso, que negociações diretas e a defesa do Brasil nos fóruns apropriados são, neste momento, as vias preferenciais.
O debate agora se concentra em Washington, com depoimentos na USTR, e em Brasília, onde o governo monitora os desdobramentos e o setor privado pressiona por uma solução que reduza incertezas.
A estratégia conjunta de governo e indústria será suficiente para destravar concessões do lado norte-americano sem abrir uma nova frente de retaliações?